[ Bhaz em série] Olheiros testam Polícia Federal (cigarros paraguaios – parte 2)

Cigarros apreendidos ficam no pátio da Receita, em Foz do Iguaçu

Em um contêiner que abriga uma parafernália eletrônica ligada a dezenas de câmeras e monitores de segurança, dentro de um galpão às margens do rio Paraná, em Foz do Iguaçu, o agente da Polícia Federal observa, na margem paraguaia, uma barraca improvisada de lona plástica e madeira. Com alguns toques no mouse, o policial vai aproximando a imagem e a tela de 50 polegadas à sua frente mostra mais detalhadamente um observador solitário.

Por questões de segurança, a PF pediu que não fossem feitas fotografias no interior deste contêiner. O equipamento, de última geração, tem câmeras infravermelhas (que possibilitam a visão noturna) e funciona 24 horas por dia.

“É um olheiro, mas não podemos fazer nada”, resume o policial federal Augusto Rodrigues, chefe do Núcleo Especializado de Polícia Marítima (Nepom) em Foz do Iguaçu. Somente na região conhecida como a Tríplice Fronteira – que divide Brasil, Argentina e Paraguai – a PF apreende, anualmente, em torno de 20 mil caixas de cigarros. O que passa ganha as estradas e abastece os mercados em praticamente todo o território nacional. Lembrando que cada caixa contém 50 pacotes com dez maços de cigarros, o que significa um volume e de 200 milhões de cigarros.

O próprio agente federal admite que quando se aumenta o cerco em torno aos cigarros, o mesmo contingente envolvido não se inibe e transporta drogas, armas, munições e produtos eletroeletrônicos. “Eles têm a logística, um exército de atravessadores e conhecem as rotas. Se não passa cigarro, passa maconha ou outra mercadoria. Ou, às vezes, tudo junto”, afirma Augusto Rodrigues.

Cerca de 200 milhões de cigarros entram ilegalmente no Brasil, segundo o delegado Augusto Rodrigues, da PF de Foz (Heraldo Leite/Bhaz)

Nepon fiscaliza a entrada de cigarros pelo rio

O Nepom de Foz foi inaugurado em 2016, no local onde funcionou um cais e oficina de manutenção das balsas que atravessavam o rio Paraná. As instalações estavam abandonadas e o local, atualmente, serve como base, com contêineres fazendo às vezes de escritório, alojamento e até sanitários. Dali até Guaíra, outra unidade da Polícia Federal no oeste paranaense, são cerca de 150 quilômetros rio acima. No entanto, a unidade conta com pouco mais de 20 agentes, quando o ideal, de acordo com a própria Polícia Federal, seriam 250 homens.

Além do rio, a unidade auxilia na vigilância dos quase 1,5 mil quilômetros de margens do lago da Usina de Itaipu Binacional. A área, formada artificialmente para a construção da usina com suas 20 turbinas, também é muito utilizada na rota do contrabando e do tráfico.

Mesmo com poucos homens, o Nepom conta com armamento pesado, 34 veículos entre lanchas rápidas e embarcações maiores (doadas pelos Estados Unidos) já que volta e meia têm de enfrentar quadrilhas também armadas até os dentes. Mas são as pequenas embarcações, que atravessam os cerca de 300 metros que separam Brasil e Paraguai as mais utilizadas por contrabandistas, levando menos de um minuto para fazer a travessia.

Uma vez atravessadas, as mercadorias costumam ser colocadas em carretas que costuram por pequenas estradas vicinais e atalhos no meio da mata até chegar a BR-277 (que liga Foz ao Porto de Paranaguá, cortando o Paraná com seus 730 quilômetros de extensão). Dali, cigarros e muambas chegam a todos os recantos do Brasil, Belo Horizonte inclusive.

Quanto ao olheiro visto até a olho nu na margem paraguaia do rio Paraná, não é possível fazer nada sob pena de se detonar um incidente diplomático já que, oficialmente, ele não pode ser culpado de nada. Mesmo que o observador paraguaio avise, com antecedência, qualquer operação do Nepom ou até mesmo das autoridades paraguaias.

Para transportar o contrabando, vale tudo, até teto falso para esconder mercadorias (Heraldo Leite/Bhaz)

Menores ao volante driblam polícia

Na ilegalidade e em grandes volumes, e a fim de driblar a Justiça e protelar processos, as quadrilhas colocam menores de idade dirigindo pequenos utilitários que, por sua vez, abastecem carretas com grande capacidade de carga. As pequenas caminhonetes, não raro, são roubadas no Brasil e cruzam a fronteira, para lá e para cá, dificultando o rastreamento e a busca pelo legítimo dono.

No mês passado, um desses veículos foi interceptado pela Polícia Rodoviária Federal após uma denúncia anônima. O suspeito construiu um teto falso em uma Chrysler Journey, com placas de São Paulo, que logo chamou a atenção dos agentes. No  compartimento acima dos bancos estavam, segundo a Receita Federal, mais de 130 aparelhos celulares do cobiçado modelo iPhone, avaliados em 34 mil dólares. O dono, cuja identidade não foi divulgada, foi detido. Além da prisão em flagrante, prejuízos com a carga e o carro, vai responder por processos criminais e cíveis.

Sacoleiros deram lugar ao crime organizado, diz PF

“Os sacoleiros deram lugar a quadrilhas do crime organizado.” A constatação é do delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu, Rafael Rodrigues Delzan, que calcula que dois terços das apreensões sejam dos malfadados cigarros do Paraguai. Ainda segundo Rafael Delzan, nos últimos 15 anos, estas apreensões somaram 1,2 bilhão de dólares com mais de 30 mil veículos apreendidos. E pelo menos duas vezes por semana, as cargas são de armas e munições.

Entre as quadrilhas citadas, movimentam-se com desenvoltura integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do CV (Comando Vermelho). E a Polícia Federal comprova: somente no ano passado, as forças de segurança paraguaias devolveram mais de 20 membros do PCC que estavam naquele país vizinho.

Embora os sacoleiros, aparentemente, tenham diminuído o ritmo frenético de viagens, o tour pelos shoppings e barracas espalhadas por Ciudad Del Este ainda atrai pelos preços baixos. Legalmente, é possível comprar no lado paraguaio e voltar ao Brasil dentro do limite de 300 dólares. O suficiente para comprar um celular da marca Samsung de último tipo, com nota fiscal e garantia. O mesmo modelo no Brasil não sai por menos de 400 e até 500 dólares.

Caso ultrapasse a cota de 300 dólares, o Leão morde pra valer. O imposto é de 100% sobre o valor excedente. Isto é, um produto que de 400 dólares, vai pagar 200 dólares a mais, já que ultrapassou em 100 dólares.

Leia mais: [Bhaz em série]: Cigarros paraguaios – parte 1

(*) O contrabando e o comércio ilegal, especialmente de cigarros, foram os temas do seminário “A ameaça transnacional do crime organizado no Cone Sul”, realizado em Foz do Iguaçu (PR), que reuniu especialistas, autoridades em comércio internacional e jornalistas do Brasil, Argentina, Chile e Paraguai. O evento foi uma parceria entre o instituto ETCO e o Enecob (Encontro Nacional de Editores, Colunistas, Repórteres e Blogueiros). O repórter viajou a convite do evento.

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