[Panorama Mundial] A volta da onda progressista sul-americana? Ou ela nunca partiu?

A chamada Pátria Grande de Bolívar incluiria toda a América Latina. Mas parece que o primeiro passo do progressismo é a América do Sul (Reprodução/Radio La Primerisima)

A vitória de Lenin Moreno para a presidência do Equador representa sem nenhuma dúvida uma grande vitória da esquerda progressista – governos de esquerda com foco em políticas sociais de inclusão – sobre o conservadorismo de direita – governos de direita com foco em políticas de estabilização macroeconômica – que parece dar “as caras” na América do Sul atualmente. Embora a diferença tenha sido pequena, (51,16 % para o socialista contra 48,8 % para o opositor), a esquerda demonstra que pode ser competitiva mesmo num ambiente de crise mundial generalizada.

Lenin Moreno vence eleições no Equador

Mas essa não é a primeira vez que os progressistas se mostram competitivos; as últimas eleições na região, muito pelo contrário, tiveram resultados extremamente apertados. Basta darmos os exemplos do Brasil, quando Dilma Rousseff foi reeleita em 2014 (51,6% contra 48,3% do opositor Aécio Neves); da Argentina, quando o conservador Macri venceu o pleito em 2015 (51,4% contra 48,6% do candidato governista); da Venezuela, quando Nicolás Maduro venceu a eleição em 2013 (50,66% contra 49,07% do opositor Capriles); e do Equador, em 2017. Até mesmo a eleição de Tabaré Vasquez pela Frente Ampla, no Uruguai, foi concretizada apenas no segundo turno. Esse movimento de continuidade competitiva das forças progressistas tem algumas explicações históricas recentes que necessitam ser explicadas. Contudo, é explícito que contextos de crises econômicas mundiais e domésticas abrem espaços para a proeminência de projetos políticos diferentes daqueles no poder.

O progressismo como resposta ao neoliberalismo

A chamada “onda rosa” sul-americana (maioria de governos de esquerda), que teve força principalmente durante a década de 2000, foi tributária direta da crise do neoliberalismo nos países periféricos dos anos 1990 (governados por políticos de direita essencialmente). As reformas defendidas pelo Consenso de Washington – abertura econômica intensa, privatizações, entre outras –, por meio das instituições multilaterais (FMI e Banco Mundial), “desaguaram” numa crise que impactou mais diretamente países emergentes, como México (1994), Rússia (1998), Brasil (1999) e Argentina (2001). Basicamente, as moedas desses países estavam supervalorizadas com relação ao dólar, em decorrência da aplicação de políticas para a estabilização da inflação. Isso prejudicava frontalmente a competitividade dos produtos desses países no mercado mundial e tornava os produtos estrangeiros mais atraentes. Consequentemente, as exportações de produtos de maior valor agregado diminuíam, e as importações deles aumentavam, provocando um déficit profundo nas Balanças Comerciais (exportações – importações de bens) e nas Balanças de Serviços (exportações – importações de serviços) desses países.

De onde poderia vir a cobertura desse rombo? Dos investimentos estrangeiros. O neoliberalismo, contudo, aprofundou o tipo de investimento chamado especulativo, que é aquele de curto prazo realizado para obter lucro rápido (compra e venda de títulos, de ações, etc.), portanto, grande parte da cobertura do rombo das balanças comerciais e de serviços era proveniente desse tipo de investimento. Quando os governos desses países ameaçaram desvalorizar as moedas dos seus respectivos países por motivos diversos, os investidores promoveram uma verdadeira fuga de capitais, buscando Estados mais estáveis para investir, primordialmente os EUA.

“O Neoliberalismo mata” (Reprodução: El País)

Em geral, embora a desvalorização das moedas tenha aumentado a competitividade dos produtos nacionais no médio prazo, a crise gerada provocou problemas socioeconômicos profundos. A partir desse quadro, as populações tendem a buscar outros projetos políticos que resolvam seus problemas: o espectro político sul-americano migrou para a esquerda.

O progressismo sofre com a crise de 2008

Hugo Chávez (1999-2013) e Nicolás Maduro (2014-atualmente) na Venezuela; Nestor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2008-2015) na Argentina; Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016) no Brasil; Tabaré Vasquez (2006-2010; 2016-2020), José Mujica (2011-2015) no Uruguai, Michelle Bachelet (2006-2010; 2014-atualmente) no Chile, Evo Morales (2006-atualmente) na Bolívia; Fernando Lugo (2008-2012) no Paraguai; Rafael Correa (2006-2017) e Lenin Moreno (2017-atualmente) no Equador. A primeira década dos anos 2000 possibilitou a ascensão massiva de forças progressistas na América do Sul. Ainda que com diferenças importantes, esses governos possibilitaram crescimento econômico e inclusão social, não apenas em decorrência de um excelente ambiente internacional, mas também pelo acerto nas próprias políticas domésticas adotadas. Esse foi o principal mérito desses governos, assim como, na década de 1990, o controle da inflação havia sido o grande mérito dos governantes de direita.

Mas o boom do preço das commodities acabou, principalmente em decorrência da profunda crise dos países desenvolvidos, a partir de 2008; muitos governos sul-americanos, porém, não prepararam suas economias para um contexto internacional mais hostil. Países como Venezuela, Brasil e Argentina continuaram extremamente dependentes das commodities, ou seja, as bases econômicas continuaram precárias e não foram efetivamente mudadas pelo Estado durante os anos 2000. Além disso, as oposições conservadoras em alguns países sul-americanos são muito hostis, o que provoca recorrentes crises políticas domésticas.

A crise do progressismo, no entanto, pode ser considerada sim uma falácia. Desde o início da crise de 2008, Venezuela, Chile, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai (até o impeachment de Lugo) e Brasil (até o impeachment de Dilma) mantiveram governos progressistas no poder. Venezuela e Brasil podem ser considerados exceções preocupantes, uma vez que enquanto neste o processo de impeachment foi acusado de ser fraudulento por grande parte da sociedade civil e política, naquela a manutenção do governo se dá para grande parte da sociedade venezuelana e do mundo por meio do uso de métodos antidemocráticos. O caso do Paraguai também foi emblemático, em decorrência do impeachment sumário do ex-presidente.

Fernando Lugo discursando após sofrer o Impeachment no Paraguai (Reprodução: Telesur)

A direita conservadora conseguiu sim obter o poder no Brasil, na Argentina e no Paraguai. Todavia, a manutenção e a não resolução da instabilidade política e socioeconômica nesses países fazem com que nomes progressistas como Lula e Lugo sejam os preferidos nas eleições presidenciais de Brasil e Paraguai, respectivamente. Na Argentina, a precarização das condições sociais da população durante o governo Macri e o recrudescimento dos movimentos sindicais (inclusive por meio de uma greve geral) também já abrem espaço para uma possível retomada peronista nesse país. Longe de estarem fora do jogo, as forças da esquerda progressista parecem estar retomando fôlego, primordialmente em decorrência das próprias crises que alguns governos conservadores parecem incapazes de superar.

Conclusão

Analisar uma região tão complexa como a América do Sul de maneira generalizada é sempre um grande desafio, por causa das especificidades de cada país. Porém, a estrutura internacional é determinante para movimentos de retomada ou superação de determinadas construções ideológicas. Crises internacionais não determinam mudanças, mas abrem o caminho para que elas sejam estabelecidas. Cada força que busca tornar seu projeto específico um projeto nacional deve trabalhar com as especificidades socioeconômicas e políticas dos seus países, a fim de buscar um consenso para sua construção. E é exatamente nisso que as especificidades sul-americanas são gestadas. Num contexto mais geral, contudo, parece que os próximos embates direita-esquerda continuarão equilibrados nas eleições posteriores, talvez pendendo um pouco mais para o progressismo. Isso se a antidemocracia não for proeminente.


Felipe Costa Lima é formado em Direito pela UFMG; Especialista em Política Internacional pela Faculdade Damásio de Jesus; e Mestre em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Latino-americano de alma, talvez consiga quebrar visões eurocêntricas sobre os acontecimentos mundiais. Talvez…

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