Meu precioso mundo de acolá – Uma tarde no circo

Foto: Yuran Khan

Sábado eu fui ao circo. Deve-se notar que esse não é um programa tão normal. Bem, pelo menos é bem mais normal que minhas últimas aventuras, narradas nesta web page da internet. A rede mundial de dados. Acho charmoso chamar a internet de rede. World Wide Web. Mas parece que a internet deixou de ser nome para simplesmente ser. Ser essa criatura amorfa, que condensa tudo que existe num enorme emaranhado de bytes. Mínimo divisor comum.

Mas como tenho o hábito, já vou eu criando um nariz de cera. Vamos nos ater aos fatos. Mentira, eu não consigo me ater aos fatos. Talvez só desta vez. Vamos observar.

Era sábado e, excepcionalmente, acordei cedo. Bem, pelo menos cedo para os meus Standards. Acordei cerca de meio dia, e rezava para que meu telefone funcionasse. Dessa vez, minhas preces foram atendidas.

Liguei para meu fotógrafo Yuran Khan. Assim, com o nome de chefe de fase de videogame. Ele já estava pronto, me esperando. Fomos então, Yuran e eu para a distante Abílio Machado. Depois do Castelo. Bem fora do eixo da Avenida do Contorno. Íamos ao circo. Daqueles à moda antiga. Com lona, palhaço e malabarismo. Bem distante do glamour do Cirque de Soleil.

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Foto: Yuran Khan

Era o Fantástico Circo Show. Quem nos recepciona no picadeiro é Waldir. Ou, como ele prefere ser chamado, Palhaço Pimentão. Ele tem 53 anos, dos quais 36 são dedicados ao circo. Ele tem o Circo Show, em sociedade com Moisés, o Rei do Pedal. Mas vamos nos ater ao Waldir por agora.

Ele me conta que inaugurou o Fantástico Circo Show há 25 anos, no bairro Tirol, em Belo Horizonte mesmo. E quando questionado por mim, das agruras, das dificuldades de se ter um circo, ele saí com duas máximas: “Dá prazer em se trabalhar no que gosta.” E complementa que “trabalha brincando, e se diverte trabalhando”.

Waldir, ou Pimentão, continua: “a alma do circo é o palhaço”. E diz que, se o circo fica sem o palhaço, morre o clown e morre o circo. Mas outros problemas também podem decretar a morte de um circo. Como a burocracia.

Explico-me: segundo Waldir, para montar um circo hoje, são necessários alvará, ofícios, entre outras demandas do poder público. Acrescenta-se a isso o custo de quase R$3 mil em taxas e demais questões operacionais. E a cruel matemática prossegue. O preço da entrada no circo é de R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia. Duro fechar essa conta.

Waldir então me apresenta seu neto, Ícaro, de 11 anos. Palhaço como o avô. Ele é o Palhaço Furrequinha. Começou no picadeiro com dois anos de idade, brincando e vestido de palhacinho.

Foto: Yuran Khan
Foto: Yuran Khan

Confesso que me comovi com aquela trupe, na qual todos pareciam parentes, e na verdade o eram. Que teimosia em lutar contra um sem número de obstáculos, para ao fim do espetáculo contar uns caraminguás, e já ter que pensar nas dívidas. Eta, mundão safado. Enquanto isso, Yuran flanava, fotografando aqui e acolá. Bem, imagens boas a gente vai ter sim.

E vou me apresentando ao resto da equipe do circo. Cumprimento à revelia, aquele povo de mão calejada e sorriso no rosto. Um deles é David Braga. Ele é eletricista, malabarista, apresentador, sonoplasta… Enfim, é o faz tudo. Explica-me que “no circo é comum as pessoas terem multitarefas”.

Enquanto eu vou fazendo minhas entrevistas (acho feio o termo entrevista. Enquanto faço minhas conversas), jovens, membros da Escola de Circo Spasso, ensaiam para o grande momento. Eles se apresentarão sob a lona do Fantástico Circo Show, num espetáculo chamado ‘Vermelho’. Terá o tecido, o arame, o malabaris e acrobacias. É o diálogo do novo, com o circo clássico.

Foto: Yuran Khan
Foto: Yuran Khan

Me informam que na véspera, na última apresentação da noite, 70 pessoas compareceram para assisti-la. A capacidade do circo é de aproximadamente 500 pessoas. Grande parte das pessoas que vieram eram moradores do bairro e do entorno.

Waldir reaparece (onde ele havia se metido?) e complementa seu compêndio de informações dizendo que muitas escolas da região tinham visitado o circo. E que o público infantil é a força motora das maravilhas do circo. O interrompo, e pergunto quando ele vai ensaiar para o espetáculo, marcado para começar em menos de uma hora. Como se estivesse me explicando o óbvio, ele diz que “treina trabalhando”.

Puxo a conversa para outro rumo, e pergunto o que ele acha dos grandes circos contemporâneos, como o Cirque de Soliel. Ele faz cara feia. “Não é um espetáculo popular. Isso não é mesmo. Mas que valorizou a arte circense, isso valorizou”. Quantas léguas entre o cheio de nove horas Soleil, e aquela lona, esticada num bairro distante, e com o chão batido.

Falo com um dos meninos da Spasso. Ele se chama Rodrigo Oliveira, de 19 anos. Começou a se desenvolver na arte circense graças a uma bolsa do programa Valores de Minas. Hoje faz acrobacias e equilibrismo. Conversando comigo, presta mais atenção no diabolô que está equilibrando. Ele mora em Ribeirão das Neves, e demora 2 horas para chegar ao circo. Transparece confiança, esse rapaz de sorriso franco.

Voltando à família Fantástico Circo Show, converso agora com Mario de Oliveira, de 36 anos. Atualmente ele monta e desmonta o circo antes de cada apresentação. Mas também é Palhaço. Perna-de-pau. Começou a vida circense aos 15 anos, mas complementa sua renda com emprego de metalúrgico. Fica divido entre a paixão do circo, e ao emprego formal. Conclui dizendo que “dá pra se sustentar”.

Foto: Yuran Khan
Foto: Yuran Khan

Na porta de entrada do circo, encontro um outro palhaço (meu Deus! Eles estão se reproduzindo!). Esse é o Palhaço Pipoca, que faz palhaçadinhas há vinte anos. Ele não tem filiação ao Fantástico Circo Show, mas fica na porta recepcionando o público e vendendo pequenos brinquedos. Acena, chama, canta. Até o fim da tarde, vai estar esbaforido, sacudindo molemente seus brinquedos.

Uma mãe, empurrando um carrinho de bebê, e com outras duas crianças a tira colo, me pergunta se o espetáculo marcado para às 16 horas vai acontecer. Repito o mantra que me falaram durante o dia. “Se tiver público, terá espetáculo”. Também estão previstas apresentações às 18 e às 20 horas. Mas só se tiver público.

 

Foto: Yuran Khan
Foto: Yuran Khan

E então começa a ebulição pré espetáculo. Já são 16 horas, mas ainda não tem nem vinte pessoas na fila de espera. Mas o circo está lá. Montado. E o Moisés, o Rei do Pedal, é o mais ansioso dentre todos. “O circo tem que funcionar, não interessa se tem uma, dez ou cem pessoas. O circo tem que funcionar!” É dele a última apresentação prevista. O relógio marca 16h20 e Moisés e Waldir discutem. “E esse espetáculo que não começa?” Waldir retruca: “calma, calma, está tudo pronto”.

Moisés me conta sua história, de 42 anos de circo. Criado em Rio Pomba, andava sempre, mas sempre mesmo, de bicicleta. Até que um dia pediu conta de seu emprego e entrou pro circo. “Meu sonho era entrar pro circo. Ainda bem que eu realizei”.

Foto: Yuran Khan
Foto: Yuran Khan

Volto-me a Waldir, que se prepara para trocar a indumentária pela do palhaço Pimentão. O camarim é um carro, um Corsa que já passou pelos seus melhores anos. Me conta, enquanto veste a roupa de palhaço, por cima da roupa civil, que, quando começou no circo, tinha muita vergonha, qualquer coisa o ruborizava. De tanto ficar vermelho, virou Palhaço Pimentão.

E repete um lema. “O palhaço: Uma lágrima na face, uma tristeza no peito, e a alma cheia de alegria para o seu divertimento”.

E me fala mais um pedacinho de sabedoria: “É verdade que o palhaço é triste. Eu tenho uma história de tristeza. Mamãe morreu no meu aniversário de 7 anos. Eu até fiz uma poesia pra ela”. Peço pra ele me contar o poema. E era bonito um tanto. Dizia que cada dia mais ele se lembrava dos tempos de criança. E como era bom brincar de esconder, e a mãe carinhosa vinha achá-lo.

Mas teve um dia que a mãe sumiu, e não foi achar ele nunca mais. Quando perguntava “cadê mamãe” lhe disseram que ela estava escondida. Pegou raiva da brincadeira de esconder. Só queria que a mãe viesse lhe buscar, e em seu abraço encontrar refúgio.

Foto: Yuran Khan

Pimentão e Furrequinha se preparam pra entrar em cena. E o espetáculo começa. Mas esse não é um texto sobre o show. É sobre as pessoas que embalam o sonho de um mundo mais alegre. Teve malabarismo, teve mágica, teve palhaçada. Mas teve mesmo, um momento, fora do tempo, em que as risadas das crianças na plateia ecoavam como se tivessem todos os risos do mundo ali reunidos. Bom ouvir uma gargalhada gostosa, daquelas que tem açúcar.

A magia do circo, ali estava renascida.

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