Brasileira que recorreu ao STF para interromper a gravidez, realiza o aborto na Colômbia

Decidida a interromper a gravidez e sem resposta definitiva da justiça brasileira, ela fez o aborto no dia último dia 6

Há pouco mais de duas semanas a história da estudante paulista Rebeca Mendes Silva, 30 anos, movimentou as redes sociais. Aos descobrir que estava grávida no dia 14 de novembro ela entrou no Supremo Tribunal Federal (STF)  com um pedido de liminar, para que pudesse abortar.  Diante da negativa da liminar dada pela Suprema Corte,  e com nove semanas de gestação, ela decidiu realizar o procedimento de forma legal, na Colômbia, no último dia 6 de dezembro.

Em entrevista à BBC Brasil, ela afirmou que se sentiu segura sobre a decisão. “Me sinto muito aliviada de ter seguido por esse rumo. Por estar onde estou agora. Não sinto tristeza, não me sinto angustiada. Me sinto aliviada por estar onde estou.”

Preocupada com o futuro do bebê, Rebeca recorreu ao STF que negou a liminar

Estudante de direito e mãe de dois meninos, um de 9 anos e outro de 6, ela tentou também  um habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que não decidiu sobre o caso.  Preocupada com o avanço da gestação, ela passou a procurar uma saída dentro da América Latina, quando então, surgiu a possibilidade de fazer o procedimento no país vizinho.

Convidada a participar de um seminário em Bogotá, organizado pelo Clacai- Consórcio Latinoamericano contra o Aborto Inseguro, uma ONG voltada à pesquisa sobre direitos reprodutivos, Rebeca seguiu para a capital colombiana. “Houve um convite para eu vir para a Colômbia, para participar de uma reunião com essa associação. Eles me convidaram para vir, por eu ter sido a primeira mulher na América Latina que entrou no judiciário com uma ação para ter direito ao aborto”, contou ela que teve a hospedagem e as passagens pagas pela organização.  “Eu aproveitei que aqui é legalizado e realizei o procedimento, com medo de uma demora ou mais uma negativa do Judiciário brasileiro”, informou.

Em carta enviada a ministra do STF, Rosa Weber (assista no final da matéria o vídeo postado no youtuber) ela pede a descriminalização do aborto em prol da segurança pública. Rebeca sonha em ser advogada e cursa o quinto semestre do curso de direito com bolsa integral pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI).

Com um salário atual de R$ 1.200 de um emprego temporário no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cujo o contrato termina em fevereiro de 2018, 50% da renda dela é usada para pagar o aluguel de R$ 600 pela casa onde mora com os filhos.  Separada do pai das crianças, que também era pai do bebê que esperava, ela recebe uma pensão que varia entre R$ 700 e R$1.000 por mês.

Mãe de dois meninos, a terceira gravidez aconteceu durante a troca do método contraceptivo

“Quando meus filhos eram pequenos era eu que olhava, eu que sou a mãe. Eu tive que esperar os dois crescerem um pouco mais para eu poder ir para a faculdade. Ninguém passou a mão na minha cabeça. Eu tive que me virar sozinha ou tive que pagar pessoas para olharem. Eu já passei por duas maternidades onde, mesmo eles tendo pai, o trabalho sempre foi de mãe solteira. Eu sempre tive que arregaçar as mangas, ir lá e fazer”, disse. Sobre a gravidez ela afirmou que engravidou no período de troca do método contraceptivo. Em setembro, ela contou que fez uma consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pediu para passar a usar dispositivo intra-uterino (DIU), mas o exame de ultrassonografia exigido pelo médico só foi agendado para dezembro.

A ação encaminhada ao STF foi elaborada pelo PSOL e pelo Instituto Anis – Instituto de Bioética que argumenta que a criminalização do aborto fere princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição, como dignidade, liberdade e saúde. O caso não foi analisado no plenário do STF, mas a relatora a ministra Rosa Weber,  afirmou que a ação utilizada – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – não serve como remédio jurídico para situações individuais concretas, mas sim para questões abstratas.

Para conseguir realizar o procedimento na Colômbia, Rebeca argumentou que a medida seria importante para resguardar a saúde psíquica dela. No último dia 5 de dezembro, em posse do laudo médico assinado pela psiquiatra Wilza Vieira Villela, que atestava um quadro de ansiedade e estresse em Rebeca, que poderia evoluir para uma depressão moderada ou grave ela se internou em uma das 30 clinicas da Profamília da capital colombiana.

Laudo afirmando o quadro de estresse e ansiedade enfrentado por Rebeca

O laudo assinado pela médica dizia: “Somos favoráveis que se faculte à Sra Rebeca Mendes Silva Leite o direito de interromper a atual gestação, protegendo assim a sua saúde mental, a dos filhos, e ainda evitando que nasça uma criança marcada pela rejeição materna e paterna e pelos graves prejuízos emocionais que tal situação acarreta.”

Já na clínica Profamília, empresa privada que existe desde 1965 no país e se dedica a pesquisas sobre saúde sexual e atendimento médico a mulheres que desejem interromper a gravidez, a brasileira recebeu todos os cuidados necessários a prática segura do aborto. A porta-voz da empresa, Janeth Forero informou que o procedimento foi realizado de forma gratuita.

“No caso de Rebeca, o Profamilia assumiu os custos. Ela veio financiada por uma ONG e realizamos a interrupção da gestação por ela ser uma mulher pobre, de 30 anos, com dois filhos. E pelo fato de a gravidez estar gerando estresse psicológico, podendo ser enquadrada nos casos em que prestamos assistência gratuita”, afirmou Forero.

A interrupção da gravidez aconteceu por aspiração, que consiste na sucção a vácuo do conteúdo uterino.  Após o procedimento, Rebeca deixou a clínica com um anticoncepcional subcutâneo implantado sob a pele que libera hormônios e previne a gravidez por até cinco anos.

“Desde que eu cheguei, eu fui tratada com muito carinho e respeito pelo que eu estava passando e pelo que eu queria fazer com meu corpo. O procedimento da interrupção ocorreu sem nenhum grande problema ou empecilho”, afirmou Rebeca. “Eu fiz o procedimento e saí com o método contraceptivo que eu escolhi. Diferente do Brasil, onde colocaram diversos empecilhos e eu acabei onde estava, com uma gravidez indesejada.”

Permissão

A interrupção da gravidez é permitida na Colômbia desde 2006 para garantir a vida da mãe, salvaguardar a saúde física e mental dela, e em casos de estupro, incesto e deformidade severa do feto. A liberação ocorreu por decisão da Corte Constitucional na Colômbia.

No Brasil, a lei só permite o aborto em caso de estupro e risco de vida para a mãe. Uma decisão do STF também assegurou a possibilidade de interrupção de gravidez quando o feto apresenta anencefalia.

Caso a mulher brasileira contrarie a lei, a pena prevista é de um a três anos de detenção.  Como Rebeca interrompeu a gravidez na Colômbia de forma legal, ela não pode ser punida no Brasil, conforme explica o advogado criminalista Pierpaolo Bottini. “Nosso Código Penal diz que você só responde por crimes cometidos em território nacional. Você pode responder, excepcionalmente, por crimes praticados fora desde que seja um crime também no país onde o ato foi cometido,como não é o caso”, disse.

Na América Latina somente o Uruguai, que desde 2012, permite a interrupção da gestação de maneira irrestrita em todo território nacional, assim como também é permitido em Cuba, desde 1965.  Na América Central, o procedimento também é permitido em algumas cidade do México como a capital, Cidade do México até décima segunda semana. Na Nicarágua o procedimento é totalmente proibido. Na Argentina, só é permitido em casos específicos como estupro e risco de vida para a mãe.

Nos Estados Unidos o aborto é permitido desde 1973, assim como no Canadá que desde 1988, permite a interrupção em qualquer estágio da gravidez. Na Europa, a maioria dos países permite o aborto até o terceiro mês e o serviço é oferecido nos sistemas públicos de saúde.

Em 2016 uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília sobre o tema mostrou que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já tinha realizado, pelo menos, um aborto. Em 2015,  foram feitos 503 mil abortos no país, sendo que quase metade das mulheres precisou ser hospitalizada após o procedimento clandestino.

O assunto no plenário do STF

Apesar da liminar negada no STF, o assunto ainda será analisado pelo plenário da Corte, em data a ser definida.  A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou no processo defendendo a legislação atual sobre aborto e afirmando que qualquer mudança teria que ser feita pelo Congresso Nacional, com “amplo debate”.

“Quando se discutem temas essenciais ao funcionamento de um regime democrático, como o dos direitos fundamentais – no caso dos autos, o direito à vida – tem-se que esses [temas] não podem ser subtraídos do Poder competente que representa toda a sociedade, qual seja, o Poder Legislativo”, diz o parecer da AGU.

No entanto Rebeca afirma que enquanto não houver uma decisão sobre o assunto, muitas mulheres continuarão a abortar de forma clandestina. “Nosso Estado, infelizmente, fecha os olhos para as mulheres. Mas as mulheres precisam aparecer, ter coragem para dar nome e voz para o que acontece. Não acontece só com a Rebeca, acontece com a Maria, a Júlia, a Juliana, muitas mulheres. Nós existimos e precisamos de um respaldo da nossa sociedade”, defende.

O assunto ainda será debatido no plenário do STF, mas a data ainda não foi marcada

Alvo de críticas

Desde que entrou no STF com ação, Rebeca teve o nome divulgado e passou a ser alvo de mensagens de apoio e também de muitas críticas. O debate nas redes sociais dividiu os usuários. Alguns cobravam a mulher por “engravidar por descuido”, outros a acusam de “tirar uma vida”. Houve ainda os que sugeriram que ela tivesse o bebê e o entregasse para adoção.

Os progressistas em defesa de Rebeca respondiam dizendo que “sempre colocam a culpa na mulher” e que “as mulheres devem ter o direito de decidir sobre o próprio corpo”.

“Quem criticou vai continuar criticando. Quem apoiou vai continuar apoiando. Isso não muda muito com o procedimento. A minha expectativa é a melhor possível. Vi que existe um país muito religioso, tal qual o Brasil, mas que  estão à nossa frente no que se diz respeito à dignidade e respeito ao corpo e à decisão das mulheres.”, finalizou.

* com BBC Brasil

Jefferson Lorentz

Jeff Lorentz é jornalista e trabalhou como repórter de pautas especiais para o portal Bhaz.

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