Quadrinhos no Brasil: um mercado difícil de seduzir, mas não impossível  

A liberdade na criação e a fusão da escrita com o desenho. Duas artes numa coisa só. Este é o diferencial para quem gosta de histórias em quadrinhos. Mesmo assim, o espaço dedicado para a vertente literária no mercado editorial brasileiro apresenta ainda muitas restrições. Apesar de hostil, o setor de HQ’s aos poucos vem se consolidando e promete boas histórias por parte do setor independente.

A quadrinista Erica Awano, homenageada da edição deste ano do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ 2018), afirma que a falha do mercado brasileiro é justamente porque a maior parte das pessoas não gosta muito de ler. “Infelizmente é o que a gente vê por aí. Você pode afirmar que muitas pessoas vão a bienal do livro, só que eu não tenho certeza se as pessoas estão lendo ou se estão fazendo como antigamente, quando iam ao shopping para comprar roupa de marca só pra mostrar que têm”.

Por causa disso, segundo Awano, não há profissionais consolidados no Brasil, mas sim consagrados. “Eles são pessoas que são consagradas no mercado, mas todos os dias eles estão procurando clientes para trabalhar, projetos para poder pagar as contas. Então consolidado não é bem uma palavra quando se trata dessa área. O único cara consolidado no mercado é o Maurício de Souza”, declara.

Apesar da visão pessimista, Awano acredita na produção do cenário independente do Brasil e, consequentemente, não dependem mais de distribuidoras ou editoras. Como o caso do publicitário Dan Arrows, criador dos quadrinhos ‘Samurai Boy’ e ‘O Moleque’, inspirado no seriado Chaves. O publicitário afirma que o país não tem um mercado extenso, mas tem um segmento de produção crescente. “Existem muitos artistas emergentes e que estão se profissionalizando, com uma produção muito boa. Mas é para um mercado que ainda não absorve tudo”, lamenta.

 

Érica Awano, homenagemada do FIQ 2018, se diz desanimada com o mercado de quadrinhos no Brasil. (Marcella Oliveira/Bhaz)

Dificuldades e Conquistas

No cenário independente, a grande dificuldade está na questão financeira para produzir material, afetando na frequência de impressões e divulgação. “O custo normalmente fica a nosso encargo. Ocasionalmente conseguimos nessas campanhas de financiamento coletivo que ajudam demais, mas ainda assim são muito difíceis”, afirma Dan, que como muitos, têm outra profissão para custear os próprios quadrinhos. “Não dá pra imprimir todo mês, porque não dá pra vender no mesma frequência que Mauricio de Souza vende, por exemplo.”

Em concordância ao quadrinista, a estudante de Cinema de Animação e Artes Visuais Luísa de Carvalho, também quadrinista independente, afirma que todo o seu trabalho é feito à mão, pois o custo é muito alto. Mas apesar das dificuldade, acredita que um fator importante que está mudando é em relação ao começo da carreira. “Aqui em BH, com a ajuda da FIQ Jovem, Quadrinhos Rasos, Casa dos Quadrinhos estão dando muito apoio pra quem tá começando.  Às vezes, você não sabe muito bem por onde começar e é muito importante receber essa orientação, porque não adianta tentar financiar algo que eu não sabemos como fazer.

O quadrinista Dan Arrows acredita muito no crescimento do cenário independente. (Marcella Oliveira/Bhaz)

Machismo em queda

Hoje em dia, cada vez mais mulheres que fazem parte do meio, mostram que o estilo não está restrito aos homens – nem para ler nem para produzir. Porém, a cena ainda é bem masculina. E, entre projetos, prazos e pinceladas, elas mostram que mulher pode sim, fazer humor, críticas políticas e o que mais quiserem com desenhos e balões.

Dan Arrows afirma a grande equidade de profissionais e adoradores dos quadrinhos hoje. “A produção feminina é espetacular. E tá num nível muito alto. Algumas das minhas maiores influências, as minhas ídolas, estão aqui (na FIQ) produzindo”.  O publicitário diz ter um coletivo de HQ’s na Faculdade onde leciona e afirma que 50% são quadrinistas e roteiristas. “As vezes, por causa dessa misoginia, ficam um pouco intimidadas, mas quando começam, não tem ninguém que pára. São sensacionais”, elogia.

Luisa fica muita feliz de ver esse crescimento de profissionais quadrinistas no país, e a mudança do machismo no meio. “Eu vejo que, na verdade, está evoluindo. Vejo mais profissionais e mais solidariedade em relação ao fazer quadrinhos. No FIQ, por exemplo, as meninas mostrando seus trabalhos e os caras comprando e dando apoio, mudando essa visão. Quem é machista não se sente a vontade em ambientes assim”, declara.

Outra questão importante, é o conteúdo veiculado pelas histórias. Erica Awano conta que, a partir de dado momento passou a se importar com a forma como a mulher era retratada nos desenhos e roteiros.“Eu desenhava a Chun-li (personagem do game Street Fighter), em que ela fazia uma pose ridícula com as pernas…enfim. Era o meu primeiro trabalho como quadrinista e depois dessa cena, eu decidi que não iria fazer coisas que me deixem desconfortáveis, só porque esta é a pose que ela faz originalmente”.

A profissional ainda, faz questão de demonstrar em seu trabalho, que não é preciso sexualizar mulheres ou homens para se ter uma boa história. “Na minha carreira, aprendi que nem todo quadrinho é sobre homens musculosos que usam a cueca sobre a calça ou mulheres semi-nuas. Um quadrinho pode ser muito mais que isso!”, afirma Awano.

Luisa elogia o apoio de instituições, coletivos e eventos na carreira de iniciantes. (Marcella Oliveira/Bhaz)
Marcella Oliveira

Publicitária e redatora do portal BHaz.

[email protected]

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!