Retirada de ambulantes das ruas e prazo apertado preocupam comerciantes e vereadores

Shopping recebeu vereadores; camelôs reclamam do valor do aluguel dos boxes/Yuran Khan/Bhaz

Na tarde dessa quinta-feira (22), vereadores visitaram os shoppings populares Caetés e Tupinambas, na região central de Belo Horizonte, para verificar as estruturas e condições de seu funcionamento. A visita técnica foi motivada por relatos e denúncias de ex-camelôs que se tornaram lojistas em centros comerciais da capital. A ação também faz parte do projeto para levar os ambulantes para dentro desses estabelecimentos.

Os vereadores Áurea Carolina (PSOL), Gabriel Azevedo (PHS) e Pedro Patrus (PT), membros da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte, estiveram presentes nas unidades. A vistoria foi acompanhada por diversos ambulantes, tanto os que trabalham dentro dos estabelecimentos quanto camelôs que atuam na rua. Ao todo, são 1.137 vendedores nas calçadas da capital, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. O plano é realocá-los para dentro dos shoppings populares e feiras de segurança alimentar até o dia 27 de junho. “Uma inserção produtiva destes comerciantes”, segundo a Prefeitura.

“Nós queremos compreender qual a real situação desses estabelecimentos e também ouvir a opinião dos ambulantes. Essa visita é uma forma de se aproximar e buscar, de forma participativa, junto aos comerciantes e à prefeitura, uma saída para que a situação [dos ambulantes nas ruas] seja solucionada”, disse a vereadora Áurea Carolina, antes de iniciar a visita.

Para Gabriel Azevedo, a venda de produtos nas calçadas do hipercentro é problemática, tanto se tratando da condição desses trabalhadores, quanto em relação aos produtos vendidos e à mobilidade dos pedestres. “Nas ruas, esses trabalhadores atuam na ilegalidade, além de fazerem a venda de produtos dos quais não se sabe a procedência. A proposta é, seguindo o Código de Postura de Belo Horizonte, trazer esses ambulantes para dentro dos shoppings e dar ferramentas para que eles trabalhem legalmente”, explicou Gabriel Azevedo.

Se de um lado a Prefeitura defende a colocação dos ambulantes nos boxes dos shoppings, de outro, parte dos camelôs desaprova a ideia. Vânia Lúcia, de 53 anos, trabalha como “caixeira” nas ruas e considera a ideia “um absurdo”. “Nas ruas, nós temos mobilidade de vender onde tem mais movimento, fazemos nosso horários, além de que não termos despesas extras. Os shoppings não têm movimento e lá dentro, temos que pagar aluguel”, afirma a ex-cozinheira, que atua há 12 anos como ambulante

Vânia Lúcia, ao lado da vereadora Áurea Carolina (Yuran Khan/Bhaz)

“Eles querem transformar-nos de camelôs em empreendedores, mas esquecem que existe uma questão cultural e de escolaridade. Eu, por exemplo, não teria condições de administrar um negócio, nem capital de giro para fazer investimentos”, completou Vânia.

Entre 2002 e 2003, quando foi discutido o Código de Posturas de Belo Horizonte, houve uma situação semelhante. À época, ficou decidido que os camelôs iriam para centros comerciais, desde que fossem em área de bastante fluxo de pessoas. Mas, segundo Alex Matozinho da Silva, fluxo de pessoas é uma realidade que, dentro do shopping, não existe. O vendedor foi realocado para o Caetés, onde mantém uma loja de eletrônicos. Segundo ele, a situação do centro comercial é de abandono e a falta de movimento que, somados às despesas para manter o box, só trazem desvantagens.

“O aluguel do box custa R$ 404 e este já é o terceiro mês em que não consigo pagar. Se não tem quem compre aqui, como vou pagar as despesas? Eles [a prefeitura, em 2003] trouxeram a gente pra cá mas nos abandonaram, não tem um incentivo. Se eu pudesse, entregava a chave da loja hoje e voltava a vender na rua”, desabafou o comerciante de 44 anos, que atua na área há 11.

A loja de Alex fica na esquina de um dos corredores do Caetés, na entrada em frente à pista do Move, na avenida Santos Dumont, e ocupa um dos 62 boxes do shopping. Atualmente, 30 deles estão fechados.

No shopping Caetés, 30 dos 62 boxes estão fechados (Yuran Khan/Bhaz)

No entanto, alguns comerciantes acreditam que a medida pode ser positiva caso haja incentivos e subsídios por parte da prefeitura. Marco Antônio, também empreendedor do Caetés, enxerga a medida com olhos de esperança, já que, segundo ele, essa nova administração –referindo-se aos vereadores – promove o diálogo. Para ele, a inserção dos camelôs pode atrair movimento e mais clientela aos centros comercial.

A quatro dias do prazo para tirar os camelôs das ruas, o curto tempo é o que mais preocupa os trabalhadores. “A proposta da prefeitura é linda mas para nós existe o imediatismo da sobrevivência”, desabafa Vânia, que tem navendas de bebida o único meio para se manter. Ernani Pereira, membro da União dos Ambulantes de Rua, acredita que é preciso negociar com os ambulantes. “As pessoas não podem interromper sua única fonte de renda para a prefeitura fazer ajustes. Não vou defender a ocupação das ruas, mas é preciso encontrar uma alternativa digna. Quem vai pagar as contas dessas pessoas?”, questionou aos vereadores presentes no local.

Em diálogo com os comerciantes, Gabriel Azevedo assegurou que cabe aos vereadores garantir que tudo seja feito de maneira ordenada, mas que há uma situação de ilegalidade que não pode ser mascarada. “Temos que agir segundo o Código de Posturas”, reafirmou. As determinações, implantadas em 2010, proíbem o exercício de atividade por camelôs e toreros – aqueles que abastecem os ambulantes – em logradouro público e veda a utilização do passeio por ambulantes. Para o vereador Pedro Patrus, é necessária uma modificação no referido Código. “O Código é rígido, mas a cidade é plural e nela cabe todo mundo. Aí parte para uma discussão pertinente de modificá-lo mas, enquanto ele existe, tem que ser cumprido”, afirmou.

Após a visita, Áurea se mostrou apreensiva em relação ao prazo. “Enquanto não existir uma saída na política pública, não podemos remover essas pessoas das ruas”, disse. “É necessário dar a essas pessoas alternativas de geração de renda, a fim de dinamizar o tipo de comércio, mostrar que elas podem vender coisas além de eletrônicos, meias, brinquedos”, completou a vereadora.

O projeto

A operação da PBH será dividida em três etapas e prevê que até o dia 27 de junho os camelôs sejam retirados das ruas. O primeiro passo – uma ação transitória – é a instalação dos ambulantes em shoppings populares. A partir de então, as polícias Civil e Militar e a Receita Federal promoverão ações conjuntas para coibir o comércio ilegal de produtos. Segundo Maria Caldas, secretária de Serviços Urbanos, estão previstos 900 vagas dentro dos centros comerciais.

No segundo momento, haverá abertura de vagas nas feiras de segurança alimentar. Inicialmente, serão 727 espaços, em diversas regiões de BH. A esperança é de que a etapa transitória dure até três meses, prazo em que a PBH espera conseguir, na Câmara, a aprovação de uma operação urbana para implementar a última fase do processo.

Na etapa final, a prefeitura vai subsidiar parte do aluguel dos comerciantes nos shoppings populares. Espera-se que os donos do centros comerciais reduzam em um terço o valor dos aluguéis, com a prefeitura dividindo com os camelôs os dois terços restantes ao longo de cinco anos. A proporção vai se invertendo ao longo do período e, no fim do quinquênio, o lojista terá de arcar com a totalidade do aluguel. A prefeitura também prevê cursos de capacitação para os camelôs, para que eles conquistarem uma formação voltada ao empreendedorismo.

Letícia Almeida

Letícia Almeida é redatora no Portal Bhaz

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