Bica d’água ‘milagrosa’ atrai várias pessoas na região Leste de BH

O aposentado Wellington Farias Carvalho não abre mão de beber a água do local

Não importa o dia e nem a hora. Sempre há algum movimento na esquina da avenida Petrolina com rua Abílio Machado, no bairro Sagrada Família, região Leste de Belo Horizonte. Ali está localizada uma curiosidade da capital que completa 120 anos no próximo dia 8 de dezembro: uma bica d’água. E não é uma bica qualquer segundo os moradores do bairro que buscam água no local e também para os que saem de outras cidades da região Região Metropolitana e até do interior do estado para encher ali seus galões.

“Eu não consigo beber da água da Copasa”, afirma a bancária aposentada Wanda Praxedes, 60 anos, que há mais de 10 anos busca religiosamente água na bica. Ela garante, por experiência própria, que o líquido da mina tem poderes. “Depois que descobrir essa mina, minha vida é outra. Uso essa água para fazer tudo: café, chá, suco. Além de beber, também lavo o meu cabelo. Eu me lembro que, certa vez, estava com os cabelos muito fracos, caindo e agora olha que beleza”, mostra ela, alisando os fios poucos e finos. Ela conta que até donos de salão de áreas consideradas nobres da cidade vão até o local pegar a água para lavar o cabelo das “madames”. “Você chega nestes salões e o dono já pergunta: Copasa ou biquinha? Se a resposta for biquinha, o preço vai lá nas alturas. Esta água não tem química. Dá um outro trato no cabelo”, afirma.

Wanda revela que ainda lava o rosto com a água e que, se pudesse, tomava até banho. “Mas isso daria mais trabalho para buscar”, conta ela, aos risos, enquanto aguardava para encher vasilhames com um total de 100 litros d’água. A quantidade ela divide entre as quatro irmãs, Elizabete, Claudete, Elizete e Ildete, que também só bebem água da bica. Ela diz que a quantidade dá para uns 15 dias, e que retorna ao local sempre que o estoque em casa está no fim. Risonha e muito divertida, comenta que já fez amizades no local. Por tanto tempo indo a bica, ela já sabe até os melhores dias e horários para buscar a água com que se hidrata. “Na hora do almoço, por volta de meio dia não tem ninguém e também em dias de jogo do Cruzeiro e Atlético”.

Portadora de hipertireoidismo, Wanda diz que desde que começou a tomar água não toma mais remédios para a doença. “É milagrosa. Se você quer viver muito, tem que beber desta água”, indica sem titubear. Ela acredita que a água tem benefícios medicinais. Conhecedora de várias fontes da região, como a da Serra da Piedade, de Igarapé e de Barão de Cocais, ela afirma que a da bica da Sagrada Família não tem igual. Em uma das idas dela ao local, afirma que já viu empresas recolhendo água para vender em garrafinhas pela cidade. Acho maravilhoso as pessoas buscarem água aqui, pois para mim é um desperdício essa água escorrendo. “Quanto mais gente buscar, é melhor, mas o ruim vai ser a fila aumentar”, completa.

Outro que atravessa seis quilômetros quinzenalmente para buscar água no local, em uma rotina que também tem mais de dez anos, é o aposentado Wellington Farias Carvalho, 65 anos. Morador do bairro Palmares, na região Nordeste, Carvalho não abre mão de tomar água da bica. “Essa água não te deixa cheio como a da Copasa. Ela é leve, tem um sabor diferente. Quando vou viajar, encho minhas garrafas com a água daqui. Ela é sensacional. Apesar de a água da Copasa ter uma qualidade boa, essa água aqui é pura, não passa por tratamento. A da Copasa tem química, é tratada. Dessa aqui já ouvi que é milagrosa, mineral, curativa. São histórias que a gente ouve aqui na fila. Eu venho mesmo porque é uma água pura e tenho a segurança de que a prefeitura averigua com regularidade a qualidade.

No dia da entrevista, Carvalho estava na filia para pegar 55 litros, que o abastecem por aproximadamente um mês. Ele afirma que também só bebe da água em casa, e que só toma água da Copasa quando vai à casa de outras pessoas. “Na minha casa é somente água da bica. Quem chega lá pergunta: nossa essa água tem um gosto diferente”, fala ele aos risos. O marceneiro Ubirajara Tomaz, 41 anos, que nasceu e foi criado no bairro Sagrada Família, afirma que a filha bebê tinha muita cólica, mas, ao consumir a água, livrou-se das dores. “Hoje, lá em casa nós só bebemos água daqui. Se é milagrosa, eu não sei , mas que é bem melhor que da Copasa para o corpo eu não tenho dúvidas. Beba e você vai sentir”, convida.

O tempo que passa sem ver

Segundo o gestor ambiental Henrique Lombardi, 48 anos, que vai ao local de 15 em 15 dias, buscar água para ele, esposa e duas filhas, a espera na fila é também um momento de socialização. “Aqui a gente conhece as pessoas, faz amigos. As vezes tem mais gente, noutras menos. Mas sempre tem um bom papo. Agora mesmo aprendi com a dona Wanda (a bancária aposentada) que esta água é boa para lavar os cabelos. Vou comentar isso lá em casa”, fala ele enquanto carrega os 40 litros para dentro do carro.

O gestor ambiental busca água para a família há dez anos no local

Opinião compartilhada pelo colega de fila Wellington Farias Carvalho que já chegou a ficar três horas na fila. “A fila é muito legal. A gente faz amizade com um, com outro. Eu encaro a fila como entretenimento, como oportunidade de fazer amizades. Eu chego aqui e nem ligo para o tempo que vou ficar aqui. Mas eu já vi gente brigando ao ver gente furando a fila”.

Bica centenária

No governo do prefeito Márcio Lacerda, o entorno da bica ganhou um mural da arquiteta Maria Beatriz Boncompagni de Castro, executado pelos mosaicistas Rubens Gomes de Souza e Breno de Jesus dos Santos, com direito a placa de inauguração. O objeto no entanto, foi arrancado do local, restando somente os furos na parede. “O prefeito veio querer fazer graça. Acendendo a luz para ele e apagando a dos outros e o povo você sabe, não perdoa”, comenta a Wanda comentando sobre a retirada da placa afixada logo acima da bica.

O serralheiro Guilherme dos Santos dias, 27 anos, que trabalha ao lado da bica e se diverte com as histórias sobre a água que atrai gente de vários cantos. “Aqui tem sempre movimento. Não tem um santo dia que não aparece alguém aqui com os galões para levar a água para casa. É até engraçado”.

O empresário Daniel Diniz, 68 anos, é proprietário de várias lojas da famosa esquina, onde a bica está localizada. “Quando eu mudei para cá, nos anos de 1970, essa avenida (Petrolina) era um córrego. Aqui nesta região não tinha nada. Havia um muro pré-fabricado e o poço artesiano onde as pessoas lavavam roupa. Naquela época, moradores da região se reuniram aqui para não deixar que a prefeitura fechasse o poço como vinha sendo feito em outras regiões da cidade. Cada um deu uma contribuição. Um antigo depósito que existia aqui forneceu o material para canalizar o córrego no muro. O poço está debaixo do asfalto, algo em torno de 120 metros de profundidade. Colocamos um cano na boca de onde a água brota e o passamos por dentro do muro. Um trabalho muito bem feito, pois até hoje não teve nenhum problema e nem contaminação da água”, explica.

Diniz ainda salienta que quando chove muito a água vem com muita força e quando está estiado, a pressão fica pequena. “Um galão de 20 litros em tempos de chuva enche com cinco, seis minutos, com pouca pressão leva uns 12 minutos”. Ele que mora em uma casa em cima de onde está localizada a bica conta que há 40 anos só bebe da água. “Aqui do alto ele sempre olha para ver se há fila ou não. Quando ela está pequena, eu pego meu ‘galãozinho’ e corro lá”, revela. Como no local se forma filas inclusive durante a noite, até a Cemig direcionou um refletor para iluminar a região.

Quem chega vai colocando os galões de todos os tamanhos para pegar a água “milagrosa”

A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, informou que a Vigilância Sanitária Municipal realiza coleta de amostras e a análise dos parâmetros de potabilidade da água tratada pela Copasa e ofertada em praças e parques da cidade. Ao todo são 41 pontos localizados na capital, como na Praça da Liberdade, Parque Municipal, entre outros. No caso das bicas como a do bairro Sagrada Família, o órgão informou que a coleta de água nestes locais somente é feita por meio de demanda da população ao 156. Por meio da assessoria de imprensa, a secretaria afirmou que não indica o consumo da água para beber ou higiene pessoal. Pois as análises são pontuais e a secretaria não tem como garantir que a qualidade se mantenha após os resultados. Hoje quarta-feira (8), após mais uma solicitação da população, uma nova coleta da água será feita pela equipe da Vigilância Sanitária no local.

Sobre as reclamações dos entrevistados a respeito da água distribuída pela Copasa, o Bhaz procurou a concessionária que por nota respondeu que atende a todos os padrões de potabilidade estabelecido pela Portaria 2914/11, do Ministério da Saúde, podendo ser utilizada para qualquer fim. A empresa que atende 31 municípios incluindo a capital, Belo Horizonte, capta água do rio das Velhas e do rio Paraopeba, sendo esse último, formado pelas represas do Rio Manso, Serra Azul, Vargem das Flores. A captação do Paraopeba e nos mananciais de pequeno porte do Mutuca, Fechos, Cercadinho, Taboões, Rola Moça, Bálsamo e Catarina, correspondendo a 98% da água produzida e distribuída na RMBH. Os 2% restantes são sistemas independentes, com água captada em mananciais da região.

A empresa explicou que uma vez captada a água bruta é tratada nas Estações de Tratamento de Água (ETAs), onde recebe o tratamento do tipo convencional, passando pelos processos de oxidação, coagulação, floculação, decantação, filtração, desinfecção, correção de pH e fluoretação.

Jefferson Lorentz

Jeff Lorentz é jornalista e trabalhou como repórter de pautas especiais para o portal Bhaz.

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