Relatório da Comissão da Verdade de Minas descreve o impacto da ditadura sobre o cidadão

Apresentação do relatório da Covemg aconteceu pela manhã, na Assembleia

Fruto de quatro anos de trabalho de um grupo de aproximadamente cem pesquisadores, entre voluntários contratados, o relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Estado de Minas Gerais (Covemg) foi apresentado nesta quarta-feira (13), em audiência pública, na Assembléia Legislativa, pela manhã, e em solenidade no Palácio da Liberdade, com a participação do governador Fernando Pimentel (PT), à tarde. A versão on-line do documento pode ser acessada aqui

A comissão, formada para apurar denúncias de violação dos direitos humanos durante a ditadura militar, identificou 1.531 presos políticos e 125 torturadores, cujos nomes foram apontados no relatório, que tem 1.781 páginas e é considerado o maior estudo já feito no Estado sobre o assunto.

A Covemg trabalhou em várias frentes, com pesquisas sobre torturados, desaparecidos e mortos por agentes do Estado no período entre 1964 e 1988. Também estudou o impacto causado em etnias indígenas, a repressão a movimentos estudantis, a censura à imprensa e às artes, a repressão à população rural, a cassação de mandatos políticos, a demissão de servidores públicos, e o papel das igrejas na ditadura e na resistência, entre outros temas.

O documento também relacionou quais foram os principais centros de tortura em Belo Horizonte e no interior de Minas. Um deles ficava na esquina das ruas Sergipe, com Santa Rita Durão, próximo à Praça da Liberdade, bem no centro de Belo Horizonte.

Imóvel pertencia à PM e foi apontado por presos políticos como um dos locais onde ocorriam torturas (Covemg/Divulgação)

Pesquisadores investigaram morte de JK

O relatório afirma ser provável que o presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) tenha morrido em um atentado político. O ex-presidente morreu no dia 22 de agosto de 1976, em um acidente automobilístico na Via Dutra, ocorrido quando o Chevrolet Opala dirigido pelo motorista de JK, Geraldo Ribeiro, teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista, e colidido com um ônibus da Viação Cometa.

Três investigações sobre o assunto já foram realizadas. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade concluiu que a morte foi acidental. Já as comissões da verdade da Cidade de São Paulo e do Estado de São Paulo apontaram que JK foi assassinado. Os pesquisadores da Covemg fizeram um cruzamento das informações disponíveis nos três relatórios e chegaram à conclusão de que Juscelino pode ter sido vítima de um atentado político.

De acordo com o relatório da Covemg, com as pesquisas e investigações realizadas até hoje “permanecem controversas e pouco claras” as circunstâncias da morte de JK e de seu motorista. “Considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e os pareceres jurídicos, pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político”, conclui o relatório da Covemg.

Nova luz sobre o Massacre de Ipatinga e os direitos dos indígenas

A Covemg investigou também casos pouco conhecidos, como os de violação de direitos dos indígenas e o Massacre de Ipatinga. O relatório descreve como se deu a formação, pelos órgãos de segurança,  da Guarda Indígena, por meio da qual os índios recebiam armamentos e eram treinados para que vigiassem os integrantes de sua própria tribo. O resultado, segundo a Comissão, foram atos de tortura, estupro e insubordinação entre os próprios indígenas.

Em relação ao Massacre de Ipatinga, a Covemg missão fez uma atualização do número de vítimas: foram 92 feridos, oito mortos e três desaparecidos. Tais números transformam o Massacre de Ipatinga no maior conflito operário da história do Brasil em número de mortos, feridos e desaparecidos em um curto intervalo de tempo. O documento da Covemg também faz uma nova caracterização do que foi o Massacre de Ipatinga.

A historiografia trata o Massacre como tendo sido o conflito ocorrido entre policiais militares e operários que estavam concentrados em frente ao portão de entrada da usina na manhã do dia 7 de outubro de 1963, no qual morreram oito pessoas. Já o relatório da Covemg considera como “Massacre de Ipatinga” os fatos ocorridos em um intervalo de aproximadamente 12 horas, que se iniciaram na troca de turno das 22 horas do dia 6 de outubro, quando vigilantes da empresa e policiais militares agrediram um empregado da Usiminas; passa pela prisão e espancamento dos operários que moravam no escritório da empreiteira Chicago Bridge, ocorridos logo em seguida; e termina no final da manhã do dia 7 de outubro, quando policiais militares abrem fogo contra a multidão que estava em frente a um dos portões de entrada da Usiminas, aguardando o resultado da reunião que estava sendo realizada no escritório central da empresa. O objetivo da reunião era discutir as reivindicações dos trabalhadores da Companhia.

Relatório foi entregue pelo presidente da Comissão, Robson Sávio, ao governador Fernando Pimentel (Marcelo Sant’Anna/Agência Minas)

Governador recebeu relatório no final da tarde

À tarde, o governador Fernando Pimentel recebeu, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, o relatório final da Covemg. Para Fernando Pimentel, a cerimônia é um desagravo aos que lutaram contra o regime militar. “Nós estamos no mesmo Palácio que abrigou os golpistas de 1964. Dali saiu o golpe de 64 e, agora, tantos anos depois, recebe este Palácio os resistentes da ditadura militar para esse ato simbólico. Quis a história, a vontade do povo e a graça de Deus que fosse eu o governador do Estado nesse momento. Sou muito grato a essa trajetória que me colocou aqui e muito consciente do que ela representa, não para mim, pessoalmente, mas para todos nós”, afirmou.

O governador fez um paralelo entre os valores do período democrático com as vozes de grupos e pessoas que pedem a volta da ditadura militar.  “O país atravessa um momento sombrio, em que a própria democracia é questionada por brasileiros, certamente equivocados, mas que têm a sorte de poder bradar os seus gritos de guerra, antidemocráticos, em um regime em que eles não correm o risco de serem presos, assassinados, torturados por terem a sua opinião política. Que sorte a deles que nós tenhamos lutado com todo o povo brasileiro, reconquistado a democracia e que, agora, eles possam bradar pela ditadura sem correr o risco de serem assassinados ou se tornarem desaparecidos políticos como tantos companheiros nossos”, disse.

Na Assembleia Legislativa, o coordenador da Covemg, Robson Sávio Reis Souza, também fez um paralelo entre a situação atual e a de 1964. “Talvez os tanques militares tenham sido substituídos por togas da Justiça, mas os demais atores são os mesmos: latifundiários, empresários, setores conservadores das igrejas. Entender a ditadura militar é essencial para entender o momento de ruptura democrática que vivemos agora”, disse Robson Sávio.

Marcelo

Marcelo Freitas é redador-chefe do Bhaz

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