Chuvas, enchentes e mortes: obras em Venda Nova precisam corrigir falta de planejamento da região

Bacias de contenção de cheias não foram suficientes para conter a catástrofe (Henrique Coelho/BHAZ + Web)

“Enchente é um fenômeno natural e não vai acabar.” O comentário diz respeito à última enchente na avenida Vilarinho, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, ocorrida em 15 de novembro e que culminou na morte de quatro pessoas. O fenômeno deixou a população da região em alerta e também o prefeito da capital, Alexandre Kalil (PHS).

Na noite desta quinta-feira (6), novos sustos na capital: uma tempestade prevista para volume de 20mm registrou 59mm na região Oeste e 47,6mm na Leste, as mais atingidas, provocando quedas de árvores e alagamentos, e uma morte na avenida Nossa Senhora do Carmo, no bairro Sion, Centro-Sul da capital.

Por volta das 21h30, a Defesa Civil emitiu 10 alertas de risco de transbordamento de córregos na cidade, sendo seis na região de Venda Nova. Os córregos Ferrugem e Arrudas chegaram a transbordar.

Poucos dias após a tragédia de 15 de novembro, o chefe do Executivo municipal criou, por meio do Decreto 17.016, um comitê com o objetivo de coordenar as medidas de emergência pelos danos causados pela intensa chuva que atingiu em cheio Venda Nova, com foco especial na avenida Vilarinho.  As obras vão começar em 2019, mas, antes mesmo de saírem do papel, já estão sendo questionadas.

Avenida Vilarinho ficou alagada durante chuva forte no mês de novembro (WhatsApp/Reprodução)

O geógrafo e pesquisador, Alessandro Borsagli, autor do livro Rios invisíveis da metrópole mineira, é o autor da frase que abre esta reportagem. Ele explica que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) deve propor o aumento da galeria que aporta o Córrego Vilarinho, mas isso não deve resolver o problema da região, que há anos registra enchentes.

“As obras que a PBH deve propor vai jogar o problema para frente, levando as enchentes para a região do Isidoro, Xodó Marize, Granja Werneck e outros bairros à frente do local. A solução para problemas como o da Vilarinho leva mais de uma gestão para ser resolvido, algo em torno de cinco a 10 anos. Mas, infelizmente, em Belo Horizonte água é usada para fazer política, um plano de seis meses não vai solucionar um problema que se arrasta há anos”, afirma Borsagli.

Quem também alerta para o risco do projeto empurrar o problema para outra região é o professor da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em engenharia hidráulica e recursos hídricos, Nilo Nascimento. “Como temos uma situação de risco elevado no local, soluções difusas não vão ser suficientes para tratar o problema. Como a bacia hidrográfica da região já está bastante ocupada pela população, é preciso um esforço para encontrar soluções estruturais para tratar esse risco elevado do local. É possível encontrar alternativas, mesmo que elas apresentem um alto custo”, diz.

Bacias de Contenção

As bacias são feitas para conter as enchentes dos córregos (Henrique Coelho/BHAZ)

O volume dos rios aumenta em dias de chuva incontrolavelmente. Em dias de tempestade mais intensa é normal até que as enchentes ocupem as várzeas – os terrenos ao redor do leito dos rios. Tudo isso parece um processo natural, não é? E é exatamente o que acontece na região da avenida Vilarinho; o grande problema é que parte dos bairros de Venda Nova está situada dentro das bacias hidrográficas.

Segundo a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, esta região está inserida na bacia hidrográfica do Ribeirão Isidoro. Por isso, existem as bacias de contenção de cheias no local para evitar problemas como as enchentes recorrentes na avenida Vilarinho.

  • Bacia de contenção Vilarinho, com capacidade para armazenamento de 60 milhões de litros de água;
  • Bacia de contenção Liége, que consegue conter 30 milhões de litros;
  • Várzea da Palma , duas bacias que armazenam juntas 100 milhões de litros;
  • Lagoa do Parque do Nado que armazena 65 milhões de litros.

As bacias de controle de cheias têm a função de evitar que a água da chuva escoe diretamente para as redes de microdrenagem locais, evitando assim alagamentos e transbordos devido à insuficiência e vazão nos sistemas de drenagem. Entretanto, os últimos acontecimentos na região demonstram que o sistema não tem funcionado.

Bacia de contenção Vilarinho

As principais bacias da região estão localizadas nas avenidas Vilarinho e Liége. Juntas, elas deveriam segurar 90 milhões de litros de água e deveriam conter o problema das enchentes na avenida principal do bairro. Porém, o que se vê é que o sistema é frágil. O BHAZ esteve no local e conversou com moradores que observam de perto o comportamento das bacias de contenção.

Bacia de contenção de cheias da avenida Vilarinho (Henrique Coelho/BHAZ)

Na avenida Vilarinho, a bacia está localizada na altura do bairro Mantiqueira, onde há o encontro dos córregos Brejo do Quaresma e Vilarinho. Segundo Maria Aparecida Ferreira, de 45 anos, que mora há 30 ao lado da bacia, sempre há acúmulo de água no local, mas poucas vezes ela viu a bacia cheia no máximo de sua capacidade.

“Sempre que chove, aqui enche. No dia em que houve enchente na Vilarinho, a água subiu aqui, mas não chegou ao máximo”, explica a moradora. Ainda de acordo com Maria, a prefeitura começou a comparecer no local constantemente para realizar manutenções.

“Não tem nem seis meses, começaram a mexer aqui. Sempre aparecem dizendo que vão fazer obras, que vão canalizar o córrego e nada acontece. Essa região fica imunda e com um terrível mau cheiro, as pessoas jogam lixo também”, ressalta a moradora.

O geógrafo Alessandro Borsagli explica que as bacias podem estar mal colocadas. “O posicionamento das bacias pode afetar o funcionamento do sistema de contenção. Elas estão em locais que não ajudam muito a contenção devido à distância do ponto onde há a concentração da impermeabilidade e as constantes enchentes”, afirma.

Bacia de contenção Liége

Moradores reclamam que bacia da avenida Liége esvazia-se rapidamente (Henrique Coelho/BHAZ)

Já na bacia de contenção da avenida Liége, a reclamação é relacionada ao tempo de escoamento da água. “Quando chove forte, aquela bacia enche, mas pouco tempo depois, a água vai toda embora. É uma questão de poucos minutos. Eles precisam melhorar o nível da enchente ali, pois a água passa toda. Aí, quando a chuva é muito forte, a bacia de contenção não enche toda, porque o fluxo de água abaixa muito rápido”, conta Mario Peres, de 86, que mora próximo da bacia.

Para Alessandro Borsagli, o esvaziamento rápido da bacia pode indicar problemas na contenção. “A prefeitura precisa verificar essa situação. Pois é necessário que a bacia contenha a água por mais tempo para evitar que ela sobrecarregue a galeria”, sugere.

O professor Nilo Nascimento considera que há outros elementos que, somados ao mau funcionamento das bacias, tornam a região mais suscetível às enchentes. “Temos que olhar para o conjunto como um todo. O efeito da progressiva ocupação do solo no local causa processos de impermeabilização. Com isso, a mudança de resposta das bacias de contenção às ocorrências de chuvas fortes está trazendo um volume de água maior e um tempo de resposta menor. Isso, se combinado, com uma ocupação de áreas de risco, como ocorre em muitos pontos da cidade, causa catástrofes como a que vimos”, ressalta.

Adensamento na região

A secretária municipal de Políticas Urbanas, Maria Caldas, diz que a região da Vilarinho é uma “receita bombástica e perfeita para as calamidades, principalmente, considerando as mudanças climáticas”.

“É uma região com tendência de alagamentos, onde a ocupação é feita dentro da área de inundação. Quando chove, a água não consegue infiltrar no solo, pois ele está impermeabilizado, portanto ela escorrega para o fundo do vale. Então, aquela bacia é mortífera, choveu forte, não dá tempo da água ser absorvida, ela acumula e inunda. É uma coisa simples da engenharia”, diz.

(Reprodução/StreetView)
  • Verde: Região onde o córrego Vilarinho está canalizado
  • Azul: Local onde o rio segue em leito natural
  • Vermelho: Região de constantes alagamentos, onde três pessoas morreram na última enchente de 15 de novembro

Para Maria Caldas, faltou estrutura na região. “Se tivesse um bom planejamento, aquela área não estaria ocupada naquela área na faixa de inundação, ou o problema de drenagem teria sido resolvido. O que acontece é que a engenharia, há muito tempo, não projeta a infraestrutura pública para uma chuva comum. A ‘chuva de 100 anos’, aquela torrencial, agora, se tornou algo corriqueiro. E, infelizmente, nós vamos ver esses episódios com mais frequência”, afirma a secretária.

O especialista Adriano Borsagli acrescenta à fala de Maria o fato de as obras da região terem prejudicado ainda mais o risco na área. “Converso com moradores de lá e todos dizem que as enchentes pioraram depois das obras do canal da Vilarinho. Isso se deve ao aumento da massa hidráulica que passa pela galeria. A inundação é natural, é apenas o rio tomando o espaço que é dele”, avalia.

A secretária concorda no aspecto quanto a canalização do rio. “Ela foi projetada para um volume de chuva que mudou. E isso tenderá, à medida que a cidade cresce, a termos, cada vez menos, lugares para a água infiltrar. E isso causa sérios problemas de drenagem.”

[twenty20 img1=”459799″ img2=”459807″ offset=”0.5″ before=”1982″ after=”2018″ hover=”true”] Imagem mostra a mudança de aspecto no córrego Vilarinho (APCBH acervo Sudecap/StreetView)

Maria Caldas ressalta ainda que o novo Plano Diretor de Belo Horizonte traz projetos para conter o problema. “Precisamos manter a área de ocupação permeável e não ocupada, garantindo a absorção das chuvas pelo solo e respeitando os córregos que não estão canalizados. A urbanização não pode entrar na faixa de inundação de córrego”, afirma.

Prefeitura garante obras

A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi), disse que as bacias não conseguiram conter as enchentes por conta da magnitude das chuvas ocorridas durante o período.

“Foram registrados nos sensores da PBH dados pluviométricos superiores a 103,8mm em um dia, quando a média para o período do mês de novembro é de 239,8 mm. Foi declarada a existência de situação anormal provocada por desastres e caracterizada como Situação de Emergência. Neste momento, estão em análise as possíveis alternativas técnicas para solucionar os problemas de inundações na região”, diz em nota a Smobi.

O especialista em engenharia hidráulica e professor da UFMG Nilo Nascimento sugere obras subterrâneas no local

Os especialistas sugerem obras para o local. Para Nilo Nascimento, alternativas para a região devem trazer um alto custo para a prefeitura. “Como o espaço já está construído, algumas vezes é preciso optar por bacias subterrâneas. É possível adotar outras soluções, mas elas serão subterrâneas e custarão caro. Os cursos d’água já estão canalizados e há insuficiência nessas estruturas. Por isso, é preciso rever essas obras com cuidado para não transferir o problema para outro local”, sugere o professor da UFMG.

Segundo a PBH, há também a previsão para o mês de janeiro de 2019 de ordem de serviço para iniciar a obra da bacia do Córrego do Nado – sub-bacia do córrego Lareira e sub-bacia do Córrego Marimbondo, na região de Venda Nova.

“A intervenção prevê, entre outras coisas,  a construção de duas bacias de controle de detenção de cheias em concreto no trecho entre ruas Hye Ribeiro e Elce Ribeiro; demolições de edificação que foram desapropriadas e construção ao longo dos trechos de obras para implantar a faixa de preservação dos cursos d’água. Também está prevista a construção de galerias e de canais em concreto armado; implantação de rede de drenagem nas ruas Hyé Ribeiro, Augusto Franco, Expedicionário Américo Fernandes e Bernardino Oliveira Pena”, diz a prefeitura.

O órgão garante que “ao regular as cheias destes córregos, reduz-se a vazão do Córrego do Nado, contribuindo para a melhoria do sistema de drenagem Nado/Vilarinho/Isidoro”.

Kalil anuncia investimento de R$ 320 milhões

Nessa quinta-feira (6), o prefeito Alexandre Kalil (PHS) anunciou, ao lado do ministro das cidades, Alexandre Baldy, o investimento de R$ 320 milhões para capital. O dinheiro será destinado para obras de infraestrutura na cidade, saneamento básico e ampliação da coleta seletiva.

O ministro esteve em Belo Horizonte para adiantar uma fatia de R$ 90 milhões à capital. Deste valor, R$ 30 milhões serão destinados à ampliação da coleta seletiva na cidade, com construções de centrais de reciclagem, pontos de coleta e outros investimentos na área.

A outra parte, de R$ 60 milhões, será utilizada em obras na região do bairro Bom Sucesso, na região do Barreiro. Desta quantia, a fatia de R$ 20,2 milhões será utilizada em obras de saneamento e regularização do córrego Bom Sucesso, na rua Marselhesa. Além disso, os outros R$ 39,8 milhões serão destinados à construção de uma bacia de contenção de cheias no bairro das Indústrias.

A segunda parte do dinheiro, os R$ 230 milhões, serão entregues na próxima semana. A segunda fatia do dinheiro será utilizada em obras de contenção de chuvas na região do bairro Cachoeirinha, na região Nordeste da capital, onde a avenida Bernardo Vasconcelos tem problemas com alagamentos.

Região sofre com constantes alagamentos (BMMG/Divulgação)

O ministro das cidades disse que o repasse está garantido. “Belo Horizonte cumpriu com todos os requisitos licitatórios e de ajustes de contas necessários para a liberação deste recurso. E também houve celeridade no processo de documentações e licenças. Portanto, este recurso está assegurado e será anunciado na terça ou, no mais tardar, quarta-feira que vem”, garantiu o ministro.

Obras na Vilarinho

O prefeito Alexandre Kalil disse que a prefeitura tem levantado investimentos e projetos para o problema da avenida Vilarinho, em Venda Nova. Segundo ele, o projeto deve ser apresentado em breve. “Este investimento ainda não é destinado para a Vilarinho. Na próxima semana, nós vamos nos reunir novamente e apresentar um escopo do que está sendo feito naquela região”, ressaltou.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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