Alunas do Campus Saúde da UFMG denunciam assédio sexual de professores e colegas

Fotos: Google Street View + Coletivo de Mulheres Alzira Reis – Saúde UFMG

“Um cara enfiou a língua forçada para dentro da minha boca”. “Ele me agarrou a força e logo me levou pra um lugar escuro do alojamento, onde abaixou a calça e começou a mandar eu fazer algumas coisas”. “Eu comentei ‘sem a roupa de bloco todo mundo é diferente né’. Ele respondeu: ‘é, eu prefiro você sem roupa’”. Relatos de assédio – moral e sexual – como esses têm sido frequentes no dia a dia do Campus Saúde da UFMG, dentro ou fora do espaço. Em sete dias, mais de 100 denúncias foram realizadas e, nesta segunda-feira (27), a diretoria da Faculdade de Medicina se reuniu para decidir como tratar o tema.

O movimento começou graças ao Coletivo de Mulheres Alzira Reis – Saúde UFMG, que lançou, na última segunda-feira, um formulário para que estudantes do Campus Saúde (Medicina, Fonoaudiologia e Superior de Tecnologia em Radiologia) pudessem denunciar assédios e abusos dentro e fora do campus. A ideia começou após o grupo receber informações envolvendo professores e colegas, especialmente dentro do ambiente da unidade de ensino. “Realizamos uma reunião e decidimos que faríamos algum tipo de intervenção na universidade e no Hospital das Clínicas”, explica ao Bhaz Luísa Pereira, membro do coletivo, ex-aluna de Medicina da UFMG e residente no Hospital das Clínicas.

“Foram confeccionados cartazes com frases de impacto e no nosso planejamento estava colocar uma urna no diretório acadêmico para que as pessoas pudessem depositar anonimamente seus relatos de situações de assédio e abuso. Mas chegou até nós uma campanha das meninas da UFLA (Universidade Federal de Lavras) bem legal usando questionários online”, afirma. “Gostamos da ideia e achamos que seria interessante usar essa forma de contato também”. Em poucos dias, o impacto: dezenas de denúncias graves.

Uma delas, por exemplo, relata um professor que fazia convites frequentes, como para conhecer o sítio dele. Em um dia, o educador levou um oxímetro para a aula e o disponibilizou para a estudante usá-lo. “‘Vamos ver se vai aumentar a frequência cardíaca?’ E começou a me acariciar no ombro e toda a extensão do braço e antebraço. Comecei a ficar desesperada, sem saber o que fazer, totalmente congelada”, relata a vítima. Em outros, fora do campus, há até mesmo a denúncia de estupro. “Só lembro de estar na fila da boate e depois acordei na cama do menino (que hoje já é formado), nua”, conta (veja o relato completo e outras denúncias abaixo).

Campanha

As denúncias são feitas através de um formulário online, de forma anônima. Desde a criação, na última segunda, mais de 100 mensagens já chegaram ao coletivo, que faz as postagens todos os dias. “Nosso planejamento é levar as denúncias aos órgãos colegiados e escuta acadêmica da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas”, afirma. Além disso, a residente afirma que as estudantes são orientadas a fazer Boletim de Ocorrência.

Hoje, a diretoria da Faculdade de Medicina da UFMG realizou uma reunião justamente para decidir como tratar essas denúncias. “Foi decidido que serão convidados para uma reunião representante do Coletivo e representantes dos diretórios acadêmicos dos três cursos de graduação (Medicina, Fonoaudiologia e Superior de Tecnologia em Radiologia), para tratar da questão, pois a Faculdade precisa ouvi-los para que possamos auxiliá-los”, diz trecho da nota divulgada pela comunicação (veja a nota na íntegra abaixo).

Impacto

“Ficamos muito surpresas com o tanto de mensagens que recebemos, não esperávamos por isso. O objetivo era falar de assédio moral, mas tomou uma proporção que não imaginávamos”, conta Carolina Portugal, membro do coletivo e estudante de medicina da UFMG, ao Bhaz.

Reprodução/Coletivo de Mulheres Alzira Reis – Saúde UFMG

O Coletivo de Mulheres Alzira Reis – Saúde UFMG trabalha com a ideia de empoderamento da mulher e, principalmente, com o ideal de sororidade feminina. “Nossas reuniões são abertas apenas para mulheres. Ao longo do ano fazemos encontros de formação sobre temas que achamos importantes. Um exemplo foi o seminário de atenção a vítima de abuso sexual que realizamos em junho”. Na prática, o coletivo funciona como uma rede de apoio às mulheres. “Estamos sempre presentes umas pelas outras, tentando nos proteger e nos dando força”, completa Luísa Pereira.

Sobre os casos envolvendo professores, a estudante Carolina Portugal explica que alguns deles, inclusive, já possuem denúncias por esse tipo de comportamento. “Como tudo é feito de forma anônima, agora tentaremos acionar as pessoas que deram seus depoimentos, fazer um acolhimento e ver quem gostaria de denunciar formalmente”, completa.

Relatos

Confira alguns relatos enviados para a página do coletivo. Nas mensagens, as mulheres denunciam os assédios em festas e no Campus Saúde, tanto de alunos, quanto professores.

No bloco cirúrgico, um anestesista para uma estudante: “Eu prefiro você sem roupa.”

“Já havia deitado para dormir ao lado do meu namorado. A festa continuava na área externa com uma parte dos presentes e eu ainda não havia adormecido quando um cara enfiou a língua forçada para dentro da minha boca.”

“Quando eu disse não DE NOVO, ele agarrou o meu pulso e começou a me puxar. Não conseguia me soltar porque ele era mais forte do que eu.”

“Eu bebi demais no pré, depois só lembro de estar na fila da boate e depois acordei na cama do menino (que hoje já é formado), nua. Por muito tempo me culpei, e culpei a bebida, mas hoje sei que ele não tinha direito nenhum sobre mim e sobre meu corpo!”

“Durante uma corrida de leito um professor disse para quem quisesse ouvir: ‘tem que fazer elas chorarem mesmo, pra ver se fica mais esperta, e se não der conta é porque não dá pra ser cirurgiã’.”

“Ele me agarrou a força e logo me levou pra um lugar escuro do alojamento, onde abaixou a calça e começou a mandar eu fazer algumas coisas.”

Nota da UFMG

Nesta manhã, a diretoria da Faculdade de Medicina, juntamente, com a seção de Escuta Acadêmica, realizou reunião cujo tema foi os comentários publicados na página do facebook do Coletivo Alzira Reis. Foi decidido que serão convidados para uma reunião representante do Coletivo e representantes dos diretórios acadêmicos dos três cursos de graduação (Medicina, Fonoaudiologia e Superior de Tecnologia em Radiologia), para tratar da questão, pois a Faculdade precisa ouvi-los para que possamos auxiliá-los. Haja vista que os comentários ainda não se tornaram denúncias formais na Escuta Acadêmica.

A Seção de Escuta Acadêmica é um setor para o atendimento dos estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG. Este setor recebe demandas relacionadas à vida acadêmica dos estudantes, além de auxiliá-los em questões pessoais que estejam afetando seu desempenho escolar, também encaminha, quando necessário, para tratamentos psicopedagógicos junto ao Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina da UFMG – Napem. Todas as demandas, inclusive denúncias formalizadas, são respondidas e/ou apuradas de acordo com as normas da Universidade.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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