A fábrica da Coca-Cola Femsa Brasil implantada na cidade de Itabirito, na região Metropolitana da capital desde 2015, está na pauta de discussões na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Representantes das comunidades de Suzana e Campinho, localizadas na Serra da Moeda, em Brumadinho, região próxima à cidade, reclamam que a fábrica estaria secando as nascentes e prejudicando o abastecimento de água na região.
Após o caso ser denunciado a deputados da casa, o tema chegou até a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG. Representantes do Ministério Público, Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e das prefeituras de Brumadinho e Itabirito estiveram na reunião.
O autor do requerimento para a audiência é o deputado André Quintão (PT). Ele disse ter ficado claro que o processo de outorga não contemplou um estudo aprofundado de impacto e viabilidade hídrica da fábrica. O deputado anunciou que a comissão vai preparar requerimentos com pedidos de providência sobre o fato. Dentre eles, uma visita à Semad para ter acesso aos documento da outorga e licenciamento para a exploração de água na Serra da Moeda.
“As nascentes estão secando”
O presidente da Associação dos Moradores da comunidade de Suzana, Warley Pereira do Nascimento, lamentou que a região, que sempre foi privilegiada por sua oferta de água, hoje sofra com a carência do recurso.
Segundo Warley, os estudos geológicos feitos pela empresa não garantem que a fábrica não impacte os recursos hídricos. “A comunidade está sofrendo com a falta de água. As mais de mil famílias que vivem ali estão sendo abastecidas há um ano e meio por caminhões-pipa enviados pela própria Coca-Cola. Entendo que as outorgas e liberações feitas pela prefeitura de Itabirito para implantação do empreendimento foram equivocadas”, afirma.
O representante da Associação de Captação de Água da Serra da Moeda, Jorge Celes de Farias, salientou o posicionamento de Warley. Segundo ele, desde a chegada da empresa, as nascentes estão secando. “É preciso que medidas sejam tomadas para a preservação do meio ambiente local, já que a exploração da água pela empresa estaria prejudicando moradores e animais” diz.
O vereador de Belo Horizonte e morador da região, Gilson Reis, acrescentou que a fábrica consome milhões de litros de água e está afetando diretamente as comunidades e a sustentabilidade local. Para ele, as informações sobre a outorga para exploração da água pela Coca-Cola estão truncadas e devem ser melhor apuradas. “O fato é que a água vem acabando desde 2015”, alertou.
Estudo aponta rebaixamento das nascentes
O geólogo da ONG Abrace a Serra da Moeda, Ronald Fleisher, apresentou uma pesquisa técnica, feita por ele, que aponta como está sendo feita a exploração pela Coca-Cola das nascentes de Suzana e Campinho.
De acordo com ele, após dois meses de operação da empresa, foi detectado o rebaixamento do volume das nascentes. “Isso porque o consumo médio de água utilizado para a produção representa o equivalente a 120% do que a população de Brumadinho faz uso por mês. A outorga concede o uso de três poços e a Coca-Cola se eximiu de avaliar os impactos ambientais desse uso, assim como monitorar e quantificar o impacto da exploração do aquífero com uma vazão tão grande”, disse o geólogo.
Ronald explica que as entidades da região denunciaram ao Ministério Público Estadual o fato e cobraram o cumprimento pela empresa das condicionantes ambientais.
Segundo ele, neste ano, a Coca-Cola apresentou um relatório preliminar, segundo o qual o rebaixamento da nascente é causado pela falta de chuva. E, além disso, a exploração dos poços não afetaria seu volume e haveria uma grande disponibilidade hídrica para o atendimento à fábrica.
“Questionamos esse relatório, uma vez que o reflexo da escassez de chuva não seca as nascentes em curto prazo, e que as reservas de água foram superestimadas. Até mesmo o Instituto de Pesquisas Tecnológica apontou que o relatório é inconclusivo no que se refere ao impacto da exploração das nascentes da região”, pontuou.
A advogada da Prefeitura de Brumadinho, Beatriz Vignolo, reforçou que não foi feito estudo de impacto ambiental para a instalação da fábrica. O fato mostra uma flagrante irregularidade na concessão da outorga. Para ela, os órgãos estaduais de fiscalização estão sendo omissos.
Ela alertou, também, que a Serra da Moeda é divisora de águas e de municípios e que o aquífero impactado serve de recarga para as nascentes responsáveis por parte do abastecimento de toda Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Prefeitura garante sustentabilidade hídrica
Em resposta aos questionamentos dos moradores, o assessor Jurídico do Serviço Autônomo de Saneamento Básico (SAAE) de Itabirito, responsável pela outorga para o uso da água pela Coca-Cola, Eduardo Albuquerque, garantiu que a concessão atende todo o abastecimento público do município e não apenas a fábrica.
Segundo ele, o volume hídrico autorizado para exploração contempla todos os moradores e existem estudos científicos e técnicos que comprovam a sustentabilidade hídrica. “O trabalho não é feito para rebaixar o lençol freático e o empreendimento seguiu todas as normas técnicas necessárias”, destacou.
O representante da SAAE disse, ainda, que não há evidência técnica que comprove que foi a Coca-Cola que reduziu o volume das nascentes e que o órgão possui os estudos que foram solicitados pelas entidades de fiscalização.
O MP solicitou a realização de estudos e laudos técnicos à Coca-Cola, mas os resultados foram inconclusivos. Diante disso, foi solicitado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que é responsável pela concessão de licenciamentos ambientais no Estado, que, em um prazo de 10 dias, sejam dadas respostas objetivas sobre os reais impactos do empreendimento na região.
Coca-Cola nega interferência
Em nota ao Bhaz, a Coca-Cola FEMSA Brasil nega que a fábrica esteja interferindo nas nascentes da região. Confira o posicionamento na íntegra:
A Coca-Cola Femsa Brasil esclarece que a operação em Itabirito possui todas as licenças ambientais exigidas para seu regular funcionamento e, desde o início, seguiu todas as etapas necessárias para sua implantação. A empresa também informa que o abastecimento de água de sua fábrica em Itabirito é realizado pela concessionária SAAE Itabirito, que possui outorga dos poços utilizados para abastecimento da região. Além disso, evidências técnicas indicam que os referidos poços não estão interferindo nas nascentes.
Esta afirmativa se dá com base nos resultados obtidos no estudo hidrogeológico elaborado pela empresa Schlumberger Water Services e protocolado pelo SAAE no processo de outorga dos poços. O estudo visou, entre outros objetivos, averiguar se haveria relação entre a captação de água dos poços utilizados para o fornecimento de água à operação da fábrica em Itabirito e a redução de vazão em nascentes próximas.
No mencionado estudo, há todo o embasamento técnico que demonstra que não foram encontradas evidências de que os poços outorgados ao SAAE Itabirito – e utilizados para o abastecimento da fábrica – estejam interferindo nas nascentes próximas das propriedades. Importante reforçar que a elaboração desse estudo técnico foi discutida e acompanhada pela comunidade e ONGs do entorno, com reuniões e visitas periódicas.
Adicionalmente, desde o início dos monitoramentos realizados e de acordo com o relatório da concessionaria, foram observados afloramentos de outros pontos de água próximos aos locais de observações antigos, sugerindo uma mudança de curso natural da nascente.
Para a Coca-Cola Femsa Brasil, o respeito às pessoas e ao meio ambiente faz parte dos valores e atitudes presentes no relacionamento com todos aqueles que participam do dia a dia da empresa.
