Palácio da discórdia: TJMG investiu R$ 70 milhões em prédio sem dono definido; imóvel é alvo de batalha judicial

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) ocupa, aos poucos, há cerca de 5 anos, um prédio na capital cuja propriedade é questionada judicialmente pela Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel). A nova sede do tribunal é um prédio de 14 andares localizado no alto da Avenida Afonso Pena, no bairro Serra, região Centro-Sul da capital. No mesmo local funcionava a sede da operadora de telefonia Oi-Telemar. Por não concordar com a transação, a Anatel está tentando retomar o imóvel.

Em 2012, após um acordo com a empresa de telefonia e com o decreto 715 assinado pelo então governador de Minas, Antonio Anastasia, o tribunal conseguiu a liberação do prédio para instalar sua nova sede. O decreto autorizava a desapropriação do imóvel, mas a Anatel questiona se o prédio deve ser realmente ocupado pelo TJMG. Desde então, o tribunal já gastou R$ 70 milhões com obras no local. De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) do Estado, cerca de R$ 26 milhões foram destinados à reforma do imóvel em 2017.

Porém, a Anatel entende que o edifício deveria ser devolvido à União após a Oi-Telemar ter deixado de utilizá-lo. Agora, a Anatel e o Estado travam uma batalha judicial pelo “palácio da discórdia”. Ou seja, a obra recebeu alto investimento, mas o imóvel segue sem dono definido.

O acordo

O Bhaz conversou com superintendente de Obras do TJMG, desembargador Cássio Salomé. Segundo o magistrado, houve um acordo entre o Governo do Estado e o tribunal. “Tínhamos um terreno onde, atualmente, é a sala Minas Gerais, sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Ali seria construída a nova sede do TJMG. O local foi repassado ao executivo e o Estado nos passou este imóvel. Tudo de maneira legalizada”, diz.

A reportagem esteve no prédio onde está sendo instalada a nova sede do tribunal. Segundo o superintendente de Obras do TJMG, a reforma geral do edifício está prevista para ser finalizada em agosto deste ano. “Praticamente todos os pavimentos, do 2º ao 14º andares, estão concluídos e ocupados, além de parte do 1º pavimento e dos 1º e 2º subsolos”, explica.

Atualmente, todos os gabinetes dos desembargadores já estão instalados na unidade Afonso Pena. A mudança dos cartórios foi encerrada no dia 16 de junho. A previsão para conclusão total da obra é em setembro próximo. Segundo o tribunal, 90% das reformas já estão prontas e serão entregues antecipadamente.

Terreno onde foi construída a Sala Minas Gerais está envolvido no acordo entre o Estado e o TJMG. Além da sala dedicada à Orquestra de Minas Gerais, o complexo também abriga a sede da TV Rede Minas. (Divulgação/Eugenio Savio)

A reforma geral de todos os pavimentos da edificação inclui a construção de gabinetes com banheiros individuais para todos os desembargadores, construção de plenários e Pleno, além de cartórios e demais setores necessários à prestação jurisdicional da 2ª instância.

Houve a substituição de todos os principais componentes das instalações, como transformadores, barramentos blindados, cabeamento elétrico e lógico, sistema de proteção contra descargas atmosféricas, sistema de incêndio, sistemas de refrigeração, sistemas de segurança predial e sistema de transmissão de dados, entre outras manutenções. “Podemos considerar que foi feita praticamente uma reconstrução além da modernização e adequação do prédio às normas técnicas dos sistemas da edificação”, explica Salomé.

Divergência

Desde que o prédio foi desapropriado, um processo extenso vem se arrastando na Justiça. A Anatel é contrária ao modo como o TJMG ocupou o prédio. A agência reguladora entende que o edifício era um bem reversível à União. Ou seja, após o período de uso do imóvel, a Oi-Telemar, operadora regulada pela Anatel, deveria ter repassado o edifício de volta à agência. Um dos argumentos da Anatel no processo é que alguns equipamentos da operadora de telefonia ainda estão no imóvel. Desta forma, o prédio deveria ser revertido à União, reguladora do serviço.

“O Estado-Membro da Federação não pode desapropriar um bem da União (Decreto-Lei Nº 3.365, de 21 de junho de 1941); logo, ele também não pode desapropriar um bem reversível à União, sob pena de prejudicar a responsabilidade da União de, no caso concreto, ainda de forma delegada, manter em funcionamento os serviços de telecomunicações no país”, argumenta a Anatel.

Segundo a Anatel, o Estado deveria ter tido a aprovação do órgão para desapropriar o imóvel. “Nos termos do art. 101 da LGT (Lei Geral de Telecomunicações) a alienação, inclusive a forçada, que é a desapropriação de bens reversíveis, dependerá de prévia aprovação da Anatel. Logo, deve haver um pedido administrativo à agência para que ela autorize a continuidade da desapropriação, como já aconteceu no âmbito da Anatel”, afirma.

Prédio também já foi sede da operadora Telemig Celular (Yuran Khan/Bhaz)

Por meio da Advocacia Geral do Estado (AGE), o Estado se posicionou contrário à justificativa da Anatel. Para o órgão, o imóvel não se trata de bem essencial à prestação dos serviços de telefonia, como reconhecido também pela própria empresa prestadora de serviços (Oi-Telemar). Tal fato justificaria o acordo firmado entre as partes e reconhecido por meio do decreto que autoriza a desapropriação.

“Não se trata de bem reversível à União, sendo válida a desapropriação, que diz respeito à relação jurídica entre o Estado e a empresa que constava como proprietária do imóvel. Cumpre mencionar que há decisão/sentença favorável a esse entendimento”, diz.

A Anatel rebateu a justificativa dizendo que “não cabe ao Poder Judiciário entrar no mérito administrativo e, substituindo-se à Anatel, decidir se um bem é ou não reversível; ou seja, não podem os administrados desviar a discussão direto ao Poder Judiciário sem sequer ter pedido a autorização da Anatel”.

O TJMG alega que nenhum dos equipamentos da Oi foi tirado do lugar. “A operadora preservou, aqui no imóvel, o que interessava a ela. Atualmente este edifício abriga o Centro de Processamento de Dados (CPD) da Oi, que está em pleno funcionamento. O equipamento ocupa cerca 2000 m² no subsolo, integralmente separado e preservado. Não temos acesso a essa parte do imóvel. É a Oi quem administra essa parte”, explica Salomé. “Quando o prédio foi desapropriado, o restante do prédio já estava alocado a terceiros. A Oi já não funcionava aqui. Essa ideia de que o imóvel é essencial à atividade da concessionária não é verdade”, acrescenta.

Histórico

O embate judicial já teve várias reviravoltas. Em fevereiro de 2016 uma decisão do juiz Ricardo Machado Rabelo, da 3ª Vara Federal de Belo Horizonte, entendeu que o edifício não era um bem reversível à União, validando a transferência do TJMG para o imóvel.

Entretanto, em junho, a Anatel recorreu da decisão. “Nós recorremos ao TRF1 da decisão do juiz de 1ª instância que considerou que o bem não era reversível e que a desapropriação podia ser concretizada em favor do Estado de Minas Gerais – TJMG. Nós conseguimos atribuir efeito suspensivo ao nosso recurso de apelação. Logo, a referida decisão do juiz de 1ª instância perdeu eficácia, retirando a regularidade da posse do TJ/MG naquele bem”, diz a agência por meio de nota.

Em julho do ano passado, o desembargador Mário César Ribeiro, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) definiu que o tribunal não poderia tomar posse do prédio. A decisão defendia o argumento da Anatel.

Primeira sessão em plenário foi realizada na nova sede do TJMG nesta quarta-feira, 20 (Divulgação/Renata Caldeira/TJMG)

Ainda em 2016, o Estado utilizou uma medida judicial e conseguiu interromper o efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação da Anatel, restabelecendo, portanto, a regularidade da posse do TJMG. “Trata-se de decisão que não entra no mérito e apenas analisa a questão à luz de eventual lesão ao interesse do órgão público. De qualquer forma, ficou pendente de julgamento pelo TRF1 o mérito do nosso recurso de apelação”, diz a Anatel.

De acordo com a AGE, atualmente, sob o ponto de vista jurídico, o prédio encontra-se desapropriado para abrigar a sede do TJMG. “Conforme reconhecido judicialmente em primeira instância. A imissão na posse do imóvel ocorreu em 2013, como foi reconhecido inclusive na decisão do Presidente do TRF em sede de Suspensão de Segurança interposta pelo Estado, por meio da AGE”, diz.

Segundo o TJMG, a instalação de todas as secretarias das câmaras e plenários em uma só unidade trará maior celeridade às práticas aos julgamentos e economia (Divulgação/TJMG)

De acordo com o o superintendente de Obras do TJMG, Cássio Salomé o TJMG é, judicialmente e legalmente, o atual proprietário do edifício mediante uma desapropriação autorizada pelo Estado. “É um processo com diversas fases. Seria temerário falar sobre esse processo devido as suas diversas fases e julgamentos. A matéria está sub judice e o tribunal ganhou a causa em todas as instâncias”, diz.

“A Anatel resolveu tomar essa posição por uma questão política. Este imóvel faz parte da briga entre Anatel e Oi. Afinal, a operadora tem uma briga enorme com a União. A Oi já tinha indicado quais seriam os prédios passíveis de reversão à União no fim das concessões. Este prédio não estava listado. A operadora tinha plena consciência de que não exercia nenhuma atividade aqui”, acrescenta.

Para o desembargador, o processo judicial está além do valor do prédio. “O processo da Anatel com a Oi é algo que envolve cerca de R$ 60 bilhões de dívida, tanto com a União quanto com credores. É uma briga imensa. Esse prédio foi desapropriado, na época, por cerca de R$ 200 milhões. É um valor mínimo no meio dessa confusão. Porém, é uma questão lógica. Este imóvel é um bem onde dois técnicos avaliaram, viram um CPD em funcionamento e entenderam que ele deveria ser repassado à União. Imagine você, como um advogado da Anatel, seria loucura não recorrer deste processo e requerer o prédio”, afirma Salomé.

Decisão em aberto

De acordo com o TRF1, a apelação da Anatel ainda está em análise. Sendo assim, a decisão que autoriza a posse do prédio pode ser revertida. De acordo com o tribunal, não existe uma previsão de julgamento do caso.

A AGE se posicionou sobre o recurso alegando que “o Estado, conforme sustentado nos autos do processo e já reconhecido em sentença, entende que a desapropriação solicitada pelo TJMG é válida e respeitou os requisitos legais para sua concretização”.

Já a Anatel informou que usará todos os recursos para reverter a decisão. “Em suma, atualmente nosso recurso de apelação ainda encontra-se pendente de julgamento pelo TRF1 e, na eventualidade de não haver êxito, serão interpostos todos os recursos cabíveis”, afirma.

O TJMG reconhece que a decisão pode ser mudada no tribunal. Segundo o desembargador Cássio Salomé, o TJMG já tem estratégias traçadas para possíveis desfechos do processo. “Se a gente perder na Justiça, nos retiramos do prédio. Mas, entraremos com um processo solicitando o reembolso de tudo que foi investido aqui. Podemos pedir também um novo imóvel para nos instalarmos. Caso a gente se mantenha no imóvel, já existe um projeto em fase embrionária para construir mais dois prédios nesse mesmo terreno. Estamos tranquilos quanto à nossa situação. Não temos dúvidas quanto à nossa posição e à nossa legalidade nesse processo”, conta Salomé.

Gastos

Questionado sobre os gastos da obra, o TJMG se posicionou detalhando os valores. Segundo o órgão, o contrato original para obra tinha o valor previsto de R$ 68,5 milhões. Durante a execução, foram feitos aditivos de serviços, totalizando R$ 3,2 milhões. Conforme previsão contratual, decorridos 12 meses da apresentação da proposta, o saldo de contrato foi corrigido em R$ 2,6 milhões, totalizando no contrato o valor de R$ 74,4 milhões. Entenda melhor no gráfico abaixo:

Do valor apresentado, já foram pagos, até 10 de janeiro deste ano, R$ 52,5 milhões. Outra parcela a ser acrescida à quantia refere-se à aquisição do carpete, que foi feita por meio de outro contrato, no valor de R$ 5,6 milhões. Portanto, o valor total da obra deverá ser de R$ 80 milhões.

Em relação ao valor de R$ 26,7 milhões previsto na LOA 2017, o TJMG disse que R$ 20,9 milhões deste total estão alocados para o contrato de reforma da unidade. Enquanto que R$ 2,4 milhões estão alocados para a instalação de carpetes. Outros R$ 878 mil serão destinados à aquisição e modernização dos elevadores. Segundo o órgão, a nova sede vai gerar uma economia de R$ 9,6 milhões nos gastos com aluguel de imóveis e com negociações de contratos em todo o estado. Espera-se ainda que, à medida que menos prédios estiverem ocupados, outras despesas sejam impactadas, como água, energia elétrica, serviços postais e transportes.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.