PM dispara 18 vezes contra carro, por engano, e deixa uma pessoa ferida

Polícia Militar/Divulgação

Uma pessoa ficou ferida após um carro ser atingido por 18 disparos efetuados pela Polícia Militar (PM), em Juiz de Fora, na Zona da Mata. O veículo atingido tinha as mesma características de um que havia sido roubado e era procurado pela polícia. De acordo com o major Flávio Santiago, porta-voz da PM, três militares participaram da ação e a corregedoria investiga o caso.

A perseguição, que ocorreu no dia 30 de abril, por volta das 21h30, durou cerca de 12 quilômetros. Um veículo Citroen C4 Pallas havia sido roubado na região Norte de Juiz de Fora e a polícia procurava por ele.

“A gente tinha acabado de participar de um curso em Varginha, trabalhamos em uma farmácia. Eu já havia dirigido mais de 400 quilômetros, quando tudo aconteceu, na entrada para Ubá, no trevo de Coronel Pacheco, na BR 0-40”, explica o farmacêutico e condutor do veículo, Alexandre José Gonçalves, de 44 anos.

De acordo com o motorista, um carro em alta velocidade apareceu e ficou com o farol alto piscando. Ele alega que ainda não sabiam se tratar de uma viatura policial.

“Achei que eles queriam passar, estávamos a 70 km/h, então joguei o carro para a direita. Ouvi dois disparos, mas achamos que era o escapamento do carro. Foi quando nos demos por conta que o carro não nos ultrapassou”, conta.

Na foto de cima, o carro atingido pelos tiros e, logo embaixo, o carro roubado (Polícia Militar/Divulgação)

“Eles não estavam com giroflex ou sirene ligados”, explica o motorista. Um dos disparos atingiu a coluna de Samuel Rodrigo dos Santos, de 25 anos. “Depois disso, eles começaram a atirar direto, três a quatro disparos por vez, intensificaram mais os tiros. Foi nesse momento que o Samuel foi atingido. Estávamos desesperados e, pouco depois dele ser atingido, eles [os policiais] ligaram o giroflex e sirene, aí vimos que era a polícia e parei o carro no acostamento”, relata.

Segundo o motorista, os ocupantes desceram do carro e os policiais começaram os procedimentos de praxe. “Eu falei com os policiais que somos pessoas de bem, que poderiam revistar tudo. A gente não estava entendendo nada, e o Samuel com muitas dores. Quando o rádio tocou e falaram que o carro roubado foi achado, ouvi o policial exclamar: ‘Meu Deus!’. Eles perceberam que haviam feito algo errado”, continua.

De acordo com o motorista, ele e outro ocupante foram para um posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), enquanto Samuel foi para o hospital. “Ficamos lá até às 14h do outro dia, por quase 16 horas. Durante a madrugada, o advogado dos policiais chegou e começou a alterar o texto da ocorrência, para que eles não fossem incriminados. Eles queriam reformular uma situação”, explica.

Alexandre diz ter ficado decepcionado com a polícia. “É algo muito triste. A gente tenta acreditar na polícia, mas quando vivemos uma situação assim que vemos mesmo como funciona. Falamos somente a verdade, e eles tentando usar de mentiras para salvar a pele”, diz.

Em reposta ao motorista, o porta-voz da PM explica que a corregedoria estava junto em todo o processo. “Os militares têm as associações que os acompanham, que geralmente levam advogados. Não confirmo essa situação descrita. O fechamento da ocorrência não é uma ‘receita de bolo’, precisamos rever todos os elementos. Todas as partes foram ouvidas, e as armas apreendidas. Não houve nenhuma coação ou ameaça. A redacão de uma ocorrência precisa de várias cabeças. Existem situações que só a pericia poderá ditar”, relata.

Sobre as quase 16 horas que os outros dois ocupantes do carro tiveram que ficar na PRF, o porta-voz da PM foi enfático. “Considero até pouco tempo. Precisamos prestar socorro, acompanhar no hospital, depois redigir tudo. Pela natureza complexa da ocorrência, foi um tempo razoável”, completa.

O que diz a Polícia Militar

A PM concedeu uma entrevista coletiva para esclarecer os desdobramentos do caso, nesta terça-feira (7). “De imediato, a rede de rádio transmite, para todos os segmentos da Polícia Militar, em Juiz de Fora e região, para que fosse feito o cerco e bloqueio. Posicionados, os policiais veem um carro com as mesmas características”. A dona do veículo roubado não sabia a placa do carro, com isso, os policiais não tinham essa informação.

De acordo com os policiais militares, a perseguição teve início e não houve obediência de parada por parte dos ocupantes do carro. “Eles [policiais] estavam com o giroflex e sirene da viatura ligados, além disso, piscaram o farol por várias vezes. O carro também estava andando em zigue-zague e invadindo a contra-mão. E, o passageiro no banco de traz estava com um capuz, e colocava as mãos para fora do veículo em determinados momentos”, explicou.

Ainda segundo o major, os policiais, entendendo o risco para eles e para terceiros, precisaram efetuar os disparos. “Pelo fato de invadir áreas onde outros veículos passavam e a própria mão que estava para fora e não dava para identificar, se estava armado ou não”, disse.

Os policiais teriam efetuado os disparos em momento distintos, durante a perseguição. Foram dez tiros pela arma de um policial e oito pela de outro. “Nós entendemos que agora somente a perícia, que avaliará a dinâmica do processo, que vai ditar a proporcionalidade dos disparos. Só quem opera o estado de flagrância é capaz de mensurar essa necessidade”.

No fim da perseguição, o veículo encosta e os policiais dão voz de prisão ao condutor por direção perigosa. “Ao constatarem que um dos ocupantes estava ferido, ele é prontamente socorrido e levado para o hospital”.

Durante a abordagem, o rádio da viatura anuncia que o veículo roubado havia sido achado abandonado. Ninguém foi preso até o momento. “Todos os procedimentos cabíveis foram tomadas, a corregedoria acompanha o caso. As armas dos militares foram apreendidas, e os policiais colocados à disposição da Justiça. O juiz entendeu, em um primeiro momento, pela legitimidade da ação e liberaram os policiais para que eles pudessem trabalhar normalmente”. De acordo com porta-voz, os militares têm de 10 a 12 anos de serviço sem nenhuma infração.

“A Polícia Militar lamenta essa sucessão de incidentes, a não obediência da parada e a verossimilhança dos veículos. A PM tenta trazer toda a lisura, transparência e amparo a essas pessoas, que também vivenciaram momentos difíceis”, completa o major.

Samuel ficou internado no Hospital de Pronto Atendimento de Juiz de Fora de terça-feira, 30 de abril, até sexta-feira, 3 de maio. Depois disso, foi transferido para Santa Casa, onde precisou passar por uma cirurgia. Ele continua internado, mas não corre risco de morrer e se recupera bem.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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