Pensar os princípios: O que Elon Musk e os mestres nos ensinam sobre polarização política?

TED Conference/Flickr

Por Bernardo Guadalupe*

Já é lugar comum falar da crise como um momento de oportunidade. Mas, ainda que as oportunidades existam, sabemos o quanto é difícil encontrá-las. Gostaria, por isso, de pensar a ideia em uma outra perspectiva: a crise é o momento de nos voltarmos aos princípios.

É o que fez Elon Musk, o bilionário sul-africano por detrás da Tesla Motors e da SpaceX. Pressionado a diminuir os custos de seu projeto de retomada da conquista do espaço, ele seguiu o método que aprendeu com o filósofo grego Aristóteles: voltar aos primeiros princípios e, raciocinando a partir deles, encontrar uma solução. Ao invés de seguir o procedimento padrão de comprar de terceiros as peças de seus foguetes, Musk e sua equipe descobriram que podiam, refletindo nos princípios da engenharia espacial, fabricar essas peças por 2% do preço de mercado.

Mas, em nossa crise brasileira, a quais princípios devemos recorrer? Aos princípios que governam a prosperidade econômica e que poderiam acabar com a miséria? Aos princípios que definem uma democracia transparente, capazes de aperfeiçoar nosso sistema eleitoral? Aos princípios que regulam a Justiça, que nos salvariam da corrupção e da violência na qual estamos mergulhados?

Todos eles, certamente. Procurei, em um outro texto, recuar aos primeiros princípios da atividade política de modo a propor uma política da esperança como tentativa de alguma renovação do debate. Contudo, acredito devemos recuar ainda mais: a nossa crise é também uma crise do pensamento. A polarização política entre esquerda e direita, as soluções insatisfatórias que nos estão sendo apresentadas, as intermináveis discussões que não avançam deixam claro que as velhas respostas não nos servem mais.

Devemos voltar aos primeiros princípios da inteligência em busca de compreensão. Não poderia sistematizá-los aqui, mas gostaria de apresentar quatro deles, que, como Elon Muksk, descobri nos mestres do passado.

O primeiro aprendi com Sócrates. Na Apologia escrita por Platão, ao ser acusado de buscar um conhecimento reservado aos deuses, ele afirma que a sabedoria que cultiva é propriamente humana: ao contrário dos sofistas, que falavam com segurança sobre todos os assuntos, Sócrates sabia distinguir entre o que de fato sabia e o que não sabia. Em tempos de fake news e Facebook, com tantas certezas e poucas evidências, essa é uma lição fundamental.

O segundo princípio está em Aristóteles, na sua insistência em fazer listas dos múltiplos sentidos das palavras (o ser, ele dizia, se diz de muitos modos). Devemos saber do que estamos falando e, para isso, é necessário não apenas definirmos bem os termos, mas tomarmos consciência de que eles adquirem sentidos diferentes em diferentes contextos. Essa também é uma lição atual: em nossa vida política, o que, de fato, significam termos tão emocionalmente carregados como esquerda e direita? Mais estado ou mais mercado? Igualdade ou liberdade? Opressão ou mais mercado? O interesse do povo ou o interesse das elites? Se prestarmos atenção no modo como são empregados nas diversas situações, talvez venhamos a constatar que, em muitos casos, não estamos brigando por ideias, mas por palavras.

O terceiro princípio encontrei em Tomás de Aquino. Um dos elementos mais admiráveis de sua Suma Teológica é a sua capacidade de levar a sério a opinião do adversário e de sintetizá-la com honestidade, não para refutá-la, mas para incorporá-la em seu próprio pensamento. A realidade, em sua infinidade de nuances e aspectos, nunca poderá se reduzir a uma teoria: em muitos casos, pessoas com opiniões diferentes estão captando aspectos diferentes de uma mesma situação. Para que palavras tão desgastadas como tolerância e diálogo possam ter um efeito real em nossa sociedade, devemos aplicá-las, em primeiro lugar, a nós mesmos e ao nosso pensamento.

Por fim, o quarto princípio me foi ensinado por meu saudoso professor Marcelo Marques, que, por sua vez, o aprendeu com Platão:  pensar contra si mesmo ou, para usar a expressão de Paul Arden, tudo o que pensar, pense o contrário. Não para nos tornarmos inconstantes ou céticos, mas não nos contentarmos com a primeira coisa que vier à nossa cabeça, para refinarmos nossas ideias, torná-las mais cheias de possibilidades, mais capazes de dar conta da grandeza do real.

Essa, é, ao meu ver, a uma necessidade atual: pensar o novo, sem fugir da realidade. Para isso, não podemos deixar de retornar aos princípios.


* Bernardo Guadalupe é doutor em filosofia, professor universitário e autor do livro Rua Musas.

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