O repúdio de Trump por imigrantes é um mau negócio para os EUA

Cartaz à esquerda diz que “Wall Street é o inimigo, e não Muçulmanos e imigrantes” (Reprodução: CNN)

A piada acabou e a realidade bateu à porta. Um extremista realmente chegou ao cargo mais importante do planeta, como líder de uma das maiores potências econômica e militar da história da humanidade. Donald Trump, em apenas algumas semanas como presidente, já demonstra que seu governo poderá prejudicar não somente os estadunidenses, mas também seus aliados mais próximos (Europa Ocidental) e seus principais “inimigos” (países muçulmanos). Parece que Trump busca objetivos políticos de curto prazo e, com isso, pode prejudicar a política externa norte-americana do pós-Segunda Guerra Mundial.

Tudo que acontece nos EUA, absolutamente tudo, tem grandes repercussões por todo o globo terrestre. Os “tentáculos” do poder norte-americano atingem todos os países, sejam eles aliados ou não, e todos os contextos (econômico, político e social), ainda que com diferentes intensidades. Dois decretos em especial ferem os direitos de dois grandes grupos populacionais – muçulmanos e hispânicos – e conseguiram, “numa só tacada”, ferir frontalmente o Sistema Internacional e a sociedade estadunidense.

Choque de Civilizações?

Em primeiro lugar, um dos decretos mais controversos de Donald Trump afirma que qualquer cidadão que não seja estadunidense e que seja proveniente do Iraque, do Irã, do Sudão, da Líbia, da Somália, da Síria e do Iêmen não poderá entrar nos EUA, durante 90 dias, mesmo que sejam residentes permanentes legais ou tenham vistos válidos.

Consequentemente, esse decreto fere frontalmente princípios existentes desde a formação dos EUA, na medida em que esse país foi e continua sendo formado majoritariamente por imigrantes de diversas partes do globo. Já que um pouco de hipocrisia não faz mal a ninguém (né?), duas das três mulheres com que Donald Trump se casou são estrangeiras, inclusive a atual; mas a cereja do bolo fica por conta de seu avô, Frederick Trump, uma vez que existem diversas fontes que afirmam que ele entrou ilegalmente nos EUA, no fim do século 19.

Donald Trump e seu avô (Reprodução: http://www.dailystar.co.uk/news/latest-news/564309/donald-trump-grandfather-banished-germany)

Essa proibição torna-se ainda mais grave se levarmos em conta o Direito Internacional, já que esses países listados são grandes emissores de refugiados do mundo. De acordo com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951) e seu Protocolo de 1967, são refugiados as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa.

A partir disso, os indivíduos que preencherem todos os requisitos exigidos para serem refugiados terão direito ao refúgio nos países signatários desse tratado e do Protocolo (os EUA assinaram o protocolo), independentemente da procedência:

Artigo 3 da Conferência sobre o Estatuto dos Refugiados
Não discriminação

“Os Estados Contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto a raça, religião ou país de origem”.

 

Poucos sírios chegavam aos EUA, mesmo com a política dos “Braços Abertos de Obama”; Trump só tende a piorar a situação (Reprodução: politico.com/story/2016/03/few/syrian/refugees/united-states)

Leis discriminatórias contra qualquer etnia ou religião ferem frontalmente os princípios de qualquer Estado de Direito no mundo; leis contra a população muçulmana e a fé islâmica, porém, demonstram também enorme desconhecimento a respeito da demografia e da importância social dessa população nos EUA e no mundo.

Inúmeras projeções destacam que, em 2050, os adeptos ao islamismo serão a maioria da população mundial, uma vez que essa religião irá ultrapassar o cristianismo como religião mais professada do planeta [1]. Outro dado importante é que, nas próximas décadas, existirão mais muçulmanos do que judeus nos EUA [2].

Em resumo, alimentar o ódio contra essa etnia terá como consequência se opor, no longo prazo, à grande parte da população dos EUA e à metade da população da Terra. Para um país que busca sempre a proeminência no mundo, essa política pode ser catastrófica.

Cartaz ao centro afirma que “o Islamismo dominará o mundo” (Reprodução: http://www.frontpagemag.com/fpm/258300/islams-baby-jihad-raymond-ibrahim)

Aliados também “sangrarão”

Os atos de Trump e a falta de observância com relação à “explosão islâmica no mundo” têm efeitos psicológicos e diplomáticos não apenas em grandes países aliados dos EUA que possuem maioria de população muçulmana – como Paquistão, Iraque e Arábia Saudita –, mas também em aliados com grandes minorias dessa população – como França e Alemanha.

Os muçulmanos franceses já são aproximadamente 5 milhões, sendo 7,5% da população total, enquanto na Alemanha, eles são cerca de 4 milhões, ou seja, aproximadamente 5% da população, o que tende a se intensificar por causa da crise migratória existente atualmente e pela maior taxa de natalidade dessa população.

Num contexto no qual os muçulmanos já sofrem intensas discriminações nesses países ocidentais, aumentar o ressentimento deles pode auxiliar ainda mais na cooptação de potenciais terroristas na Europa e nos EUA, aprofundando as chances de ataques bem sucedidos.

“É fácil imaginar o pior, pois nunca, na história moderna dos Estados Unidos, houve um presidente menos qualificado e menos experiente nem com uma personalidade tão polêmica”
(documento elaborado pela Direção Geral para Políticas Externas da UE)

Desse modo, Trump conseguiu receber quase que por unanimidade críticas no âmbito internacional, tanto dos países muçulmanos, que têm aplicado a reciprocidade diplomática, ao não permitir a entrada de norte-americanos nos seus territórios (Iraque e Irã, por exemplo), como dos aliados históricos, como França e Alemanha, por causa do desrespeito ao Direito Internacional e pelos problemas internos que isso pode causar com as minorias muçulmanas. No contexto doméstico, os constantes protestos contra seu governo falam por si mesmos.

A anulação de parte do decreto por um Tribunal Federal de Nova York torna-se, ao menos por enquanto, um alento àqueles que acreditam que o judiciário conseguirá impor os limites necessários ao poder executivo capitaneado por Trump.

O muro xenófobo

O decreto que permite a construção de um muro de separação em 100% da fronteira entre o México e os EUA, assim como o corte de verbas para as cidades-santuário de imigrantes, são medidas extremamente populistas, pois apenas aprofundam o problema.

Primeiramente, a fronteira com o México já é uma das mais policiadas de todo o mundo, embora somente em 33% dela existam muros atualmente. Além disso, a história da humanidade demonstra que imigrantes ilegais e refugiados não têm seu ímpeto de entrar em qualquer país diminuído por causa da existência de um muro.

Mas talvez o maior problema é o que isso representa no psicológico da sociedade norte-americana, primordialmente da população hispânica, a qual se sente profundamente atingida por tais medidas discriminatórias.

A população hispânica nos EUA é de aproximadamente 57 milhões de pessoas atualmente, de um total de 329 milhões de estadunidenses, ou seja, quase 15% da população total. Essa situação se torna mais extraordinária se buscamos as projeções para 2050, nas quais os hispânicos serão 106 milhões de um total de 398 milhões (26,6% do total).

O Estado da Califórnia é um dos exemplos mais espetaculares, já que passou a ser majoritariamente hispânico, ou seja, os brancos se tornaram minoria. Por último, em decorrência principalmente da idade média baixa e da maior taxa de fertilidade dessa população, a força de trabalho nos EUA, em 2050, terá três hispânicos para cada branco.

A partir de todas essas informações, percebe-se que as tais medidas de Trump poderão ter consequências interessantes. No âmbito político, o Partido Republicano, o qual tem enfrentado dificuldades para ganhar votos dos hispânicos, será ainda mais prejudicado – desde 1976, os hispânicos sempre votaram majoritariamente no Partido Democrata, enquanto os brancos sempre proporcionaram a maioria dos votos aos republicanos.

Se o Partido Democrata souber utilizar a seu favor tanto a repulsa dos hispânicos a Donald Trump quanto o aumento de longo prazo da porcentagem de hispânicos no total populacional, isso poderá proporcionar um grande trunfo para esse partido nas eleições futuras.

No plano social, o aumento da retórica contra hispânicos também deve provocar ressentimentos e instabilidade política, pois grandes cidades-santuário, como Boston, Chicago, São Francisco e Baltimore, já afirmaram que irão proteger seus imigrantes, apesar das pressões do governo federal. Essas cidades possuem essa definição por não colaborarem com as autoridades de imigração, protegendo assim os imigrantes ilegais de deportações.

Cidades-santuário dos EUA (Reprodução: Wikipedia)

No âmbito internacional, o decreto da construção do muro abriu uma crise diplomática profunda com o México, uma vez que Trump insiste em afirmar que esse país “pagará por essa construção, de uma maneira ou de outra”. O presidente do México, Enrique Peña Nieto, não somente cancelou uma visita que faria aos EUA por causa dessas afirmações do presidente norte-americano, mas também disse reiteradamente que o México não pagará pelo muro.

Enrique Peña Nieto afirma que o México não pagará pela construção do muro (Reprodução: Twitter)

O corte de financiamento às cidades-santuário, somado a isso, causaram intensas preocupações em toda a América Latina, já que a grande maioria dos países dessa região tem grandes contingentes de nacionais vivendo nos EUA.

As ameaças de deportação aos latino-americanos ilegais poderão prejudicar tanto os EUA – pela diminuição da mão de obra e o aumento dos conflitos – como os países da América Latina (inclusive o Brasil), os quais recebem grande quantidade de recursos que são enviados de volta aos países de origem desses imigrantes.

Conclusão

A construção do muro e o veto a imigrantes muçulmanos podem até ser defendidas politicamente – cumprimento das promessas de campanha, por mais extremas que elas sejam. Porém, elas ferem frontalmente a racionalidade econômica e social, tanto nos EUA como no mundo.

Infelizmente o processo democrático dos EUA, por várias razões, levou um extremista ao poder, e as consequências disso podem ser graves para a hegemonia norte-americana no Sistema Internacional.

“Let’s make America great again?”. Acho que não.


Felipe Costa Lima é formado em Direito pela UFMG; Especialista em Política Internacional pela Faculdade Damásio de Jesus; e Mestrando em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Latino-americano de alma, talvez consiga quebrar visões eurocêntricas sobre os acontecimentos mundiais. Talvez…

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