Intervenção fraudulenta dos EUA na Síria? Por quê? E agora?

Reprodução/@flaviomorgen/Twitter

Meu nome é Bashar Al-Assad. No ano de 2013, eu perdia a guerra civil no meu país, Síria, de forma contundente. Nesse mesmo ano, fui acusado de usar armas químicas durante o conflito. A partir disso, EUA e até mesmo meu maior aliado, a Federação Russa, me pressionaram pela entrega do meu arsenal, o que eu cumpri. Embora enfraquecido, fui o único ditador afetado diretamente pela Primavera Árabe que se manteve no poder. 

Atualmente, estou vencendo a guerra civil no meu país. Meus aliados e o meu regime conseguiram retomar dos grupos jihadistas Estado Islâmico e Frente Al-Nusra grande parte do território sírio, inclusive a cidade de Alepo. De repente, sem nenhum motivo plausível, eu simplesmente usei armas químicas sobre a população civil do meu país, matando cerca de 100 pessoas (imagens fortes).

https://www.youtube.com/watch?v=lS1808Dra2I

Em decorrência desse ataque (que inclusive viola o Direito Internacional), os Estados Unidos tiveram a desculpa perfeita para lançar um ataque contra o meu regime (neste momento, mais ataques estão sendo levados a cabo pelos EUA na Síria).

Por que eu faria isso? Erro de cálculo? Teoria da Conspiração?

As Relações Internacionais e as artimanhas utilizadas pelos Estados do mundo por poder nunca tiveram limites na história da humanidade. Federação Russa (e a ex-URSS), Estados Unidos, França, Reino Unido, Japão, Alemanha, Arábia Saudita… Poucos grandes países não desrespeitaram o Direito Internacional e mais frontalmente os Direitos Humanos e Humanitários.

Um dos mais conhecidos episódios de “desculpa esfarrapada” aconteceu em 2002, quando os estadunidenses invadiram o Iraque afirmando que este possuiria armas de destruição em massa. Depois de tantas mentiras, inclusive com a ajuda dos grandes meios de comunicação, devemos estar no mínimo céticos com o atual ataque pretensamente lançado pelo regime sírio sobre sua população. Não que seja impossível, mas parece muito improvável.

Existem algumas possibilidades no mínimo interessantes:

  1. O regime de Assad realmente utilizou armas químicas e não calculou a repercussão e a disposição de Donald Trump em influenciar mais diretamente na guerra civil na Síria;
  2. As forças pró-governo atacaram um local que possuía armas químicas e era controlado pelos jihadistas, o que desencadeou a expansão desses componentes pela região e, consequentemente, afetou a população;
  3. Os terroristas do Estado Islâmico, a Frente Al-Nusra, os opositores sírios, juntos ou isoladamente, buscam sabotar e incriminar o governo sírio, a fim de recuperar o terreno perdido. Nesta situação, o apoio velado de potências estrangeiras é uma variável que pode ou não existir.

Necessitamos nos perguntar insistentemente a veracidade ou não de determinados fatos, ainda mais quando vivemos na chamada era da pós-verdade. Fundamental perceber também que a retaliação dos EUA à Síria ocorreu muito rapidamente, ou seja, nem mesmo houve uma investigação profunda a respeito do ataque químico. Apenas “acreditou-se” na imprensa.

Ataque estadunidense a bases do regime sírio (Reprodução: Marinha dos EUA)

Independentemente de quem usou armas químicas, o tabuleiro do conflito já pode ter mudado. O que desejam os EUA?

  1. Entrar no conflito diretamente e auxiliar à força opositora síria, chamada de “moderada”, a retomar o terreno perdido nos últimos dois anos?;
  2. ou demonstrar força e disposição, primordialmente à Rússia, a fim de obter uma posição mais privilegiada nas negociações de paz que ocorrem em 2017?

Vladimir Putin, o presidente da Rússia, repudiou o ataque dos EUA à Síria, mas não tão veementemente como era esperado. A possível parceria Putin-Trump, porém, parece estar com os dias contados mesmo antes de começar efetivamente.

A Política Externa dos EUA dá um giro de 180º, na medida em que negociações multilaterais dão lugar ao bilateralismo no âmbito econômico; no contexto militar, da mesma forma, a mudança é brusca, já que ações unilaterais parecem ser a principal arma de Donald Trump a partir de agora.

Seja como for, o Direito Internacional torna-se “letra morta”, uma vez que a violação reiterada desse contexto implode sua credibilidade. Mais do que isso, a própria ONU tem perdido importância no atual cenário para a resolução de conflitos, primordialmente por meio do reforço do unilateralismo norte-americano nas Relações Internacionais.

Vivemos um momento de transição do sistema internacional, no que muitos chamam de Era Pós-Ocidental. Os métodos utilizados para infligir danos ao inimigo, entretanto, parecem não mudar nunca, pois a barbárie faz parte da essência do sistema de Estados soberanos.


Felipe Costa Lima é formado em Direito pela UFMG; Especialista em Política Internacional pela Faculdade Damásio de Jesus; e Mestre em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Latino-americano de alma, talvez consiga quebrar visões eurocêntricas sobre os acontecimentos mundiais. Talvez…

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