[Recorte de Ideias] Lenda relata criação da Constituição da África Ocidental

Documento previa a inviolabilidade do ser humano

As heranças africanas na cultura brasileira atiçam os mais diversos sentidos humanos. Da linguagem à moda, da religião ao Carnaval, da música aos toques que regem e simbolizam os passos da dança. No dia da celebração da Consciência Negra, 20 de novembro, uma epopeia narra ainda mais um traço desse intercâmbio atado pelas amarras da escravidão: um dos primeiros modelos de uma Carta Constitucional do mundo foi criado no Oeste africano e incorporado em 2009, pela ONU, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

A Carta Mandén

Há uma epopeia contada em toda a África Ocidental e preservada pelos gritos – grupo detentor da palavra e responsável por passar por meio da tradição oral as histórias do seu povo. O conto eterniza uma lenda secular sobre o grande Sundiata Keita (Soundiata Keita ou ainda Sundjata Keita), fundador do Império Mali. Esse poema épico se passa na virada dos séculos XII e XIII, no território Maninka, onde mais tarde passaria a se chamar Império Malí – atual Mali, Guiné Conakry, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Burkina Faso, entre outros países da região.

A lenda se inicia quando Naré Maghann Konaté, um dos mansa (rei) do território Mandinga recebeu um caçador mágico em sua corte que lhe trazia uma profecia: ele se casaria com uma mulher muito feia e teria, com ela, o poderoso rei e herdeiro de seu trono. Naré Maghan Konaté já era casado e tinha um filho chamado Dankaran Toumani Keïta que, anos mais tarde, quando anunciada a morte de seu pai, não reconheceria a profecia e tomaria o trono de seu irmão.

A lenda conta que Sundiata Keita nasceu com uma espécie de paralisia nas pernas e foi considerado aleijado e inútil por todos a sua volta. Tentando provar que não era motivo de zombaria e vergonha para a sua família, Sundiata pediu a um ferreiro que fizesse uma barra de ferro e, aos pés de um Baobá – uma árvore que se divide em oito diferentes espécies, seis delas nativas de Madagascar, na África, uma proveniente do Oriente Médio e outra que surgiu na Austrália. Todas as espécies, no entanto, existem em outros países, incluindo o Brasil. É uma árvore de tronco grosso e secular –, se ergueu e começou a andar. Após provar a sua resiliência passou a ser perseguido pelo irmão e então rei Dankaran Toumani Keïta, tendo que fugir juntamente com sua mãe e outros dois irmãos.

Dankaran, porém não se viu tranquilo em seu reinado, pois o grande rei do povo Sousou, o Soumaoro Kanté, retratado nessa lenda como vilão-bruxo, começou a conquistar províncias vizinhas, incluindo o Mandén. Dankaran foge, deixando o seu trono sob o comando do autoritário feiticeiro e famoso por suas façanhas militares.

O povo mandinga, oprimido, recorre à Sundiata Keita, que aceita voltar ao território. Com a força de todos os clãs reunidos, inicia a famosa Batalha de Kirina, que faria de Sundiata Keita o rei dos reis e fundador do Império do Mali.

A Batalha de Kirina foi um importante marco na história do povo mandinga e simbolizou a força da união desse povo. Em 1235, Sundiata Keita e seu conselho de sábios se reuniram em Kurukan Fuga, situado à beira do rio Níger (limite dos atuais países Guine Conakry e Mali). Ali criaram a Carta de Kurukan Fuga ou Carta do Mandén, que apresentava noções de valores e tradições que até hoje formam a base da sociedade da África Ocidental.

Apontada como um dos primeiros modelos de constituição do mundo, esta importante carta previa entre outros assuntos a defesa dos direitos humanos tendo como base a inviolabilidade do ser humano, a liberdade de expressão e a abolição da escravatura. Em 2009 a Unesco incorporou a Carta do Mandén à lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Sobre o projeto N’África Cultura

O N’África Cultura é uma iniciativa que visa impulsionar o fomento da cultura do Oeste da África em Belo Horizonte. Idealizado por Isabela Leite e Marcos Nascimento, tem como objetivo incentivar a pesquisa dos ritmos da Cultura Mandén por meio de grupos de estudos, aulas de dança, e vivências culturais com mestres e artistas africanos.

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