Combater a violência doméstica é a maior demanda política em Minas Gerais

Tânia Rêgo/Agência Brasil

Por Naiara Rocha

Todas as lideranças femininas com atuação nas dez macrorregiões de Minas Gerais entrevistadas pela Campanha Libertas apontaram a violência doméstica como o principal problema a ser combatido pelos(as) representantes que serão eleitos(as) neste ano. A falta de autonomia das mulheres e a baixa representatividade feminina são outras queixas frequentes no interior do Estado. Elas correspondem a 51,9% do eleitorado mineiro, e seu voto será decisivo no próximo dia 7. Os candidatos e candidatas devem estar preocupados em atender às demandas dessa parcela da população em seus planos de governo. Isso significa, ainda, estarem atentos às necessidades específicas de todos os municípios mineiros.

De acordo com a Polícia Civil, em 2017, foram registrados 459 casos de feminicídio em Minas Gerais, sendo 150 assassinatos consumados e 309 tentados. Até junho de 2018, 61 mulheres foram mortas e 126 sofreram tentativa de homicídio em crimes cometidos por cônjuges, ex-companheiros ou parentes próximos. E o sistema que enfrenta essa realidade não funciona como deveria, relatam as lideranças entrevistadas.

“Quando vai prestar a queixa na polícia, a vítima tem que se deslocar de Sabinópolis até Guanhães, mais de 20 km para fazer o registro, e ela não encontra ajuda para sair de casa”, destacou Ivonilde Salomé, liderança da Comunidade Quilombola do Torra, em Sabinópolis, na região do Rio Doce. Lá, a violência contra a mulher é tida como o maior problema, e a falta de assistência desencoraja as denúncias. Salomé abrigou por seis meses a irmã com quatro sobrinhos, depois que ela denunciou o ex-marido pela violência sofrida durante 20 anos.

Acolhimento

Minas conta com apenas 72 Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres para seus 853 municípios. Uma delas, em Varginha, atende a região do Sul de Minas. A professora Mônica Cardoso, sindicalista e integrante do coletivo Feminismo Popular de Varginha, conta que a cidade possui algumas estruturas como a OAB Mulher, mas que tais espaços ainda não são funcionais na hora de acolher a vítima. “Elas têm um atendimento precário e acabam sendo mais expostas”, disse. Segundo o relato, uma mulher que sofre um estupro e vai fazer uma denúncia na cidade nem sempre encontra sensibilidade no atendimento e acompanhamento posterior.

“É tudo muito burocrático, passa por várias instâncias até surtir algum resultado, e muitas vezes não acontece nada”, relatou Mônica. A falta de casas de apoio e acolhimento a estas vítimas também é uma reclamação constante entre as lideranças. “Sinto uma carência muito grande de um projeto para tirá-las da dependência financeira do marido”, avaliou.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Autonomia

Se existe a invisibilidade das mulheres na área urbana, no campo a situação é ainda pior. É preciso incentivar a formação e a conquista da autonomia da mulher na roça, indica a agricultora quilombola e coordenadora geral da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF-MG), Lucimar Martins. Segundo ela, que atua em Simonésia, na Zona da Mata mineira, muitas mulheres trabalham o ano todo, têm o produto vendido e, no fim, quem administra o dinheiro são os homens. “Não é passado para ela quanto o produto rendeu, e ela não participa das decisões sobre onde investir o dinheiro”, explicou.

Em Montes Claros, Norte de Minas, investimentos em profissionalização, saúde e educação são vistos como prioritários para Josiane Palma, responsável pela Associação Raiz de Davi, casa que oferece auxílio e cursos para mulheres vítimas de violência doméstica. Ela enfatiza a necessidade de oferecer uma estrutura para que as mulheres possam manter sua independência. “Onde estão as creches para que elas possam deixar os filhos enquanto trabalham?”, questionou.

O desemprego também é um fator que deve ser encarado nestas eleições sob a perspectiva de gênero. Para Bernardete Monteiro, da Marcha Mundial das Mulheres, com atuação na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nos últimos dois anos as mulheres têm sido as mais prejudicadas com as reformas trabalhistas e a PEC 241, que determinou o congelamento de gastos, incluindo saúde e educação. “Se você tem redução de vagas em UMEIs para uma faixa etária de crianças, quem vai ter que sair do trabalho para que as crianças não fiquem sozinhas são as mães”, exemplificou.

Lucimar Martins (Reprodução/Facebook)

Representatividade

Na região de Unaí, no Noroeste de Minas, existem poucas lideranças mulheres, que ainda são subjugadas e não têm autonomia para deliberarem porque dependem do crivo de homens. A afirmação é da professora Mirtes de Paula, diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas (Sind-UTE/MG) e articuladora do coletivo Quem Luta Educa. “A relação com o masculino está muito presente entre mulheres que ocupam cargos eletivos. Elas são filhas do ex-prefeito, do pastor, esposas ou irmãs de homens com tradição na política”. É justamente a falta de representatividade, opinou Mirtes, que faz com que não exista uma política que contemple amplamente a mulher nos municípios. “A (política para) saúde da mulher está limitada a um pré-natal ou a questões gestacionais”.

Nesse cenário, muitas mulheres abandonam espaços de luta por serem alvos de violência psicológica, lembrou Catarina Laborê, ativista e militante negra há mais de 20 anos, também diretora sindical no Sind-UTE/MG. “Ocorrem muitas suposições, ofensas e piadinhas, principalmente quando é uma mulher na liderança. Elas acabam ficando sem saída e quanto mais respondem, maior é a pressão que sofrem”, disse Catarina.

Catarina Laborê (Arquivo pessoal)

Na região do Triângulo mineiro, a carência de representatividade feminina na política também foi destacada por Dandara Tomazin, integrante do Conselho Nacional de Igualdade Racial e do coletivo de Juventude Negra Enegrecer, em Uberlândia. A relação de conservadorismo que os coronéis implantaram em Minas Gerais é intensificada no interior, e isso, aliado ao machismo, considera Dandara, coloca os corpos femininos em um lugar mais vulnerável. “Precisamos votar e eleger mulheres negras e do interior, não dá para ficar concentrada só na capital”, comentou ela.

Quando se trata de questões políticas, a mulher ainda é muito subjugada pela sociedade. Esta é a opinião da atual vereadora Béia Savassi, que foi primeira mulher eleita prefeita de Patos de Minas, na região do Alto-Paranaíba. Na Câmara da cidade, dos 17 vereadores, apenas três são mulheres. Para ela, a capacidade feminina nos espaços de poder é questionada por preconceito, e, para mudar esse quadro, a mulher precisa acreditar na sua força e no seu potencial, em primeiro lugar. “A partir daí, ela poderá alcançar grandes projetos e atuar diretamente na política, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária”, enfatizou.

Béia Savassi em inauguração do seu quadro na Prefeitura de Patos de Minas (Reprodução/Facebook)

No poder, ainda sem força

Liderança no Jequitinhonha e Mucuri, Ângela Freire atua no Grupo de Mulheres do município de Araçuaí. Para ela, os conselhos municipais de mulheres não conseguem atingir uma estrutura efetiva e ficam no trâmite só de se reunir. Com isso, “as ferramentas em defesa da mulher e de prevenção da violência acabam sendo inexistentes”. Um exemplo, cita ngela, é o Ônibus Lilás, que deveria atender as mulheres de baixa renda, periférica e rural da região, mas não circula por falta de gasolina ou de motorista.

A escolha de representantes preocupadas com a promoção de igualdade de gênero e a aplicação das políticas públicas voltadas para as mulheres já se mostra essencial. Porém, isso não basta para alcançar uma participação feminina produtiva em todo o Estado. Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), da UFMG, lembra que as cidades do interior estão muito afastadas dos debates feministas, e os homens são quase nunca atentos e interessados nessas agendas.

Um bom começo para fortalecer a rede feminina no Estado é a criação de Conselhos Municipais de Mulheres, avalia Marlise, mencionando a experiência positiva do Nepem no Vale do Jequitinhonha, onde as questões das mulheres despertaram a mobilização nesses conselhos constituídos pela sociedade civil e ligados ao governo. “É uma estratégia para dar o start necessário para que as agendas de políticas de gênero sejam implantadas também no interior”, indicou Marlise.

Serviço

O acolhimento de mulheres em situação de violência em Minas Gerais é realizado por diferentes agentes da rede de enfrentamento, alguns sob responsabilidade dos municípios e outros do terceiro setor. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, sob responsabilidade do governo estadual, além das delegacias e dos hospitais, há o Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher em situação de Violência (CERNA), na região metropolitana de Belo Horizonte.

Campanha Libertas[email protected]

Somos um coletivo de mulheres jornalistas de Minas que já trabalharam em redações de grandes jornais de BH e em assessorias de imprensa. A Campanha Libertas – Por mais mulheres na política surgiu para fazer uma cobertura jornalística independente sobre as eleições de 2018 com foco nas mulheres.

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