Aluna de faculdade com casos de suicídio denuncia abandono; ‘falta respeito e humanidade’

Após a repercussão de dois recentes casos de suicídio de alunos do curso de medicina da Faculdade de Minas (Faminas-BH), em Belo Horizonte, uma aluna da instituição, que não quis ser identificada por medo de retaliações, procurou o Bhaz para revelar detalhes do dia a dia na faculdade que, segundo ela, mostram falta de respeito e de humanidade da instituição para com seus alunos. O contato dela com este portal foi feito por meio de carta enviada por e-mail.

Segundo alunos da Faminas, cinco deles tentaram suicídio nos últimos 40 dias. Dois faleceram. O caso mais recente ocorreu com um aluno do primeiro período nesta segunda-feira (27). A outra vítima foi um estudante do sétimo período, que faleceu no dia 17 de novembro.

O desabafo sobre a falta de atenção

Para a estudante, houve falha da direção do curso no trato do assunto tão preocupante para os alunos, que é o suicídio. “Há duas semanas, tivemos o primeiro caso e a coordenação não se pronunciou. Com o segundo caso e o bombardeio nas redes sociais, a diretora do curso de medicina mandou um simples e-mail para as turmas comentando o caso”, revela a aluna.

Segundo ela, as tentativas de suicídio e as duas mortes ocorridas em apenas quatro meses no mesmo ambiente expõem um problema interno da Faculdade. Ela conta o caso de uma aluna que se transferiu para a faculdade recentemente e que teria procurado a coordenadora do curso para conversar e explicar que estava tendo dificuldades e que, além disso, estava tomando remédio para ansiedade. De acordo com o relato, a diretoria teria dito a ela que isso era normal.  “É difícil conviver em um lugar em que a nossa líder tenha esse pensamento”, diz a aluna.

Pressão grande sobre os alunos

A denunciante conta também que houve uma mudança na regra de matrículas. Entretanto, devido às férias e ao fato de muitos alunos serem de outras cidades, muitos deixaram para fazer a matrícula semanas antes de as aulas começarem.

“Quando chegaram à Faminas, muitos foram impedidos de entrar na faculdade. Quando conseguiram, receberam a notícia de que tinham perdido a vaga. Que, se surgisse uma vaga, entrariam em contato. Diversos alunos saíram transtornados e indignados do local. A coordenação deixou esses alunos de ‘castigo’ por três dias. Isso desencadeou ansiedade e depressão em muitos. No fim, ligaram dizendo que a vaga tinha surgido. Depois, descobrimos que foi uma forma de ‘dar sustos aos alunos’”, diz o relato.

Ainda de acordo com a jovem, as provas são desgastantes e injustas. “Não queremos prova fácil, temos consciência de que precisamos ser bons profissionais. Mas, queremos uma prova justa, que cobre de nós o que é passado em sala. Coisa que não acontece”, conta.

Ambiente pode ser fator desencadeador

Para a psicóloga social e presidente da Comissão Institucional de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Stella Goulart, a faculdade ou o ambiente de estudo não pode ser considerada como única causa de suicídios. “Temos que tratar essa questão com muito respeito e diálogo. É preciso que a faculdade conheça cada aluno e entenda suas necessidades. Muitas vezes, a universidade, os estudos, a pressão são o limite para pessoas que já sofrem com outras crises”, diz.

Para ela, não é possível comprometer a faculdade, pois um suicídio está mais ligado à história do sujeito. “Muitas pessoas ligam o suicídio a problemas mentais, mas, nem sempre é assim. As pessoas podem suicidar por fraqueza, por força ou, até mesmo, por acidente. É preciso combater a solidão, com muito diálogo e coletividade. E isso não é só para os alunos de diversas áreas. As faculdades têm diversas complicações como assédio (moral, sexual, etc), problemas com servidores, professores, além do cenário desfavorável atual da educação”, explica a especialista.

Em relação à influência dos casos de suicídio sobre os alunos, Maria Stella explica que é importante que a faculdade não naturalize o problema. “Não podem agir como se fossem máquina e seguir em frente. É o momento de parar, analisar a situação e respeitar o luto dos alunos. O suicídio, apesar de ser pessoal, tem enormes proporções coletivas. Ele afeta familiares, amigos, conhecidos etc. É preciso tempo para organizar tudo”, sugere.

Ao contrário do que sugere a especialista, a faculdade informou que seguirá normalmente o calendário de estudos. Inclusive o do período de provas, que acontecem esta semana, para todas as turmas. A exceção é a do estudante que se matou na última segunda-feira. Segundo a instituição, nesta quinta-feira (30) será decidida a nova data para as provas da turma.

Faminas se manifesta

Em nota, a faculdade comentou todas as acusações feitas pela estudante de medicina ao Bhaz. Confira, na íntegra, o que diz a instituição de ensino:

“A equipe da Faculdade, assim que soube da morte dos dois estudantes,  ficou bastante consternada e prestou condolências aos familiares e colegas de sala.

A instituição sabe dos desafios enfrentados pelos estudantes e que a graduação em medicina é um longo caminho a ser trilhado. Reconhece, também, que cada indivíduo tem sua personalidade, sua vida privada e lida com questões de formas distintas.

A escolha pelo curso de medicina deve estar aliada à vocação, disciplina, esforço, paixão e um desejo infinito pela informação e estudo contínuo. Afinal, é uma profissão que cuida das pessoas e que envolve decisões, muitas vezes, difíceis.

Por isso, a Faculdade sempre se preocupa em oferecer apoio psicológico dentro de suas dependências, gratuitamente, tanto em conjunto quanto individual. O Núcleo de Apoio Psicopedagógico funciona todos os dias da semana, com 40 horas de atendimentos semanais. Desde o seu início de funcionamento, jamais deixou de atender um aluno. Sempre há agenda junto à coordenação disponível. Porém, é uma demanda que deve partir do aluno.

Para os alunos,  a instituição oferece uma quadra de esportes na Av. Vilarinho, assim como a mensalidade de condomínio para 80 alunos filiados da Atlética no Clube Esportivo Universitário da UFMG.

Em relação à matrícula, a Faculdade cumpre regras e prazos institucionais. Todas as datas são divulgadas em calendário acadêmico anual e o aluno irregular deve ter ciência dos vencimentos e procedimentos a serem seguidos”.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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