Fenômeno: Como as redes sociais e o cenário político fértil ajudaram a eleger Bolsonaro e Zema

Tania Rêgo/Agência Brasil e Henrique Coelho/Bhaz

Jair Messias Bolsonaro (PSL), o 38º presidente do Brasil, quebrou paradigmas de campanha eleitoral no país. Ele liderou não só a disputa à presidência nas urnas, como também as interações nas redes sociais. Para se ter ideia, entre 30 de setembro e 30 de outubro, período em que houve a disputa dos dois turnos, o presidente eleito fez 253 postagens em sua página no Facebook e movimentou cerca de 50 milhões de interações.

Seu adversário derrotado no segundo turno Fernando Haddad (PT), no mesmo período, fez 542 postagens e movimentou 26 milhões de interações. Os dados são da plataforma CrowndTangle que faz o monitoramento de redes sociais. O critério de interações é medido pelo número de reações, comentários e compartilhamentos.

Com pouco tempo de rádio e televisão e em um partido pequeno como o Partido Social Liberal. Bolsonaro conseguiu desbancar partidos e políticos tradicionais tendo ao seu lado uma forte militância e também as redes sociais, por onde o presidente fez quase que toda sua campanha.

Cenário onde Jair Bolsonaro fez suas transmissões ao vivo no Facebook. (Divulgação/Flickr Família Bolsonaro)

E os efeitos não refletiram apenas na eleição de Bolsonaro, mas também em seu partido, que atualmente ocupa oito cadeiras na Câmara dos Deputados, mas que, a partir de janeiro, contará com 52 representantes, um aumento de seis vezes.

Influência nas eleições

Afinal, o que isso significa em dados? Qual o efeito real de Jair Bolsonaro na web e como isso influenciou em sua eleição e no modelo de campanhas eleitorais no Brasil? O Bhaz conversou com especialistas para repercutir o tema.

“Bolsonaro não ganhou as eleições por causa da internet, mas, se não houvesse a internet ele não teria ganhado a eleição. Claro que há outros contextos que impulsionaram sua candidatura, como a descrença nas instituições democráticas, na imprensa tradicional e na classe política. Além disso, houve também condutas irresponsáveis dos poderes, principalmente na condução da Lava Jato, que abriram o caminho para um líder populistas, no caso o Bolsonaro”, afirma o professor e pesquisador do departamento de Comunicação Social da UFMG, Camilo Aggio.

Campanha nas redes

O gráfico acima mostra a interação de Bolsonaro e Fernando Haddad nos últimos seis meses. Repare que o futuro presidente vinha oscilando no número de interações, assim com Haddad. O então candidato do PSL tinha alguns picos de interações, mas nada relevante até a semana em que sofreu o atentado em Juiz de Fora, no dia 6 de setembro.

Do pico em diante, as interações de Bolsonaro sofrem uma queda devido à ausência do candidato nas redes e voltam ao pico máximo, na semana em que Jair Bolsonaro se ausenta dos debates e passa a conversar com seus leitores fazendo transmissões ao vivo no Facebook. É também neste período que o candidato atinge 7 milhões de seguidores em sua página.

O número de curtidas também cresceu para Jair Bolsonaro durante o período analisado. O início da crescente começa com a entrevista do candidato ao Jornal Nacional, no dia 26 de agosto. Logo após, a segunda subida nas curtidas e que culmina em um aumento ascendente é, novamente, o atentado sofrido pelo candidato.

“Os efeitos Jair Bolsonaro já eram destacados antes do período eleitoral. Enquanto os partidos tradicionais estavam esperando a campanha iniciar, para Jair perder força, não havia a menor possibilidade de isso acontecer, pois, há mais de dois anos, Bolsonaro já estava se comunicando com seu eleitorado, cultivando e dialogando. Com Lula fora do páreo, já era possível prever que ele teria chances de se tornar presidente”, diz o pesquisador.

Ele acrescenta que muitos apostavam que o início da campanha eleitoral, principalmente na rádio e TV, seria capaz de tirar a força do candidato. “Enquanto analistas políticas impunham o anacronismo, esperando o passado acontecer, Bolsonaro já estava acontecendo no presente. Uma campanha eleitoral com calendário reduzido não seria capaz de retirar o que construído em dois por ele”, ressalta Camilo Aggio.

Segundo ele, o presidente eleito quebrou paradigmas tradicionais da política. “Mudou tudo. Um candidato que não teve tempo, coligação, verba, não tinha visibilidade midiática, polêmico, o que é negativo tinha todas as variáveis tradicionais, mas que caíram por terra nesta eleição. Por exemplo, Bolsonaro liderava as pesquisas no Acre, onde ele não teve nenhuma ação prioritária como deputado. Tudo isso por conta das redes sociais” diz.

Buscas por notícias

Além das redes sociais, Jair Bolsonaro também obteve muitas buscas no Google no mesmo período – entre o dia 30 de novembro e o dia 30 de outubro. O gráfico abaixo mostra o interesse na busca pelos candidatos na plataforma de pesquisas.

Jair Bolsonaro (Roxo)

Fernando Haddad (Vermelho)

Fonte: Google Trends

Entre os termos mais associados a Bolsonaro são projetos e notícias. Como mostrado abaixo.

Fonte: Google Trends

 

Fake News

No dia 18 de outubro, uma reportagem do jornal Folha de São Paulo denunciou que empresas estariam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT).

De acordo com a denúncia, os contratos chegaram a R$ 12 milhões e a empresa Havan, que declarou apoio ao candidato do PSL, estaria entre as compradoras.

Para o cientista político e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, Carlos Ranulfo, a quantidade de notícias falsas que circularam nas redes sociais mostra que é preciso cautela com o meio digital.

“Temos que encarar as mídias sem aquele oba-oba, levando em consideração todos os aspectos positivos e negativos. São meios de difícil controle e, com isso, Bolsonaro mentiu o quanto quis. Mas isso só será analisado no futuro. De fato, é preciso um cuidado maior”, afirma.

TSE proibiu candidato de usar o “Kit Gay” em sua campanha por se tratar de uma notícia falsa Reprodução/Youtube

Já Camilo Aggio acredita que houve uma inércia por parte da Justiça Eleitoral. “Se mostraram inaptos para realizar esse controle das notícias falsas, principalmente pelo Whatsapp. Houve um desinteresse, principalmente por falta de conhecimento específico e de senso de realidade. Vários especialistas alertavam para controle de veiculação desses conteúdos e não foram convocados para ajudar a construir uma solução para isso. A Justiça Eleitoral não fez nada”, afirma.

Entretanto o pesquisador, não é certeiro ao dizer que as notícias influenciaram no voto dos eleitoras. “O feito da comunicação não pode levar o outro como abstrato, o que teria feito como mensagem deste tipo, afinal, as pessoas têm repertório. Uma pessoa que compartilha que Lulinha é filho da Friboi é mentira, qual vai ser a reação dela? Você se apega a uma mensagem, se vincula a outra e mantém sua posição dogmaticamente, fanática e irracional, do que uma ideia de uma entrega muito ingênua, não sei se o resultado seria outro sem essas fake news“, argumenta.

O fenômeno Romeu Zema

Quem também surfou na onda digital foi o governador eleito em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Entre os dias 30 de setembro e 30 de outubro, o então candidato fez 285 postagens, com 893 mil interações, à frente de Antonio Anastasia (PSDB), com quem disputou o segundo turno. No mesmo período, o tucano fez 294 postagens e obteve 761 mil interações.

Em comparação com Anastasia, do PSDB, Zema chegou a ter menos interações em alguns períodos, mas, em um período de três meses, ele lidera com um milhão e 13 mil interações, enquanto o tucano tem um milhão e 12 mil interações.

Entretanto, Camilo Aggio explica que a ação de Zema nas redes não pode ser considerada no mesmo patamar de Bolsonaro. “O Zema conseguiu se associar ao Bolsonaro, que se tornou um puxador de votos. Por isso, ele virou um sucesso eleitoral, assim como o crescimento da bancada do PSL na Câmara e o João Dória (PSDB), em São Paulo. Sendo assim, sua rede social não está no mesmo patamar de eficiência”, diz.

A associação à qual Camilo se refere é o fato de Romeu Zema ter pedido voto ao candidato à presidência do PSL durante o debate da Rede Globo, único que participou, em 4 de outubro. Inclusive, as buscas no Google por Romeu Zema cresceram a partir desta data, como mostra o gráfico abaixo.

Cenário fértil

Camilo pontua que, além dos trabalhos digitais, os candidatos encontraram um cenário que os permitiu alcançar a eleição. “Há no Brasil um altíssimo nível de rejeição quanto a velhos nomes da política. Zema encontrou-se em meio a uma disputa com um ex-governador associado a Aécio Neves e o atual governador, Fernando Pimentel (PT) que fez uma gestão muito criticada”, ressalta.

Segundo o pesquisador, os elementos fizeram com que, até de maneira inesperada, Zema chegasse ao governo. “Ele não sabe exatamente o que fez, mas virou um governador acidental, nem o próprio partido esperava a virada nas sondagens de opinião. Ele estava em terceiro nas pesquisas e terminou liderando.”

Para especialista, adversários de Zema estavam desgastados politicamente. (Hugo Cordeiro/Antonio Anastasia + Fernando Pimentel/Divulgação + Romeu Zema/Divulgação).

Já o cientista político Carlos Ranulfo explica que além da força na internet, Jair Bolsonaro também encontrou um cenário fértil na política que impulsionou sua eleição.

“A crise política que entramos desde 2013 acabou resultando em um processo de criminalização da política, diante do discurso de combate à corrupção. Ou seja, fazer coalizão política virou malandragem, negociação, virou um toma lá da cá. Sendo assim, qualquer ato normal da democracia virou um pecado. Há uma incompreensão do que seja política e, com isso, surgem soluções simples para problemas complexos, o que geralmente dá errado”, explica o professor.

Primeira fala de Bolsonaro depois de eleito presidente do Brasil (Reprodução/Facebook)

Ele cita ainda o exemplo da Venezuela, país que enfrenta uma grave crise, para exemplificar a ascensão do presidente eleito.  “Bolsonaro fala da Venezuela, mas ele tem o perfil de Hugo Chávez, pois quando o país entrou em crise, ele usou o fato de ser maioria para constranger as pessoas e as constituições. Assim como o Bolsonaro fez aqui, atacando eleitores contrários, o STF, o STE etc. Exatamente como Chávez na Venezuela”, afirma.

“A diferença é que, na Venezuela, o problema veio da esquerda e deu errado. No Brasil, a ascensão foi da extrema direita. Com isso, houve uma renovação na política para pior, pois elegemos políticos despreparados para alguns cargos e, principalmente, um presidente autoritário. A democracia entrou em uma fase de instabilidade, com conflitos se acirrando”, acrescenta.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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