A medida em que cidades se transformam em metrópoles, a cor predominantemente cinza compõe o retrato do espaço urbano. Elementos que carregam a tonalidade neutra, por finalidade, acabam desaparecendo em meio ao cenário das vias públicas. Contrariando essa perspectiva inanimada, um artista decidiu dar vida a uns dos maiores – mas menos visíveis – elementos dos itinerários diários. Pelas mãos de Rogério Fernandes, postes de iluminação pública estão transmitindo um outro tipo de luz… O brilho de um caminho colorido.
O artista piauiense [que erradicou-se em Belo Horizonte após casar-se com uma mineira] fez da cidade, além de seu lar, uma grande galeria a céu aberto. Ao todo, Rogério tem mais de 50 painéis pintados pela capital. Isso sem contar as artes feitas nos postes… Um total de 25, espalhadas pela região do Centro, Funcionários e Savassi.
Para um artista acostumado a fazer pinturas em grandes dimensões, o questionamento é evidente: De onde surgiu o interesse em dar cor a modestos postes de iluminação? (Já que cumprem muito bem o seu papel de não destacarem-se em meio ao cenário urbano) – A resposta é objetiva… Sua intenção é “dar a vida a quem está adormecido, a quem está invisível“.
O projeto, intitulado ‘A Hora e a Vez do Gigante de Concreto’, vem preenchendo as ruas com muito mais do que cores. A percepção desses espaço tem sido recheada por “magia, poesia e lirismo“. É nisso que acredita o pintor, que vê os postes como monolitos no meio da cidade.
A ideia de Rogério é vestir as estruturas de maneira mais alegre, permitindo que elas possam atuar como um “respiro” no cenário urbano. “Quando você pinta, as pessoas começam a reparar no que antes nunca repararam“.
A pintura dos postes também apresenta outra perspectiva, uma ironia em relação ao significado dado a eles, que são culturalmente citados de forma pejorativa. “Ninguém quer ser um poste, ninguém gosta de ser chamado de poste“. Partindo desse pressuposto, o artista dá a oportunidade de releitura do objeto, transformando o conceito popular.
“O olho humano tende a excluir aquilo que acha feio. Você chega aqui e fala: ‘Tem um prédio, tem uma loja…’ Ninguém fala que tem um poste. Mas é um gigante de quase 20 metros de altura”.
A Cidade e Os Postes
Os gigantes coloridos estão ganhando as ruas. Os primeiros, feitos na região da Savassi, são vistos nas ruas Antônio de Albuquerque e Sergipe. A coleção a céu aberto foi intitulada ‘As Mulheres e Seus Fios’.
As pinturas foram feitas como um ponto de partida para o resgate da área como espaço cultural e indústria criativa. De acordo com Rogério, por ser um lugar com vários quarteirões fechados, onde as pessoas andam a pé, a região tem grande capacidade para se tornar referência cultural. “Percebo vocação do bairro para a arte urbana“, diz.
Já na região Centro-Sul, os escolhidos para receberem o respiro de vida são encontrados na avenida João Pinheiro e nas ruas Aimorés, Bahia e Guajajaras. As artes foram feitas em parceria com a universidade Una, para o projeto Campus Urbano.
Os postes, pintados na cor vermelha, carregam em sua maioria mensagens positivas para os pedestres. Recados como “Ame os animais” e “Vejo Flores em Você” complementam as artes verticais. São conceitos de convivência e melhor modo de viver. “Eu gosto de ter uma conversa com o local que eu estou pintando. Queria que os postes continuassem com as mensagens [como os lambe-lambes], mas de forma positiva“.
Para realizar as pinturas, Rogério recebeu uma concessão da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que é o órgão responsável pelos postes. Assim, sempre que vai pintar algum, carrega consigo o documento.
Agora, o projeto de pintura dos gigantes será ampliado para a região da Pampulha. Ao todo, 70 postes receberão pinceladas de cores. A ideia é pintar 10 estruturas próximas a cada ponto turístico da região. Sete locais estratégicos foram escolhidos para o trabalho – Igreja São Francisco de Assis, Casa do Baile, Museu de Arte da Pampulha, Estátua de Iemanjá, Casa Kubistcheck, Parque Ecológico da Pampulha e Jardim Zoológico.
Os emblemáticos endereços devem receber ilustrações que façam referência a cada ponto. Uma homenagem ao Conjunto Arquitetônico da Pampulha, que recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.
O artista e a Obra
Apesar de ser um artista urbano, Fernandes não se considera um grafiteiro, já que não faz parte do movimento em si. Rogério diz que sempre gostou de fazer artes grandes. Assim, o trabalho que começou em quadros acabou ganhando espaço em paredes e muros. “Levo para a rua o trabalho que eu faço na galeria“.
O artista considera sua obra um universo particular, mas que dialoga com o admirador da arte. Uma visão mútua sobre um mesmo ponto. “Nós somos cronistas do nosso tempo. Interpretar o mundo é nossa visão, traduzir isso com sensibilidade e cores“.
O universo de Rogério está exposto em sua galeria, situada na rua Antônio de Alquerque – nº 749. Contudo, quem visita o local percebe que suas artes não são exibidas apenas dentro dos limites da loja. Por toda a rua há pinceladas do pintor. Transformando o trajeto em um roteiro de traços e cores.
Fernandes faz parte de um coletivo que se dedica à pratica da street art – o Arrudas Atelier Urbano. Em parceria com os artistas Ataide Miranda, Alexandre Rato, Denis Leroy, Fhero, Nilo Zack e Surto Real, eles preenchem a capital com cor e vida. Os pintores também foram convidados a realizar a arte nos postes e contribuíram para a animação das estruturas cinzas.