As lições da belo-horizontina que ficou paraplégica após dar à luz e voltou a andar

Arquivo Pessoal

A belo-horizontina Márcia Helena, de 30 anos, havia acabado de dar à luz à pequena Melina, em uma maternidade da capital, quando voltou para casa e começou a sentir fortes dores na coluna. Ela tomou remédios passados pelos médicos, mas, sem perceber nenhuma melhora, voltou à unidade de saúde. Era o início de uma saga que a levaria a descobrir um abcesso responsável por fazê-la perder os movimentos das pernas. A mulher ficou paraplégica e ouviu de especialistas que poderia não voltar a andar. No entanto, agora, cerca de um ano depois, já consegue caminhar distâncias menores com a ajuda de muletas. E carrega consigo uma série de lições.

A trajetória de Márcia, desde que ficou paraplégica até conseguir dar novos passos, começou em janeiro do ano passado. Ela foi à maternidade para dar à luz à segunda filha e, inicialmente, tudo correu bem. “Tive minha filha de parto natural, tudo correu bem, dei à luz em uma sexta-feira e no sábado voltei para casa”, contou em entrevista ao BHAZ nesta quarta-feira (13).

Márcia ao lado dos filhos, Marcelo e Melina, e do marido Wesley (Arquivo Pessoal)

Os problemas surgiram na semana seguinte, quando as dores nas costas ficaram cada vez mais intensas. “Eu voltei à maternidade e recebi medicações para dores. Me disseram que era normal por conta do parto isso de ficar com o corpo cansado e dolorido. Mas eu tomava os remédios e não melhorava. Voltei lá por diversas vezes, fiz radiografia e outros exames clínicos, mas me disseram que estava tudo bem”, explica. “A situação ficou pior quando saindo da maternidade eu perdi a força da perna direita. Parecia uma câimbra, mas eu voltei para casa. No dia seguinte, voltei lá já de cadeira de rodas e, depois de exames, afirmaram mais uma vez que era dor de parto e minha escoliose, mas eu sabia que tinha algo errado e que iria parar de andar”, conta.

A falta de diagnóstico para o que sentia deixou Márcia com medo do pior. E ela foi ficando cada vez mais desesperada. Ainda assim, tentou não repassar aos familiares o que sentia para poupá-los. É que a avó e uma tia dela, por parte de mãe, estavam em tratamento de câncer ao mesmo tempo. “Eu queria mostrar uma força então evitava chorar, mas fiquei me perguntando o que estava acontecendo e o por que de ser comigo, minha bebê tinha apenas sete dias”, explica.

Márcia comemorou o aniversário de 29 anos no hospital (Arquivo Pessoal)

Com as dores incessantes, a belo-horizontina foi levada pela mãe para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Santa Terezinha, na região da Pampulha. Lá, ela foi novamente medicada e, depois de virar a noite, foi novamente encaminhada para a maternidade. Foi então que surgiu uma luz no fim do túnel: um médico plantonista a atendeu e, diferente de como havia ocorrido antes, ela se sentiu bem acolhida. “O médico olhava nos meus olhos, ele disse que me ajudaria e me encaminhou para vários exames, enfim eu consegui um diagnóstico”, afirma.

“As pessoas ficavam incrédulas, duvidando que eu não sentia as pernas, mas eu parecia anestesiada. Não sentia nada mesmo. O plantonista disse que nunca tinha visto nada parecido e pediu minha internação. Eles fizeram vários testes: fincavam agulhas, algodões secos e molhados, coisas quentes e frias eram colocadas em mim, mas eu não sentia as pernas. Precisavam segurar minha filha pra eu amamentar porque meus braços também doíam muito. Fui transferida para o Hospital das Clínicas e refiz todos os testes”, contou.

Márcia mostra cicatriz de cirurgia feita pressas (Arquivo Pessoal)

“No Hospital das Clínicas, eu fiz ressonância e um neurocirurgião disse que precisava conversar comigo e com o meu marido. Ele nos contou que um abcesso comprimia minha coluna e me fez perder os movimentos das pernas. Eu ia precisar ser operada com urgência, mas ainda não entendia muito bem. Os exames apontaram que ele foi provocado por uma bactéria, a stafilococcus aureus, que eu provavelmente fui contaminada no trabalho de parto”, explicou. A bactéria é a mesma que deixou uma jovem paraplégica após colocar um piercing no nariz.

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“Depois da cirurgia, eu fiquei internada 48 dias, passei meu aniversário no hospital. Minha bebê ficou comigo esse tempo e os pediatras acompanhavam a amamentação para que nada que eu tomasse passasse para ela. Eu tive que ser forte, ainda mais quando descobriram que eu ainda tinha endocardite, a bactéria estava alojada no meu coração”, contou. “Nesse tempo, eu tive que reaprender várias coisas, além de aprender a ser cuidada. Eu entendi que meus filhos estavam bem e que eu teria que focar na minha recuperação”, explica.

Ainda no hospital, Márcia começou a se policiar para focar na melhora dela. “Eu mesma puxava minha perna e me empurrava para sentar. Recebi alta no dia 10 de março e voltei para casa de cadeira de rodas. Os médicos me disseram que não podiam garantir que eu voltaria a andar, que não podiam me prometer nada. Eu tentei tratamento no Sarah Kubitschek, mas tinha uma lista de espera e não consegui de começo. Uma pessoa muito solidária me ajudou com uma doação para parte do tratamento e, em agosto, fui para o Sarah”, conta.

Arquivo Pessoal

“Hoje eu queria estar correndo, mas dei meus primeiros passos com a ajuda da muleta e isso já pode ser considerado um sucesso. Também sinto um pouco de sensibilidade, sei diferenciar meus dedos uns dos outros, sinto calor e frio, mas é uma luta diária”, relata. “Eu aprendi a ir adaptando a minha realidade, não adiantaria eu ficar chorando, então decidi viver da melhor maneira possível. Eu entendo meus limites e me respeito, sem perder a esperança de evoluir. Quem sabe eu não corro até o fim do ano uma meia maratona amadora?”, reflete.

Além de aprender os próprios limites, e a importância de se cuidar, Márcia também conta que a lesão e as consequência dela a fizeram ver o mundo de outra forma. “Eu precisei ser para ver. Me fez olhar para dentro de mim e me reconhecer enquanto pessoa, mulher e mãe. Com todas as dificuldades, hoje eu sou feliz. Vou fazer 30 anos no dia 24 de fevereiro e quero comemorar com minha família. Por mais difícil que tenha sido, aprendi a valorizar as pequenas coisas e a entender que eu posso contar com Deus, com meus familiares e amigos, mas que, acima de tudo, posso contar comigo mesma”, pondera ao citar o marido, Wesley, a mãe, Angêla, e a sogra Lourdes.

Márcia ao lado de amigas no hospital (Arquivo Pessoal)

A respeito da maternidade, que prefere não revelar o nome, Márcia diz: “Inicialmente eu fiquei em dúvida se processaria ou não. Mas hoje entendo que não é o desejo do meu coração. Um processo não vai fazer o tempo voltar e nem vai me fazer melhorar. A lesão me fez crescer, não que eu não me sinta triste, ou não chore. Eu aprendi a olhar o mundo com outros olhos”.

“Todos os dias a gente acorda e dorme com uma lição. Se não deu certo, eu penso que a gente pode tentar mais uma vez, um passo de cada vez, vamos tentar de novo. Muita gente aponta as deficiências como algo diferente, hoje eu coloco em xeque o que é ser normal. Todo mundo é diferente e a gente pode extrair o que é bom disso também”, finaliza.

Roberth Costa[email protected]

De estagiário a redator, produtor, repórter e, desde 2021, coordenador da equipe de redação do BHAZ. Participou do processo de criação do portal em 2012; são 11 anos de aprendizado contínuo. Formado em Publicidade e Propaganda e aventureiro do ‘DDJ’ (Data Driven Journalism). Junto da equipe acumula 10 premiações por reportagens com o ‘DNA’ do BHAZ.

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