Reitora da UFMG diz que teto torna situação da universidade preocupante

Sandra Goulart Ameida defende revisão da lei que congela gastos por 20 anos

A nova reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Goulart Almeida, está temerosa quanto ao futuro da Universidade caso não seja revista a emenda constitucional aprovada pelo Congresso Nacional ano passado que estabeleceu um teto para os gastos público.  Para ela, a situação é preocupante. Sandra Goulart foi empossada no cargo de reitora da UFMG recentemente. Em entrevista ao Bhaz, ela afirmou que, a despeito disso, a UFMG segue a política de amparo aos estudantes cotistas e com a manutenção da universidade como um espaço para o debate democrático. “No momento em que o pais vive essa crise institucional, que tem se traduzido numa polaridade muito grande, a universidade tem que ser esse espaço do debate, sempre respeitoso, de abertura, de escuta do outro”, afirmou Sandra Goulart.

Ano passado, a Universidade estava em uma situação financeira ruim e muitas pessoas chegaram a dizer que programas podiam ser cancelados. Como está a situação da UFMG hoje, do ponto de vista financeiro?

Vamos voltar um pouco no tempo. A questão não foi só da UFMG, mas também de outras universidades, por causa do contingenciamento de recursos que nós tivemos. Foram dois problemas. Diria que foram até três. O primeiro foi realmente uma redução de orçamento que veio do MEC. O segundo foi o contingenciamento desse orçamento, que já estava reduzido. O terceiro foi o corte nos valores de capital. São duas as rubricas que nós temos: uma é a de custeio, que é para a manutenção da Universidade; a outra é a de capital, para investimento em obras, equipamentos, na parte mais de infraestrutura. Para você ter uma ideia, o corte foi de 50% em capital e 20% em custeio só ano passado. Isso não foi só para a UFMG. Foi para todas as universidades federais. A situação é, de fato, preocupante. Ano passado, eu estava na vice-reitoria; então [acompanhar] isso foi parte da nossa atuação. Naquela ocasião, optamos por não cortar as atividades-fim da Universidade, que são ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil. Então, bolsas não cortamos, assistência estudantil, também não. Optamos por manter as atividades-fim. A universidade não parou a pesquisa? Não. Não parou, continuou, só que, mesmo que não tenha cortado, as agências de fomento cortaram. O CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia] e a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao MEC] cortaram. Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Minas Gerais, fundação ligada ao Governo de Minas] também está com problema orçamentário. Tudo isso impacta a Universidade. Nossa grande preocupação é com o teto dos gastos públicos. A UFMG e todas as universidades estão pressionadas por esse teto. Na época da aprovação da emenda constitucional que estabeleceu o teto, nós falamos muito sobre o seu impacto sobre a educação e a saúde, porque o teto congela os gastos da Universidade durante 20 anos. Aí, inclui tudo. O que eu estou querendo com isso é dizer que não há nada que a gente possa fazer para mudar o orçamento que vai vir para a UFMG. Nós vamos ter, a partir de agora, 25% de aumento de energia nas contas da Cemig, mas o meu orçamento é o mesmo. Você fica em uma situação extremamente complicada. Essa será a luta de todas as universidades daqui para rente e também de toda a área de educação e saúde, que é uma área em que, às vezes cresce em salário e outras coisas, mas a gente não vai poder aumentar o orçamento por 20 anos. Então, a meu ver, o Congresso vai ter que rever isso.  Vinte anos é um prazo muito longo para isso.

UFMG vive o dilema de manter a qualidade de ensino em um ambiente de grande restrição financeira. (Foca Lisboa/UFMG/Divulgação)

A curto prazo seria um período de quantos anos?

Eu diria que uns quatro anos. Esse ano, já teremos esse impacto [da energia]. Te dei um exemplo só. Mas, claro que outras coisas também irão aumentar. Se o orçamento fica do mesmo jeito, claro que você vai ter um impacto à frente. A UFMG é uma universidade muito séria e ciosa de suas contas e de todo esse patrimônio que nós temos. Somos muito cuidadosos. Agora, há um limite que você pode aguentar com relação a isso. O que eu tenho dito sempre é que, para nós, quando você fala em ciência e tecnologia, você faz um investimento. Não é um gasto. É um investimento com impacto direto na nossa sociedade, no nosso país. Isso é o que tem que ser considerado.

As universidades federais vivem hoje um momento que seria uma antítese de um período áureo, que foram os governo do PT. Quais são os desafios que a senhora considera como sendo os mais importantes a serem enfrentados como reitora em uma situação de adversidade financeira e até institucional? É mais difícil ser reitora hoje? 

Com certeza. Só esclarecendo uma questão, pois as pessoas às vezes falam que os governo do PT foram uma época de muitos recursos para a universidade. As pessoas, às vezes, não se dão conta de que houve um pacto de reestruturação do setor firmado entre as universidade e o governo federal, através do Reuni, que possibilitou uma ampliação das universidades públicas, inclusive com a sua interiorização. Então, nesse período, a UFMG cresceu exponencialmente, não apenas com relação ao número de estudantes, mas também em relação ao número de cursos oferecidos. Vou te dar apenas um exemplo: o nosso campus de Montes Claros saiu de dois cursos para seis. Antes, eram zootecnia e agronomia. Com o Reuni, abrimos os de engenharia de alimentos, engenharia florestal, administração e engenharia ambiental. Posso te dar também o exemplo da Escola de Belas Artes, aqui no campus Pampulha, que aumentou, também exponencialmente, o número de cursos oferecidos. Houve um pacto de expansão entre o governo federal e as universidades públicas que foi importantíssimo para o país. O contingenciamento [no governo Temer] teve um impacto direto sobre esse processo de ampliação. O impacto maior foi o corte de recursos para obras. Esse vai ser um grande desafio: o de retomar as obras que estão paralisadas.

A UFMG tem conseguido executar obras?

Mesmo nesse contexto difícil, a UFMG conseguiu  executar duas obras que são muito importantes, que foram o término do CAD 3, [Centro de Atividades Didáticas] que vai atender à área de exatas. O segundo desafio foi a moradia 3, na avenida Fleming. Temos um número grande de alunos que vêm de outras cidades e que não têm condições sócio-econômicas adequadas, pois vêm através da cotas e que, se não foram acolhidos, não tiverem um local para estarem durante o curso, muitas vezes, eles nem continuam. O grande desafio, que eu tenho dito sempre, é manter a qualidade, que é referência da UFMG e também dar continuidade à expansão que foi pactuada com o governo federal, principalmente através do término das obras que estão paralisadas.

Moradia estudantil é importante para garantir a permanência dos alunos cotistas (Lucas Braga/UFMG/Divulgação)

Quais são estas obras?

As obras mais preocupantes para nós, porque temos como meta repactuá-las com o governo, são as das unidades acadêmicas. Tem a da Química, tem a da Faculdade de Educação, o anexo da Escola de Música e o anexo da Belas Artes. Há também algumas obras menores, mas nesse primeiro momento, a pactuação que foi feita com o governo federal precisa ser continuada, porque nós fizemos a nossa parte, que foi a nossa expansão do acesso. Agora é importante que a gente dê andamento ao que foi pactuado, que é a expansão da estrutura física da UFMG.

Direito e Arquitetura virão para o campus?

A transferência das duas unidades foi aprovada pelas duas congregações, tanto de Direito quanto de Arquitetura, porque para nós é importante a integração. E quando você tem duas unidades fora do campus, essa integração acaba sendo um pouco dificultada. Mas isso estaria no bojo da expansão da unversidade e vai ter que esperar um pouquinho até que a gente tenha conseguido repactuar os projetos com o governo federal.

Nesse cenário de crise, estas duas unidades estariam com ida para o campus dificultada a curto prazo?

A curto prazo, sim. Mas a longo prazo, é um desejo da universidade que, há vários anos, tem feito um esforço para trazer várias unidades que estavam no Centro para o campus da Pampulha. Só faltam essas duas unidades porque a área de Saúde não vem e tem que ficar lá, junto do Hospital das Clínicas.

Da primeira gestão que a senhora participou, o que seriam os pontos que pretende manter e o que seriam novas áreas de atuação?

A gente tem que manter a qualidade de nossa instituição, manter as atividades-fim. A UFMG está muito bem em termos de qualidade. Ela ganhou nota máxima na avaliação recente do MEC. Na graduação, tínhamos nota quatro e passamos para cinco, nos dois quesitos, que são avaliação de curso e avaliação local também. São poucas as universidades no Brasil que têm essa nota máxima. Isso para nós é motivo de grande orgulho. Na pós-graduação, temos 68% de nossos cursos classificados com de excelência, de acordo com a classificação da Capes. Nós também temos uma extensão que é vigorosa, que é reconhecida e que atende o estado todo. Então, a universidade se manteve com qualidade e isso é algo que temos que manter, sim. Temos, também, que manter a relevância da universidade, pensando em termos de inovação curricular, de renovação de trajetórias acadêmicas. Hoje, os grandes problemas do mundo não podem ser resolvidos apenas no campo disciplinar. Então, a transdiciplinariedade é algo muito importante que temos  que induzir cada vez mais. A UFMG é uma universidade de relevância para nossa cidade, nosso estado e nosso país. E ela tem que realmente estar ligada a essas questões que são relevantes para nosso país também. UFMG tem também um papel importante na pesquisa de ponta. Nós somos a universidade que mais tem depósitos de patentes no Brasil. O outro desafio é realmente fazer esse movimento no sentido de aumentar a inclusão. Nós temos um dado precioso para nós, que é uma analise feita pela Instituição comparando-se o rendimento dos alunos que entram por cota com o dos que entram pela livre concorrência. A conclusão é que aqueles que entram por cota têm praticamente a mesma nota, ou nota superior. Agora, você não faz inclusão se não tiver uma política de permanência. Porque se esse aluno que entra não tem uma ajuda no que ele precisa, ele acaba desistindo.  Isso é algo que nos preocupa.

O projeto seria aumentar o percentual de inclusão?

A gente já está dentro do que determina a lei. A ideia é manter e ampliar o apoio que damos a esses alunos. Porque uma coisa é incluir; a outra é mantê-los na universidade. É o que chamamos de política de permanência, que passa por várias questões, desde a de dar a esse estudante que não tem condição socioeconômica, a oportunidade de comer nos restaurantes universitários sem ter que pagar, além de outros benefícios. Outros precisam de uma bolsa de subsistência; outros de uma moradia. Isso é avaliado de acordo com a necessidade de cada um.

Como é a evasão dos alunos da inclusão?

Os que nós tentamos fazer é apoiá-los logo que entram na universidade. Sendo apoiados, essa evasão é muito baixa.

Ênfase em pesquisa faz com que a UFMG seja a instituição que lidera o registro de patentes no país (Foca Lisboa/UFMG/Divulgação)

Nesse cenário crise institucional que o país vive, qual seria o papel das universidades?

Importante destacar nossa preocupação com o que é chamado de crise institucional. Muitas pessoas têm falado sobre ‘a crise nas universidades’. Não há crise nas universidades. O que há é um problema orçamentário em função da crise que há no país por causa do teto dos gastos públicos, que realmente, vai ter impacto sobre as universidade. A UFMG e as universidades públicas são patrimônio do nosso país. É aqui que se faz pesquisa de ponta; é aqui que se constrói a consciência crítica. A UFMG tem um papel muito importante nesse cenário, porque é o lugar da reflexão crítica, da defesa da democracia, da educação, da ciência, da tecnologia, da importância dessas instituições para o nosso estado e para o nosso país. Então, a UFMG e as universidades publicas são sólidas, têm um histórico muito importante e o que elas têm que fazer é preservar a democracia, o espírito crítico, a liberdade e, principalmente, a autonomia. Nós temos autonomia didático-pedagógico e isso é muito importante. No momento em que o pais vive essa crise institucional, que tem se traduzido numa polaridade muito grande, a universidade tem que ser esse espaço do debate, sempre respeitoso, de abertura, de escuta do outro.

Recentemente, a Universidade de Brasília quis oferecer um curso sobre ‘golpe de 2016’. Houve pressão do MEC contra a iniciativa e, na sequência, outras universidades passaram a oferecer o mesmo conteúdo. Como a senhora viu esses acontecimentos?

As universidades tem autonomia didático-pedagógico. Isso está escrito nas leis que regem as universidades. Aqui é o espaço do debate, da crítica. É o lugar em que você se abre espaço para estas discussões, para uma reflexão sobre a universidade. E essa autonomia passa pela liberdade de expressão. Em todos os países do mundo que prezam a democracia, eles falam sempre na liberdade das universidades e da imprensa também. Isso é algo de que não podemos abrir mão na democracia. A universidade tem que ser esse espaço de reflexão. E não cabe uma restrição, não cabe uma censura nesse sentido. Cabe o debate produtivo. Vocês podem não concordar com esse curso. Então, que se debata isso construtivamente, dentro da universidade, dentro dos espaços democráticos. E não que se faça uma censura. Não é cabível. Mesma coisa de aplica à imprensa. Você pode discordar, mas aqui é o lugar de ser fazer esse debate.

Em dezembro, houve aquele episódio da Polícia Federal, que chamou a senhora e o reitor, Jaime Arturo Ramírez, para deporem sobre um possível desvio de recursos do Memorial da Anistia para outras atividades. Como ficou aquela questão? 

A questão está sub-judice. Por isso, não posso e não devo me manifestar com relação a isso. O que eu posso dizer é que a universidade é uma instituição séria, comprometida, transparente e nós temos a consciência tranquila e a certeza do dever cumprido. A universidade sempre esteve e sempre estará à disposição das autoridades para qualquer coisa que seja necessária. É o que eu posso dizer.

Marcelo

Marcelo Freitas é redador-chefe do Bhaz

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