O jornalista brasileiro James Cimino levantou um intenso debate sobre posse de armas ao contar, por meio do Twitter, nesta quarta-feira (16), um drama familiar. O paranaense contou que a mãe dele comprou uma arma, antes do estatuto do desarmamento, para proteger-se de assaltos, mas que acabou a usando para tirar a própria vida. Os tuítes viralizaram e dividem opiniões entre apoiadores da posse de armas e críticos da medida. Eles têm mais de 8 mil compartilhamentos.
“Eu tive uma arma sem registro dentro da minha casa. Acabou na maior tragédia da minha vida. E isso aconteceu ANTES do estatuto do desarmamento. A cada retweet eu conto uma parte da história”, escreveu Cimino. “Em 1996, minha mãe começou a vender joias e semijoias. Ela comprava da minha tia e vendia em Curitiba. A gente era muito pobre. Vivíamos em um conjunto da Cohab e minha mãe fazia as vendas todas a pé e de ônibus”, continuou o homem.
Ao longo das postagens, o jornalista traçou um paralelo entre saúde mental, ao falar da mãe, e o posse de armas. Disse ainda que quem argumentasse que a “culpa não é da arma” seria bloqueado. “Qualquer pessoa que aparecer aqui dizendo que a culpa não é da arma, primeiro vai tomar um block. Segundo eu sugiro: compre a arma e aguarde a tragédia”, escreveu.
Nos comentários do post, internautas mostraram-se divididos quanto ao caso contado por Cimino. Alguns se solidarizaram e enviaram mensagens de apoio e desejaram forças pela perda dele e do irmão. Também concordam que o posse de arma pode aumentar a violência e o número de mortes. Ambos tinham 21 e 14 anos, respectivamente, quando a mãe deles cometeu suicídio. Por outro lado, críticos afirmam que a morte da mãe dele pode ser considerado um caso isolado e reforçam a ideia de que as pessoas é que têm controle sobre as armas, e não o oposto.
Eu tive uma arma sem registro dentro da minha casa. Acabou na maior tragédia da minha vida. E isso aconteceu ANTES do estatuto do desarmamento. A cada retweet eu conto uma parte da história.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Em 1996, minha mãe começou a vender joias e semijoias. Ela comprava da minha tia e vendia em Curitiba. A gente era muito pobre. Vivíamos em um conjunto da Cohab e minha mãe fazia as vendas todas a pé e de ônibus.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Então, a minha mãe achou que a melhor maneira de se proteger de possíveis assaltos — algo que até então não havia acontecido com ela — seria comprando uma arma.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Mas minha mãe tinha problemas psicológicos seríssimos, dos quais só me dei conta muitos anos depois, já bem adulto e informado. Ela era muito nervosa, depressiva, bipolar.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Logo depois de se divorciar do meu pai, resolveu cair na farra, algo que nunca tinha feito antes, já que saiu da casa do meu avô diretamente para o casamento, em uma época que mulher não podia nem cogitar sair de balada. E por isso acabou abusando da bebida e de tranquilizantes.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Minha família acabou a internando em um sanatório, onde entre outras coisas ela foi amarrada e tomou eletrochoques na cabeça. Quando saiu do sanatório, ela nem me reconhecia, se urinava toda em pé e levou meses pra voltar à normalidade.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Mas essa “normalidade” era acompanhada de muitos gritos, falta de paciência e juntando-se a isso os sacrifícios de uma mulher sozinha responsável por criar dois filhos sem ajuda dos irresponsáveis que deveriam ter sido pais, minha mãe foi ficando cada vez mais nervosa.
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Por isso que quando ela comprou aquela arma, eu fiquei extremamente preocupado e temeroso de que algo acontecesse de mal. Especialmente eu temia pela minha vida, pois ela havia ficado sabendo da minha boca que eu era gay e não aceitava isso de jeito nenhum.
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A nossa rotina era de agressões verbais e físicas dela em relação a mim. Era uma mulher muito autoritária a quem eu e meu irmão devíamos uma obediência canina. Por isso nunca ergui a mão para me defender dos tapas, das ofensas, das humilhações.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
E também por isso não tive forças para tomar uma atitude e dar um sumiço naquela arma. Morria de medo do que ela podia fazer contra mim.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Na noite de 14 de setembro de 1997, um domingo, apenas duas semana após a morte da princesa Diana, minha mãe resolveu ir a um baile de CTG lá em Curitiba, onde morávamos.
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Ela andava gastando mais dinheiro do que tinha, comprando roupas, um celular e me fez dar o $ da mensalidade do meu cursinho “emprestado” pra ela. Saiu de casa com R$ 500 no bolso. Por volta de 11 da noite eu me lembro que senti um aperto no peito e liguei pra minha amiga Karime
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Estava tentando falar com minha mãe e nada de ela atender. Quando ela finalmente atendeu, percebi que ela estava tão bêbada que mal conseguia falar. Tentei convencê-la a pegar um taxi e uns 40 minutos depois ela chegou em casa.
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Ela havia sido roubada e não tinha nem dinheiro pro taxi. Mal conseguia andar, tive que buscá-la no carro e trazê-la pro nosso apartamento no segundo andar.
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A partir daí foi tudo muito rápido. Eu me lembro que procurei sua arma em todos os locais onde eu sabia que ela escondia porque estava intuindo que algo ruim podia acontecer. Não achei a arma.
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Coloquei ela na cama. Tirei suas botas de couro e falei pra ela que ela me envergonhava. Ela chorou e disse que estava muito triste. Eu estava cansado daquilo tudo, com raiva e disse que ia descer para pagar o taxi. Eu mal cheguei à porta e ouvi o tiro.
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Meu irmão tinha 13 anos. Eu tinha 21. Nós dois tínhamos passado a tarde vendo filme na HBO. Era a primeira vez que tínhamos tv q cabo em casa. Vimos naquele domingo “As Pontes de Madison”. Meu irmão gritava e pulava de desespero. Eu congelei.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Voltei pro quarto e senti um cheiro de sangue queimado. Ela com a arma na mão. Uma poça de sangue jorrava da cabeça dela. Ainda tive a frieza e sentir seu pulso. Nada. Ela morreu na hora.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Mas minha mãe queria uma arma para se defender. Se defender dela mesma. Se defender do mundo e de sua paranoia. Porque toda pessoa que quer se armar tem algum problema psicológico. Em geral são autoritários. E a arma é um convite à tragédia.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Qualquer pessoa que aparecer aqui dizendo que a culpa não é da arma, primeiro vai tomar um block. Segundo eu sugiro: compre a arma e aguarde a tragédia.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Ela poderia ter usado outra coisa pra se matar? Poderia. Mas talvez ela tivesse sobrevivido a uma tentativa de suicídio. A arma não deu essa chance. Foi imediato. Em cinco segundos eu e meu irmão estávamos órfãos.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Agora pros armamentistas que acham que arma de fogo em casa é usada mais para legítima defesa, um estudo da @Harvard desmente essa teoria com dados: https://t.co/nTyLdtoREB
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Estão me perguntando como ela comprou a arma. Comprou em uma loja de caça e pesca no centro de Curitiba. Não pediram nada. Pq o vendedor de arma é como o traficante de drogas. Ele quer saber é do dinheiro. O cliente que se foda.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Muito armamentistas estão vindo aqui me ofender por causa do meu relato. Ora, se armas são tão boas e seguras, porque um simples thread ameaça tanto suas certezas?
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Eu sei por que. Porque no fundo vocês todos sabem que armas servem apenas para matar. E sabem também que a depressão é silenciosa. Comprem suas armas. E vivam com a morte à espreita.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Agora, além da minha tragédia pessoal, existe mais um motivo para não querer armas liberadas para todo mundo: os defensores da liberação. Você daria uma arma na mão dessas pessoas? Eu não.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Eu acho que uma coisa que não ficou clara no thread foi por que a arma era sem registro. Teoricamente minha mãe não poderia ter comprado a arma porque não tinha licença. Mas advinha o que ela tinha na hora da compra? ?????. Venderam pra ela “registrar depois”.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019
Então, minha mãe não comprou arma de bandido. Comprou arma de comerciante de armas. No centro de Curitiba. Isso ANTES do estatuto do desarmamento.
— James Cimino ???????????️??? (@rei_da_selfie) 16 de janeiro de 2019