Drag queen visita crianças em escola mineira; conselheiro tutelar reage e aciona MPF

Reprodução/YouTube

A presença de uma drag queen em uma escola de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, é um das novas polêmicas das redes sociais. O vídeo com a presença do artista no Colégio de Aplicação João XXIII foi publicado no Facebook da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que administra a instituição.

O vídeo gravado nas dependências da escola, em comemoração ao dia das crianças, mostra Nino de Barros – a Femmenino – entrevistando as crianças e conversando com elas sobre o dia a dia dos pequenos estudantes. Assuntos como lanches e presentes são pautados no vídeo.

Entretanto, a polêmica surgiu devido a um trecho específico da gravação em que a drag diz que “coisa de menina e menino não existe!”. Em seguida, um dos alunos diz que isso é preconceito. “Viu? Toma, família brasileira!”, completa a drag na sequência.

O conselheiro tutelar Abraão Fernandes, da cidade de Juiz de Fora, protocolou uma representação no Ministério Público Federal contra o artista. Além disso, um trecho editado do vídeo também foi compartilhado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em sua página no Facebook, onde ele pede a opinião de seus seguidores. As imagens aparecem acompanhadas pela legenda “prestem atenção na canalhice que estão fazendo com nossas crianças”.

Em nota, a UFJF, responsável pelo colégio, repudiou a ação do conselheiro e a polêmica sobre o programa criada nas redes sociais. Confira na íntegra:

“A Diretoria de Imagem Institucional da UFJF, responsável pelo programa gravado no Colégio de Aplicação João XXIII, mostra-se surpresa com a proporção tomada. A Administração Superior da Universidade manifesta o total apoio ao trabalho desenvolvido pelo apresentador Nino de Barros e ratifica a política voltada para uma educação cada vez mais inclusiva e de respeito à diversidade.

A UFJF tem compromisso com uma educação pública, democrática, de qualidade e inclusiva, tanto nos seu cursos na educação superior quanto na educação básica.

O Colégio de Aplicação João XXIII é uma Unidade Acadêmica da UFJF vinculada ao sistema federal de colégios de aplicação e possui, em seu projeto político-pedagógico, o objetivo de assegurar ao educando a formação indispensável ao exercício efetivo da autonomia com a estruturação de uma sociedade justa e democrática”.

Outra polêmica

Além da confusão envolvendo o programa gravado no colégio. Nesta segunda-feira (16), após a representação feita pelo conselheiro tutelar, uma estudante registrou um boletim de ocorrência. Ela acusa o mesmo conselheiro de cometer injúria racial. A jovem de 25 anos é amiga do artista Nino de Barros.

Segundo a denúncia, Abraão Fernandes, de 23 anos, teria ofendido a jovem por uma conversa via Facebook. A jovem relatou que durante uma discussão, Abraão enviou mensagens para ela dizendo que ela tinha “cor de bosta”.  Além disso, ele disse que ela escondia “um monte de coisas na cabeça, menos pente e shampoo”. Prints da conversa foram anexadas no inquérito. O caso será investigado pela Polícia Civil.

O conselheiro faz parte do quadro de funcionários de Juiz de Fora, mesmo o conselho sendo um órgão independente. Sendo assim, a conduta pode resultar em uma demissão. Em nota, a prefeitura do município explicou que já instaurou um processo administrativo contra Abraão. Segundo o posicionamento, o conselheiro vem recebendo reclamações sobre sua conduta desde 2016. Veja a nota na íntegra:

“A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informa que já instaurou Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o referido conselheiro tutelar, em virtude de diversas denúncias recebidas pela Administração Municipal, desde dezembro de 2016, de diferentes órgãos, como a Promotoria da Infância e da Juventude, Câmara Municipal e do próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), baseando-se em possíveis descumprimentos de deveres funcionais.

Desde então, o Município, através da Supervisão de Processos Disciplinares e Sindicâncias da Secretaria de Administração e Recursos Humanos, tem se debruçado na busca de documentação junto ao CMDCA para melhor instrução do PAD. A PJF reforça que, com o processo administrativo disciplinar, continua adotando todas as providências cabíveis para melhor apuração dos fatos, assegurando ao acusado, durante todo o processo, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Ao final do PAD, poderá ser aplicada uma das penalidades previstas na Lei 8710, que são advertência, suspensão ou demissão.”

Apoio

O artista Nino Barros se posicionou sobre o ocorrido por meio de sua página no Facebook. Segundo ele, a ida ao colégio foi com o objetivo de “fazer um material diferente, impactante, que fomentasse o senso crítico, a discussão, e que incentivasse as crianças a pensarem fora da caixa”. Clique para ver o desabafo na íntegra.

A Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Juiz de Fora, declarou apoio ao artista e a UFJF. O comunicado foi feito por meio de uma carta. Segundo o órgão, fomentar reflexão sobre gênero nas escolas é contribuir para a desconstrução da cultura do machismo. Pois, essa conduta produz das mais diversas violências contra as mulheres, desde a mais tenra idade; para o combate à LGBTfobia, que mata diariamente seres humanos no Brasil; é contribuir para o reconhecimento da diversidade e respeito aos direitos humanos.

Clique aqui para ver a carta na íntegra.

Conselho tutelar

O Bhaz conversou com o presidente do Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora, Carlos Rodrigues. Segundo ele, o conselheiro autor da ação no MPF tomou a atitude de maneira isolada sem consultar o colegiado do órgão. “Nós repudiamos essa ação e a maneira como foi feita”, diz.

Carlos explica que a ação no MPF deveria ser a última medida tomada por Abraão. “Primeiro, ele deveria entrar em contato com a escola e buscar um esclarecimento. Logo após, ele deveria acionar o colegiado para discutir ações. Ele não é conselheiro sozinho”, afirma.

“Nós entendemos a questão de gênero a ser discutida na sociedade. Entretanto, é preciso que se respeite a liberdade de expressão da escola e a individual dos alunos. Se algum estudante se sentisse coagido pela ação, e isso fosse identificado pelo conselheiro, caberia intervenção. Mas, somente se a atividade fosse considerada irregular, acionaríamos o MPF”, ressalta.

O presidente do conselho revelou que o Abraão já é alvo de diversas ações administrativas. “Em março, nós instauramos uma ação contra o comportamento e as acusações sobre ele. O conselheiro tem dezenas de acusações de racismo, maus tratos e homofobia. Todos comprovados e anexados no inquérito. Em agosto, nós pedimos ao MPF o afastamento dele, mas, fomos indeferidos. O promotor prefere esperar a conclusão do processo administrativo. Ele não foi afastado ainda por conta da morosidade do processo”, relata.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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