Porgy and Bess: montagem inédita reúne solistas negros brasileiros em ópera

Ensaios para a estreia, no próximo dia 21, Palácio das Artes, estão na reta final

Pela primeira vez, a Fundação Clóvis Salgado realiza a montagem de Porgy and Bess, ópera de George Gershwin, com libreto de DuBose Heyward, e letras de Heyward e Ira Gershwin. Considerada a obra prima da produção operística norte-americana, a montagem, inovadora, reúne um elenco formado integralmente por solistas negros brasileiros, com destacadas carreiras nacionais e internacionais.

Com direção musical e regência de Silvio Viegas e concepção e direção cênica de Fernando Bicudo, Porgy and Bess será apresentada em dois atos e conta com a Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico de Minas Gerais, a Cia. de Dança Palácio das Artes e o Coral Infantojuvenil Cefart. Protagonizando a história, Luiz-Ottavio Faria, no papel de Porgy; e Marly Montoni, interpretando Bess.

Completam o elenco da montagem, os solistas Michel de Souza (Crown), Eliseth Gomes (Serena), Nabila Dandara (Clara), Juliana Taino (Maria), Cristiano Rocha (Jake), Geilson Santos(Spoting Life), Lucas Damasceno (Mingo), Carlos Átilia (Robbins/Nelson/Crab man), Lucas Viana (Peter), Indaiara Patrocínio (Annie/Strawberry woman/Lilly), Antônio Marcos Batista(Jim/Undertaker), Emerson Oliveira (Jasbo Brown), Luciano Luppi (Police/Coronel) e Henrique Luppi (Detetive).

Além das árias, além da ópera

Aclamada mundialmente por seu estilo inovador, a montagem que chega ao Grande Teatro do Palácio das Artes atualiza a história contada por Gershwin nos anos 1930 – na qual um mendigo, deficiente físico, conta sobre sua tentativa de resgatar sua amada Bess dos braços de Crown, um homem violento e possessivo, e do traficante Sporting Life. No lugar do bairro Catfish Row, na Carolina do Sul, nos EUA, onde a história é originalmente contada, a produção da FCS é ambientada em uma comunidade pobre brasileira, mantendo o caráter universal da montagem e a beleza sonora das árias que ultrapassaram os palcos.

Porgy and Bess rompe com os tradicionais padrões das produções operísticas ao misturar diferentes elementos musicais à composição. Das famosas árias que, posteriormente, se tornaram canções conhecidas do grande público na voz de diferentes artistas, à temática, que envolve profundas questões raciais e culturais do povo negro norte-americano, a obra é considerada uma ópera-jazz.

Para Silvio Viegas, regente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e diretor musical desta produção, Porgy and Bess conseguiu transpor o ambiente cênico, graças às árias marcantes que mesclam o erudito e o popular. “Tenho pensado Porgy and Bess menos como uma ópera e mais como um musical. A vocalidade muito operística tem sido evitada, e o espetáculo mescla muitas palavras cantadas com palavras faladas”, destaca.

Nesta montagem, a amplitude vocal de cada cantor será um destaque a mais durante as récitas. Silvio Viegas explica que, por quebrar com os tradicionais padrões do canto lírico, Porgy and Bess é uma ópera que exige maior potência vocal dos artistas. “A voz dos cantores precisa ser empostada, pois é necessário ter projeção que tenda mais para o belting, técnica vocal característica dos musicais, utilizada para produzir uma voz mais clara e projetada, do que para o canto lírico. Porgy and Bess possui uma força religiosa muito grande, e a sonoridade negra norte americana comum no canto das igrejas deve ser preservada. Por isso, é necessário que os solistas tenham toda essa potência ao entrar em cena”, pontua o maestro.

Devido à forte musicalidade em suas árias, Porgy and Bess ultrapassou os palcos dos principais teatros norte-americanos e ganhou o gosto popular. Inúmeros artistas já regravaram, em versão de estúdio, algumas das canções do repertório da ópera. Um dos exemplos é “Summertime”, que se tornou um popular standard do jazz e ficou mundialmente conhecida nas vozes de artistas como Janis Joplin, Sublime, The Zombies, Ella Fitzgerald e Billie Holiday.

Outras árias como “It Ain’t Necessarily So”, já regravada por Cher; “Bess, You Is My Woman Now”, que ganhou versão na voz de Marisa Monte; “I Loves You Porgy”, adaptada para o jazz na voz de Nina Simone e “I Got Plenty o’Nuttin”, interpretada por Frank Sinatra, fazem parte das canções de Porgy and Bess que se tornaram mais conhecidas do que a própria ópera.

Reinventando uma história

Responsável pela concepção e pela direção cênica de Porgy and Bess, Fernando Bicudo volta a contar essa história após três décadas. A primeira vez que participou de Porgy and Bess, em 1986, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o diretor revela que houve uma grande dificuldade em encontrar solistas negros e brasileiros para o elenco.

“À época, tivemos que contratar estrangeiros para interpretar os principais personagens da ópera, pois não havia suficientes cantores líricos negros no Rio de Janeiro. Para que eu pudesse montar a ópera, tive que trazer 16 cantores de Nova York. Hoje, estamos montando Porgy and Bess em Belo Horizonte com um elenco totalmente nacional. Isso é motivo de orgulho e me deixa muito feliz”, comemora Fernando Bicudo.

O diretor espera fazer história, com essa nova produção, reunindo apenas solistas negros no elenco principal. Para ele, é fundamental que o público entenda a importância da montagem, em todos os sentidos, tanto o musical quanto o histórico, já que Porgy and Bess foi uma produção que, à época da estreia, nos anos 1930, gerou controvérsias e polêmicas por tratar da questão racial nos EUA.

“Porgy and Bess, antes de ser uma ópera linda, que faz parte do repertório tradicional das grandes montagens, é uma vitória da justiça social. É a arte negra, a cultura negra, a música negra, a estética negra sendo protagonistas de um grande espetáculo. Isso, sem dúvidas, é histórico para nós, para a Fundação Clóvis Salgado, e para o público, que terá a chance de apreciar essa riquíssima produção”, finaliza o diretor.

Mais uma vez, a Cia. de Dança Palácio das Artes integra o elenco de uma montagem operística da FCS. Em Porgy and Bess, o corpo artístico traz uma proposta coreográfica que é repleta de referências de danças típicas da cultura negra. Criação de Cristiano Reis, regente da CDPA, a coreografia mescla movimentos da dança jazz, do hip-hope do break, a ritmos tipicamente brasileiros, como funk carioca e o axé.

A representatividade da Cia. de Dança nessa montagem também passa por outras questões. As drag queens Babaya Samambaia e NaDja Kai Kai, personagens dos bailarinos Carlos Gomes e Lucas Medeiros, vão interpretar duas mulheres trans, demonstrando um claro diálogo da nova concepção da ópera com os dias atuais. 

Releituras da contemporaneidade

Os figurinos de Porgy and Bess são assinados por Sayonara Lopes, que buscou inspirações no vestuário dos homens e mulheres das comunidades de Belo Horizonte. Cores fortes, tênis, meias-arrastão, shorts curtos, minivestidos, bonés, toucas, botas longas e saltos altos ganham destaque na indumentária da ópera. Sayonara explica que a criação do figurino foi um desafio para ela, uma vez que as peças foram pensadas para espelhar, sem metáforas ou estereótipos, o cotidiano dos moradores da comunidade.

“As peças representam um mundo desejado e distante, e a mistura de elementos improváveis, díspares, compõem uma forma de exclusiva graça.  Tomei de empréstimo as formas concretas de vestirem-se, a beleza do uso excessivo e concomitante de elementos fortes, roupas bem urbanas. Os personagens da comunidade demonstram capacidade sui generis de reinventar, com incrível agilidade, os últimos lançamentos do mundo fashion, um mundo desejado e distante”, explica a figurinista.

Inspirações cênicas

O cenário da ópera é uma criação da cenógrafa Desirée Bastos e faz uma transposição entre espaço e tempo, mantendo traços da versão original, que foi inspirada em um cortiço que ficava em Charleston, na Carolina do Sul. Na montagem da FCS, a história se ambienta em uma comunidade nascida a partir da ocupação de uma mansão à beira mar. “Pequenas casinhas crescem tendo como base a grande estrutura da mansão. A espacialidade é configurada por planos, níveis, escadas, becos, lajes e especialmente na penetrabilidade de um ambiente a outro”, comenta Desirée.

O espaço urbano, apropriado pela cultura marginalizada, e as festas e movimentos culturais nascidos sob viadutos, como o de Santa Tereza, berço da cultura de rua em Belo Horizonte, e o de Madureira, no Rio de Janeiro, local onde surgiu o movimento Charme, também serviram como referências para a criação do cenário de Porgy and Bess, que propõe um diálogo com a arte urbana. Um grande mural de 3m por 16m, feito por Antônio Lima, assistente de cenografia, traz referências ao picho e ao grafite.

Pedro Pederneiras assina a iluminação do espetáculo. O desenho da luz foi pensando para dialogar diretamente com as cenas, que acontecem, ao mesmo tempo, em diferentes níveis do cenário. “O desafio do iluminador nessa montagem é saber dosar a luz nos momentos certos, que podem ser, ora intimistas, ora mais abertos. É uma grande responsabilidade conseguir iluminar essa ópera, que eu já conheço há muito tempo. Espero que, assim como o elenco, eu também possa surpreender o público”, comenta.

Opera Porgy and Bessa, de George Gershwin
Quando? 21, 23, 25, 27 e e 31 de outubro às 21h; 29 de outubro, às 19h
Onde? Grande Teatro do Palácio das Artes – avenida Afonso Pena, 1.537, centro
Quanto: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada)

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