Quero ser feliz no Butão

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O que seria o verdadeiro desenvolvimento? Historicamente, esse conceito esteve relacionado quase sempre ao suposto grau de modernidade de um país, ou seja, países muito tradicionais seriam pouco desenvolvidos e países modernos seriam desenvolvidos (Europa Ocidental, principalmente). Politicamente, por exemplo, um país democrático teria um maior grau de desenvolvimento, enquanto um país tribal seria considerado subdesenvolvido. Além disso, no âmbito econômico, a mecanização, a tecnologia e a urbanização seriam fatores importantes.

Em decorrência desses objetivos modernizantes, “receitas de bolo” semelhantes foram estabelecidas, principalmente pelas Agências Internacionais Contemporâneas (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional), para todos os países que quisessem se desenvolver efetivamente. Eles atingiriam, por meio de processos quase homogêneos, o desenvolvimento pleno inevitável, mesmo que em diferentes velocidades – como uma “escada rolante” sempre ascendendo.

Países mais atrasados, portanto, poderiam pegar um “atalho” e realizar processos de “clonagem”, aproveitando-se dos conhecimentos produzidos anteriormente para seu próprio desenvolvimento, como a China parece fazer atualmente.

FMI + Banco Mundial = Centenas ricos, bilhões pobres (Reprodução/New Zimbabwe)
FMI + Banco Mundial = Centenas ricos, bilhões pobres (Reprodução/New Zimbabwe)

Limites ao desenvolvimento

Embora esses modelos homogêneos e inevitáveis de desenvolvimento tenham sido aplicados no passado e continuem sendo aplicados no mundo contemporâneo, eles parecem não funcionar adequadamente, uma vez que tradição e modernidade se encontram em inúmeras mesclas nas sociedades do mundo, o que demonstra a complexidade do tema.

Primeiramente, as características históricas de cada país são muito singulares, assim, é quase impossível imaginar que um único modelo cumpriria o objetivo de desenvolver todos os países. Além disso, os próprios limites materiais e ambientais de crescimento – recursos limitados – não possibilitam o desenvolvimento linear e eterno dos PIB’s mundiais. As diferenças culturais também podem exercer grande influência nos modelos adotados, uma vez que cada povo tem a sua própria utopia desenvolvimentista.

Entretanto, as influências externas para impulsionar ou impedir o desenvolvimento de países ou regiões do mundo não podem ser desprezadas tampouco. No livro Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, de Ha-Joon Chang, o autor afirma que, durante toda a história, os países desenvolvidos forçaram os países em desenvolvimento a adotarem as chamadas “boas políticas e boas instituições” – atualmente, liberalização econômica e financeira, desregulamentações e privatizações em massa -, as quais promoveriam o desenvolvimento econômico.

Chang mostra que não faltam evidências históricas sugerindo o contrário, já que, “se os países desenvolvidos tivessem mesmo adotado as políticas que recomendam aos países em desenvolvimento, não seriam o que são hoje”.

Capa do livro “Chutando a Escada”, de Há-Joon Chang
Capa do livro “Chutando a Escada”, de Há-Joon Chang

Durante os séculos XIX e XX, antes de se tornarem desenvolvidos, esses países adotaram amplamente o protecionismo e tinham poucas das instituições que são recomendadas atualmente aos outros países – os países mais protecionistas do mundo durante boa parte do século XIX e início do século XX foram EUA e Alemanha, respectivamente.

Desse modo, a partir disso, ao requererem a adoção de determinadas medidas “ortodoxas”, os países desenvolvidos estariam “chutando a escada” para que os países em desenvolvimento não conseguissem obter o desenvolvimento pleno.

Em decorrência de todas as características citadas, pode-se perceber que existem vários tipos de modernidades, que estão longe de serem homogêneas e lineares; a imposição de um modelo sobre todos os povos, desse modo, parece cumprir apenas um objetivo: obstáculos ao próprio desenvolvimento desses países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, numa espécie de colonialismo perpétuo.

“Teoria é sempre feita para alguém e para algum propósito” (Robert Cox, 2010)

(Reprodução/www.polyp.org.uk)
(Reprodução/www.polyp.org.uk)

“Eu quero ser feliz também”

Alguns países, contudo, não apenas rejeitaram o modelo europeu de desenvolvimento – baseado, principalmente, no Produto Interno Bruto (PIB) [1] -, como criaram índices próprios para medir aspectos importantes para suas populações.

A Felicidade Interna Bruta (FIB) é um indicador desenvolvido pelo ex-monarca do Butão, Jigme Singya Wanghuck, em 1972, o qual estabelece que o cálculo de desenvolvimento de um país deve considerar outros aspectos além do desenvolvimento econômico, como a conservação do meio ambiente e a qualidade de vida da população. O objetivo principal desse indicador é integrar o desenvolvimento material com o psicológico, o cultural e o espiritual, que devem estar em harmonia com a Terra.

Escola de Ensino Médio no Butão (Reprodução/huffingtonpost)
Escola de Ensino Médio no Butão (Reprodução/huffingtonpost)

O FIB possui nove dimensões: bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade da comunidade, educação, cultura, meio-ambiente, governança e padrão de vida. Desse modo, esse índice avalia a satisfação e o otimismo da cada pessoa com relação a sua vida, como taxas de emoções positivas e negativas, autoestima, sensação de competência, estresse e atividades espirituais; o tempo para lazer e socialização com a família e amigos; os relacionamentos e interações nas comunidades; a qualidade da água, do ar, do solo, e da biodiversidade;  o modo pelo qual a população enxerga o governo, a mídia, o judiciário, o sistema eleitoral, e a segurança pública, em termos de responsabilidade, honestidade e transparência[2]; entre outros.

“A Felicidade Interna Bruta é mais importante do que o Produto Interno Bruto” (Jigme Singya Wanghuck)

Esses índices demonstram um panorama mais complexo e completo da sociedade butanesa, uma vez que abrangem vários contextos da vida política, econômica, social, cultural e ambiental dos indivíduos e do país como um todo. Embora o desenvolvimento econômico não deva ser desprezado, ele é (ou deveria ser) apenas um dos componentes de medição da satisfação humana dentro de uma sociedade qualquer.

“Não se trata de negar o desenvolvimento econômico, mas de considerá-lo uma parte de uma constelação de métricas”[3]

O Butão “fez escola”

A iniciativa do governo do Butão vem se espalhando pelo mundo, como na Finlândia, onde foi lançada a “A política da felicidade”, propondo que os governos coloquem a busca pela felicidade no centro de suas agendas, no lugar da economia. De maneira semelhante, a própria ONU criou o Índice de Valores Humanos, que retrata melhor a satisfação das populações em diversas áreas e a percepção delas sobre situações cotidianas.

Monges jogando voleibol em Rabdey Dratsang, no Butão (Reprodução)
Monges jogando voleibol em Rabdey Dratsang, no Butão (Reprodução)

Devemos sempre que possível desmistificar a existência de apenas um modelo de desenvolvimento que seria aplicado para todo o mundo, visto que a complexidade e a singularidade dos países não permitem que todos se desenvolvam de maneira semelhante. Números não podem definir todos nossos modelos, pois eles são (ou deveriam ser) apenas instrumentos para a busca do desenvolvimento humano.

Atualmente, nossas sociedades instituíram que gráficos e tabelas tornaram-se a realidade em si, enquanto a subjetividade das pessoas é descartada como pouco eficaz para demonstrar a realidade. À medida que descolonizemos o próprio conceito de desenvolvimento, talvez o Sul Global terá alguma chance de se desenvolver soberanamente.


Felipe Costa Lima é formado em Direito pela UFMG; Especialista em Política Internacional pela Faculdade Damásio de Jesus; e Mestrando em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Latino-americano de alma, talvez consiga quebrar visões eurocêntricas sobre os acontecimentos mundiais. Talvez…

[1] O que é FIB. Felicidade Interna Bruta. Disponível em: http://www.felicidadeinternabruta.org.br/sobre.html

[2] O Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região durante um determinado período de tempo

[3] ALLISON, 2012 apud Bittencourt, Rafael, 2015. Alternativas ao desenvolvimento: Casos do Sul Global. Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015. Simpósio de Pós­-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC­SP) “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas”

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