SLAM: Poesia marginal ‘pop’ e o protagonismo das minorias em alto e bom tom

Beth Freitas/Divulgação

O círculo se fecha, pessoas se agitam e confortam-se em seus lugares para assistir ao combate. Chamados pelo mediador, os participantes se preparam para encarar o público e os concorrentes. O que parece ser uma disputa qualquer de alguma modalidade esportiva é, na verdade, a dinâmica da maioria das disputas de poesia falada, ou Slam, como são conhecidas.

“O Slam é a celebração da poesia falada. Ele é uma competição, mas a gente prima sempre pela celebração”, conta Rogério Coelho, um dos responsáveis pelo primeiro Slam de Minas Gerais, o Clube da Luta. Coelho conta que sua relação com o Slam começou em 2008 após uma viagem a saraus e clubes de Slam em São Paulo. “A partir daí nasceu o desejo de ter eventos de poesia marginal em Belo Horizonte e nasceram o coletivo Coletivoz e o Slam Clube da Luta”, conta o slammaster, como é chamado quem media as competições de poesia.

Rogerio Coelho, criador do Slam Clube da Luta (Beth Freitas/Divulgação)

Durante as batalhas, os poetas – ou slammers -, devem recitar um trabalho original de no máximo 3 minutos. “O poeta pode cantar, interpretar e intervir, mas sem usar qualquer objeto cênico. No final, as performances são julgadas por membros selecionados pela platéia”, explica Rogério.

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Em Minas, são 22 grupos ou comunidades de Slam. Além de Belo Horizonte, existem grupos em Ibirité e Vespasiano, na Grande BH; Conselheiro Lafaiete e Itabira, na região Central; Timóteo, no Vale do Aço; Juiz de Fora e Viçosa, na Zona da Mata; e Uberaba, no Triângulo Mineiro.

Questionado sobre o cenário do movimento no país, Rogério lamenta o fato de não ter tanto incentivo do poder público. “O Slam é um movimento muito potente, que depende de muita força, mas ainda sem incentivo público, tanto que a palavra ‘Slam’ ainda não está nos editais. Então a gente conta com os incentivos patrocinados de instituições como Sesc e Itau Cultural”.

Campeonatos

Slammers no campeonato estadual de 2017 (Beth Freitas/Divulgação)

De acordo com Rogério, hoje em dia existem os campeonatos estaduais, nacionais e o mundial. Do campeonato estadual deste ano, do qual foi organizador, foram classificadas para a edição nacional as slammers mineiras Piêta Souza e Gislaine Reis. O evento acontece esta semana em São Paulo e termina neste domingo (16).

Ao BHAZ, Gislaine Reis conta que começou a escrever poesia e a recitar em sarais ainda este ano, por incentivo de amigos do coletivo Terra Firme e do Slam Trincheira, de BH. “Resolvi disputar no Slam das Manas e fui classificada logo de primeira, o que me surpreendeu, mas continuei seguindo”, relembra.

Gislaine na final do campeonato estadual deste ano (Beth Freitas/Divulgação)

Sobre o que costuma dizer em suas poesias, Gislaine explica que busca expressar o que sente ou o que ela vê em seu entorno. “Eu escrevo muito sobre o que me incomoda na sociedade, seja o abuso da polícia, o sofrimento da mulher preta, seja a desorganização cristã. No estadual, por exemplo, falei sobre o meu medo das eleições”.

Gislaine ainda conta que o que a seduziu para o Slam é a forma como é possível ver a reação das pessoas e a visibilidade que o Slam tem. “Muita gente não bota fé quando me vê num primeiro momento. Mas quando eu trago uma poesia, com uma crítica, com uma metáfora, em uma construção muito bem pensada, as pessoas param pra me ouvir e começam a se questionar. Então essa é a ideia, sair da invisibilidade, pra que as pessoas comecem a ouvir a mensagem que você está trazendo”, finaliza.

Esporte?

Beth Freitas/Divulgação

Poeta e um dos fundadores do coletivo Coletivoz, Dione Machado diz que o Slam se assemelha sim a uma prática esportiva, mas apesar de ser uma competição, a essência do Slam não é vencer o outro competidor e sim apresentar um trabalho de qualidade, capaz de inspirar o outro. “O Rogério sempre diz que o mais importante não é o fato de você disputar com as pessoas, mas sim disputar com você mesmo, sempre melhorando e continuando mais ativo com a poesia”, diz.

Dione relembra que, nas competições, não importa se você está torcendo para alguém, ou se você mesmo está participando. No final, todos se sentem impactados pelas poesias e pelo sentimento de identificação. “É a poesia que sempre ganha”, conclui.

Histórico

Slam é uma expressão inglesa cujo significado se assemelha ao som de uma “batida” de porta ou janela, “algo próximo do nosso ‘pá!’”, explica Cynthia Agra de Brito Neves, em artigo publicado na revista Linha D’Água, da Universidade de São Paulo (USP).

Foi idealizado nos anos 80, em Chicago, Estados Unidos, por Marc Kelly Smith, um trabalhador da construção civil e poeta. Sua ideia trouxe uma renovação para os maçantes encontros de leitura de poesia, popularizando-se rapidamente pelo país e logo se propagando por todo o mundo. No Brasil, os campeonatos de Slam foram introduzidos por Roberta Estrela D’Alva. Além de atriz, Roberta é diretora, ativista, pesquisadora e slammer (poetisa), sendo a única brasileira a participar da Copa do Mundo de Poesia Slam 2011, em Paris.

Em entrevista ao BHAZ, Roberta diz que a primeira vez que ouviu falar sobre “Sam” foi quando assistiu o filme “Slam” com o slammer Saul Williams e ao documentário “Slam Nation”. “Dei uma procurada por aqui, e vi que ainda não tinha ninguém fazendo slams no Brasil. Fiquei sabendo de vários saraus, de várias iniciativas legais envolvendo poesia, mas continuei não encontrando nenhum slam”.

Roberta Estra D’alva, precursora do Slam no Brasil (Sérgio Silva/ Núcleo Bartolomeu de Depoimentos)

A atriz conta que em uma viagem a Nova York em 2007, teve a oportunidade de conhecer um Slam ao vivo e em cores, no Nuyorican Poets Café e no Bowery Poetry Club, dois dos mais tradicionais clubes de poesia (e de Slam) da cidade. “Fiquei com muita vontade de fazer um Slam no Brasil, e um ano depois, eis que inauguramos a Zona Autônoma da Palavra ( ZAP). Logo de cara, as pessoas compareceram em massa. Foi realmente muito legal ouvir o que as pessoas tinham a dizer e deu vontade de fazer mais e mais”.

Neste domingo (17), ocorre, a partir das 17h, a finalíssima do Campeonato Brasileiro de Poesia Falada. Para acompanhar os embates e conhecer um pouco mais da cultura Slam clique aqui.

Marcella Oliveira

Publicitária e redatora do portal BHaz.

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