‘Rolo compressor’ da UFMG: ‘tentei vários suicídios, quase morri’, relata universitário

Em maio do ano passado, o Bhaz noticiou três casos de suicídio na UFMG e uma tentativa de autoextermínio. Todos eles que ocorreram em apenas duas semanas. Agora, 10 meses depois, a saúde mental segue como uma preocupação dos estudantes. E o assunto ainda é considerado tabu. Em depoimentos anônimos, alunos contam como é desgastante a rotina em uma das maiores universidades do país.

Os relatos, alguns enviados ao Bhaz e outros de páginas da UFMG, expõem fragilidades da universidade federal e como isso afeta a vida dos estudantes. Noites em claro, energéticos, anti-depressivos, sem fins de semana ou momentos de lazer. Assim é descrito o dia a dia de alunos dos mais variados cursos da UFMG.

“Uma vez uma professora me perguntou o que eu fazia de 23h às 6h e respondi que dormia. Ela me disse que poderia utilizar esse tempo para estudar. Obviamente foi uma brincadeira, mas com o passar do tempo se tornou realidade. Perdi peso, passei noites à base de café e energético e tenho amigos que utilizam ritalina para dar conta do ‘rolo compressor’ da UFMG. Existem excelentes professores, mas infelizmente não é o caso da maioria. Grande parte dos professores acha que sua matéria é exclusiva, passando um conteúdo massivo. A tristeza se torna rotina a cada semestre e apesar de descrever a situaçao incômoda nos questionários de avaliação da ufmg, nada acontece. No início do semestre resta a torcida para pegar um professor coerente, afim de não ser esmagado pelo ‘rolo compressor’ chamado UFMG”, relata um aluno de engenharia civil.

Os métodos de ensino dos professores também são questionados por outra estudante da federal, que comentou a situação anonimamente na página Spotted UFMG – VSF. “O pior disso tudo é que quando um professor termina um conteúdo, e começa outro, fica uma sensação de vazio, como se você não tivesse realmente aprendido. Porque não teve tempo de entender os detalhes ou de pesquisar mais sobre tal assunto, mas precisou ‘meio que decorar’ para tirar uma nota razoável”, escreveu.

“Sou deficiente, morador de periferia, filho de mãe solteira, gay. Estudo na Faculdade Medicina que é um lugar ultra opressor, já sofri várias discriminações, xingamentos, já fiz um cartaz falando “NÃO INFANTILIZE OS DEFICIENTES” e eles picharam meu cartaz chamando nós, deficientes, de inférteis. Fora os assédios e opressões de alunos e professores. Já procurei todos os órgãos da universidade e nada é feito. Tudo é colocado debaixo do pano. Já levei ao NAI, que é o Núcleo da UFMG de Acessibilidade e Inclusão e ao Ministério Público, e não fizeram nada. O Núcleo é um enfeite só para falar que tem um núcleo para deficientes, mas na prática não funciona. Entrei em depressão profunda no último período, um dos motivos foi a Faculdade de Medicina da UFMG. Tentei vários suicídios, quase morri. O lugar é muito elitizado e opressor, sofro demais dentro deste ambiente”, desabafa um aluno da Faculdade de Medicina.

Alguns estudantes se dizem cansados de ver pessoas falando que tudo não passa de “frescura” e que menosprezam um problema real. “Ainda tenho que ler coisas do tipo ‘você deveria ser grato pela oportunidade que está tendo na UFMG’. Claro que não. A UFMG tem suas qualidades sim, mas a que custo a gente recebe o benefício? O que diabo vocês ganham defendendo essa realidade que gera ansiedade e depressão nos outros? A UFMG está fazendo MAL para muita gente e menosprezar o sofrimento dessas pessoas só mostra o quão egoísta e estúpido o ser humano pode ser. E nem adianta vir com papinho de que é ‘só’ ir para particular, porque não funciona assim”, relata um estudante também na Spotted UFMG – VSF.

Outro aluno comenta que o problema não são as cobranças ou reprovações, mas sim a falta de acolhimento. “O problema é a falta de apoio psicológico. Concordo que uma instituição de alto nível cobre muito. Só que a saúde do aluno, especialmente a mental, é negligenciada”, conta.

UFMG responde

A Universidade Federal de Minas Gerais informou que todas as reclamações devem ser feitas pela ouvidoria da instituição. A partir disso, um acompanhamento é feito e as medidas cabíveis são tomadas para a solução do problema.

“Ainda existe muito estigma em relação às pessoas com sofrimento mental ou que passam por ansiedade aguda devido a uma situação específica. A reação em geral é de desqualificar essa vivência. Precisamos contribuir para mudar esse quadro”, defende Cláudia Mayorga, professora do Departamento de Psicologia e pró-reitora adjunta de Extensão.

A busca por essa mudança está traçada nas diretrizes para uma política de saúde mental para a UFMG, propostas em relatório da Comissão Institucional de Saúde Mental (Cisme), publicado em outubro de 2016 e disponível no site da Pró-reitoria de Extensão (Proex). As diretrizes, enfatiza Cláudia Mayorga, foram definidas com base em “uma escuta muito detalhada e qualificada”.

De acordo com a UFMG, em situações de grande pressão, sofridas sobretudo pelos alunos de pós-graduação, diante dos prazos e metas a cumprir, a Pró-reitoria de Pós-graduação tem buscado preparar os coordenadores de curso para lidar com o tema. “A intenção é sensibilizar as coordenações para que fiquem atentas e não tenham preconceito com os alunos que estejam nessa situação. A ansiedade é um fator concreto e precisamos construir formas de lidar com isso”, diz a professora. Nos cursos de graduação também é desenvolvido um trabalho de preparação dos coordenadores. “Se o estudante tem algum tipo de sofrimento e é acolhido por uma coordenação sensível, fica mais fácil superar as dificuldades”, completa Cláudia Mayorga.

A universidade ainda oferece alguns auxílios listados abaixo:

Assistência psicológica
Em Belo Horizonte e em Montes Claros, a Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) oferece a todos os estudantes de graduação, classificados nos níveis I, II e III, acesso à psicoterapia breve individual e em grupo, na sede da Instituição e na Gerência de Montes Claros. Os atendimentos têm foco na psicoterapia de curta duração. Se for necessário ampliar esse tratamento, o estudante será encaminhado à rede pública de saúde ou para clínicas sociais.

Assistência médica
No Programa Saúde do Estudante (PSE) em Belo horizonte, o estudante assistido terá sua primeira consulta médica focada na escuta ativa para criação de um plano terapêutico individualizado. Após o acolhimento inicial o estudante é acompanhando pelo médico da Fump e, se necessário, pelo psicólogo, de acordo com sua necessidade. O estudante poderá também ser encaminhado para atendimento de um especialista na rede do SUS.

Assistência psicológica e médica na Moradia Universitária de BH
Nas dependências da Moradia Universitária em BH os residentes têm acesso ao atendimento psicológico uma vez por semana. O atendimento médico também é realizado uma vez por semana. Já o atendimento com os assistentes sociais acontece de segunda a sexta-feira. O objetivo desses atendimentos é que o morador tenha mais comodidade, não precisando se deslocar para a sede da Fump, pois os serviços prestados na moradia são os mesmo que os da sede.

Dados alarmantes

No Brasil, são 8 mil casos de suicídio por ano, uma média de 24 casos por dia, de acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente em Belo Horizonte, em um levantamento feito pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), foram 137 casos de suicídio em 2013. Contagem contabiliza 23 no mesmo período.

De acordo com a ONG Centro de Valorização da Vida (CVV), que é especializada no atendimento a pessoas com propensão ao suicídio, na faixa etária de 15 a 29 anos, o suicídio é um fenômeno preocupante, sendo a segunda causa de mortes mais recorrentes entre os jovens.

Ajuda

O Centro de Valorização da Vida (CVV) também ajuda com suporte a pessoas que precisem. Você pode entrar em contato pelo número 141 ou pelo site da CVV, o atendimento é feito via chat, email, Skype, 24 horas por dia. Tudo feito sob sigilo.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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