Cultura, preconceito e ignorância alimentam abuso e exploração sexual infantil no Brasil

18 de maio de 1973. A menina Araceli, de apenas 8 anos, moradora de Vitória, no Espírito Santo, foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada. Seu corpo foi encontrado seis dias depois, já os criminosos nunca foram encontrados.

Desde então, houve uma forte mobilização para combater crimes como estes que ferem as crianças e adolescentes brasileiras, instituindo o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado nesta sexta-feira (18).

A violência sexual é a situação em que a criança ou o adolescente é usado para o prazer sexual de uma pessoa mais velha. O abuso sexual é qualquer forma de contato e interação sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente, podendo ocorrer até mesmo sem o contato físico. Já a exploração se caracteriza pela utilização sexual de crianças e adolescentes com a intenção de lucro, seja financeiro ou de qualquer outra espécie.

Segundo dados das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 250 mil crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual no Brasil.  Porém, a situação pode ser ainda mais alarmante, já que os crimes sexuais estão entre os menos notificados no país, segundo a Unicef.

Em quatro anos, de 2012 até 2016, o Disque 100 recebeu 53,1 mil denúncias de abuso, exploração e/ou violência sexual contra crianças e adolescentes, uma média de 513 vítimas a cada 24 horas. Dentre as ligações estavam denúncias de outras violações como pornografia infantil, sexting, grooming, exploração sexual no turismo, estupro.

Além disso, um levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), feito com dados de 2011, mostrou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes.

Listamos abaixo aspectos que mostram pontos que precisam ser melhorados para combater abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil e também a problemática que o país enfrenta.

Pornografia infantil

O brasileiro está entres os povos que mais consome pornografia no mundo. Segundo uma pesquisa recente do canal do Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado a pedido do canal a cabo Sexy Hot, cerca de 22 milhões de pessoas assumem consumir pornografia no Brasil. Ao todo, são 76% são homens e 24% mulheres.

Porém, há uma problemática ainda maior no meio disso tudo. De acordo com o Pornhub, o maior site de pornografia do mundo, um dos termos mais pesquisados pelos brasileiros é “novinhas”, ficando no top 10 de buscas do site.

Em uma pesquisa rápida produzida pela reportagem, fizemos buscas com palavras chaves que remetem a crianças e adolescentes em um dos sites pornôs mais acessados pelos brasileiros, o Xvídeos. Tivemos os seguintes resultados:

Novinha: 18 mil resultados

Adolescente: 2,6 mil resultados

Ninfeta: 6,2 mil resultados

Aluna: 5,8 mil resultados

Além disso, há outros termos com muitos retornos como “sobrinha novinha”, “estudante” etc. Segundo a coordenadora do projeto Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual (Canva) e diretora da Clínica Escola do Departamento de Psicologia da UFMG, Cassandra Pereira, esse desejo de consumo ligado a termos adolescentes e infantis, pode estar relacionado com um padrão cultural.

“Nós vivemos em um país que é culturalmente machista e, além disso, que idolatra a forma do corpo perfeito. E o auge da perfeição do corpo conforme os padrões de beleza impostos é durante a adolescência. Como é crime, cometer atos sexuais com crianças e adolescentes, essas pessoas exploram seus desejos por meio destes materiais”, explica a especialista.

Porém, o ato de consumir, compartilhar, produzir e incentivar conteúdos relacionados a crimes de exploração sexual contra crianças e adolescentes é crime. Prova disto é que nessa quinta-feira (17) a Polícia Federal realizou no país a maior operação de combate à pornografia infantil de história do Brasil. Ao todo foram aproximadamente 250 pessoas presas em flagrante, até o momento.

O maior alvo da operação foi localizado em Minas Gerais, na cidade de Uberlândia, no Triângulo mineiro, com 780 mil arquivos baixados com vídeos e imagens de exploração sexual de crianças e adolescentes. Em Minas, também foram presos três alvos nas cidades do Vale do Aço e Vale do Rio Doce e outro em São Sebastião do Paraíso, que acessava os conteúdos em um computador de uma escola estadual.

Estupros e abusos

Cotidianamente são noticiados diversos casos de estupros e abusos de crianças em todo o Brasil. Somente nessa quinta (17), o Bhaz registrou três casos em Minas Gerais.

Um homem que foi preso acusado de estuprar a própria sobrinha em Manhuaçu, na Zona da Mata de Minas Gerais. Outro preso suspeito de abusar sexualmente da própria filha, uma criança de apenas cinco anos de idade, também em Manhuaçu. E, por último, um homem de 40 anos, suspeito de abusar sexualmente da filha, de 14 , em Juiz de Fora, também na Zona da Mata.

Em outro caso absurdo, um pastor foi preso acusado de abusar de criança de 5 anos, em Vespasiano, na Região Metropolitana da capital. Amigo próximo da família da vítima, ele aproveitou que estava sozinho com a criança e enfiou as mãos em sua vagina.

Os pais descobriram depois que a criança começou a ter pesadelos, deixar de comer e relatar que o pastor havia machucado suas partes íntimas.

“Essas crianças correm um sério risco de sofrerem traumas psicológicos graves. Principalmente, se elas se identificam com os abusadores e não conseguem entender o que sofreram. No futuro elas podem reproduzir o abuso como se fosse algo normal. Com isso, cria-se um ciclo perigoso. Desta forma, é importante ressaltar o acompanhamento psicológico”, diz Cassandra Pereira.

Em relação aos abusadores, a psicóloga explica que trata-se de um distúrbio de uma mente considerada doentia. “Os pedófilos são fixados nos padrões de desenvolvimento da sexualidade infantil. Toda criança passa pelo momento de descoberta do corpo e é nisso que veem prazer. O mais perigoso é que as crianças não sabem consentir com uma relação sexual e, principalmente, não estão preparadas para isso, nem psicologicamente nem fisicamente”, conta a coordenadora do Cavas.

Prostituição infantil

Outro problema enfrentado pelo Brasil é a prostituição infantil. Dados da Unicef mostram que, em um período de dois anos, 1,5 mil casos de exploração sexual infantil comercial foram registrados no Brasil, 138 em Minas Gerais.

Segundo a Unicef, o perfil das mulheres e meninas exploradas sexualmente aponta para outro problema: a exclusão social desse grupo. “A maioria é de afrodescendentes, vem de classes populares, tem baixa escolaridade, habita em espaços urbanos periféricos ou em municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico”, diz o estudo.

Ainda conforme o levantamento, muitas dessas adolescentes já sofreram inclusive algum tipo de violência intrafamiliar ou extrafamiliar.

Embora haja o atrativo financeiro da profissão, este não é o único lado da questão não a ser levado em conta. Há casos em que os problemas nas famílias, como violência intrafamiliar, também são determinantes na decisão das adolescentes em se prostituir.

Em meio a isso, ainda há o turismo sexual. Um levantamento feito pela empresa Axur mostrou que cerca de 3,5 mil sites de turismo sexual surgiram no Brasil entre 2013 e 2016, período em que sediamos eventos com Copa do Mundo e Olimpíadas.

Escândalos

A ginástica brasileira é o centro de um escândalo de abusos sexuais. Isto porque Fernando de Carvalho Lopes, técnico fez parte da comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica por dois anos e fez carreira no Movimento de Expansão Social Católica (Mesc), é acusado de ter abusado de ao menos 40 jovens ginastas.

As acusações vieram à tona no Brasil após o episódio nos Estados Unidos, onde o médico da seleção americana, Larry Nassar, foi preso por ter molestado mais de 360 ginastas, entre elas as campeãs olímpicas Simone Biles e Aly Raisman.

Outro caso que ficou marcado no Brasil, aconteceu no Rio de Janeiro, no ano passado, quando uma jovem 16 anos, contou que foi estuprada por 33 homens ao mesmo tempo em uma comunidade carioca.

Preconceito

Segundo a especialista, o projeto Cavas atende cerca de 40 crianças por mês. Para cada cinco meninas que precisam de acompanhamento, quatro meninos dão entrada também precisando de ajuda. Por ano, são cerca de 500 atendimentos de crianças e adolescentes que sofreram abusos sexuais.

E o número de meninos poderia ser maior, caso não houvesse preconceito, é o que explica a diretora. Por conta do machismo, muitas famílias subnotificam o abuso de meninos por conta do medo de que isso vá afetar a sexualidade da criança, mas isso não existe, é coisa do imaginário”, afirma Cassandra.

Em 2014, o Brasil registrou uma média diária de 13 denúncias de abusos de meninos. O número ainda representa menos de 30% dos casos envolvendo meninas. Segundo a ONG Childhood Brasil, ainda com base em dados de 2014, 47% dos casos de violência sexual no país eram contra meninas e 38% contra meninos. Outros 15% não foram informados.

Há poucos estudos sobre a violência sexual específica contra meninos no Brasil. Entretanto, um estudo feito nos Estados Unidos revelou recentemente que um em cada seis homens sofreu algum tipo de abuso antes dos 16 anos no país.

Incentivo ao crime

Por outro lado, mesmo que se discuta e incentive o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, outras pessoas vão na contramão e praticam atitudes que incentivam a prática.

Alguns desse fazem isso até deliberadamente, como o caso de Ricardo Wagner Arouxa, que é autor da página Rio de Nojeira, que incentiva o racismo, a pedofilia a violência etc e já esteve envolvida em outras polêmicas.

Em um e-mail recém enviado ao portal Bhaz (ainda não entendemos o porquê disso), Ricardo diz ser favorável a pedofilia. “O povo brasileiro fica revoltado com a pedofilia porque inconscientemente eles querem praticá-la. A pedofilia é um crime sem vítima, pois o amor não machuca”, as aspas terríveis acima é assinada por Ricardo em seu e-mail.

Ele justifica sua fala no fato de ser um ‘celibato involuntário’, mais conhecido com “incel”, um grupo virtual masculino que tem a inabilidade de convencer mulheres a terem relações sexuais com eles, segundo define o site americano Vox.

Caminhos e soluções

Segundo a especialista, é preciso desenvolver ações para lidar com esse assunto. “A melhor maneira de se combater isso é a prevenção por meio da capacitação de profissionais e a discussão desses temas em busca de soluções, seja nas áreas de educação, jurídica etc. É necessário um trabalho para mobilizar os pais e a sociedade a olhar para esse assunto e dar acompanhamento para as crianças vítimas”, diz Cassandra Pereira.

No dia 8 de maio de 2017, o presidente Michel Temer sancionou duas novas legislações relacionadas ao tema: a Lei nº 13.440 /2017, que estipula pena obrigatória de perda de bens e valores em razão da prática dos crimes tipificados como prostituição ou exploração sexual; e a Lei nº 13.441/2017, que prevê a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

O presidente também sancionou, em abril, a Lei nº 13.431/2017, que estabelece a escuta especializada e o depoimento especial para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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