Uma executiva de 30 anos recorreu às redes sociais, nesse domingo (2), para relatar ter sido alvo de uma abordagem racista em um tradicional bar localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, o Bukwoski. Luana Génot foi ao local com o marido, a filha pequena do casal, e a mãe dela para que aproveitassem a tarde juntos. No entanto, um funcionário a abordou e a tratou como se estivesse trabalhando no espaço. “Uma mulher negra sentada no chão, independente de quanto tenha no bolso, neste país, é uma babá”, escreveu a carioca em um trecho da postagem.
Ao BHAZ, Luana contou nesta segunda-feira (3) que resolveu ir ao bar junto com a família depois que o marido dela viu uma programação infantil no espaço. Quando chegaram, subiram para o terceiro andar, e deixaram a filha em uma piscina de bolinhas. A mãe sentou-se de um lado e o pai da garota do outro. Foi quando o funcionário identificado como Alexandre se aproximou dela, questionando se precisava chamar ajuda para a mulher que supostamente tomava conta de crianças que brincavam no local.
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“Sentei de um lado da entrada da piscina de bolinhas e meu esposo do outro, um sentado de cada lado, para observar nossa filha. Foi quando essa pessoa do bar se aproximou e questionou se eu precisava de ajuda para cuidar das crianças que brincavam lá, já que o bar estava lotado”, disse. “Respondi para ele que não estava entendendo e ele foi incisivo. Disse que se eu tinha ido trabalhar, teria que prever no mínimo se precisava de mais ajuda. Ele não alterou o tom de voz, mas foi incisivo, ficou questionando sem perguntar se eu trabalhava realmente lá, se tinha ido curtir. Uma mulher negra sentada ao chão é automaticamente uma babá, uma empregada. O problema nessa situação foi essa colagem automática”, disse.
A carioca chegou a argumentar, mas o homem negou que tenha agido de forma racista. Ela informou que escreveria um post para relatar o ocorrido e o fez ainda no bar, tirando uma foto com a filha no colo. “Minha mãe e meu marido estavam perto e também foram conversar sobre o ocorrido. Eu não tenho problema com nenhuma profissão, muito pelo contrário. A questão é essa colagem imediata, a naturalização de que uma mulher negra naquele espaço estava ali trabalhando. Eu e meu marido estávamos os dois sentados ao chão, mas ele não o questionou e comigo quis saber do motivo de eu estar ali sem pedir ajuda para cuidar das crianças”, explica.
“Sinceramente, no meu caso, eu nunca estou preparada para um caso desses e nunca vou achar que isso seja normal. Fiquei questionando e ele arregalou o olho, depois voltou e pediu desculpas pelo engano”, conta. “Disse que ‘não vê cor’, que não fazia parte da conduta e do caráter dele, mas eu como cidadã fiz minha parte”, afirma.
Sim à igualdade racial
Na postagem no Instagram, Luana sugeriu que o bar adotasse “treinamentos incessantes sobre racismo e sobre a importância da diversidade e inclusão como um todo”. É que ela é diretora do Instituto Identidades do Brasil, que desenvolve ações para conscientizar e engajar organizações com o intuito de reduzir a desigualdade racial no mercado de trabalho.
A carioca também conta que o ocorrido com ela não pode ser enquadrado como injúria racial, já que ela não foi ofendida. “Se eu tivesse sofrido injúria, certamente registraria um boletim de ocorrência. É algo muito mais subjetivo, racismo institucional. Além do post, acionei o Ministério do Trabalho, enviei um e-mail com denúncia para que o bar seja inspecionado com base na lei 12.288”, conta a mulher, que também é publicitária e mestre em relações étnico-raciais pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.
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“A lei 12.288 é a lei do Estatuto da Igualdade Racial, que dá respaldo para que empresas públicas e privadas lutem contra o racismo nas instituições. Ela dá base para que medidas de reparação dos danos provocados pela racismo estrutural no Brasil sejam implementadas”, explica. “Isso é o meu trabalho, eu vou até as empresas e falo sobre o número de negros nas companhias, quais ações podem ser realizadas. Mais do que fazer ‘textão’ e ‘lacrar’, é o meu papel como cidadã falar sobre isso, racismo não pode ser algo naturalizado”, conta. “Recomendo que as pessoas denunciem, reúnam provas sempre que ocorrer e falem a respeito. O racismo não pode ser escondido, não é coisa da nossa cabeça, faz parte de um fenômeno coletivo”, pondera.
Na quarta-feira (5), Luana lançará o livro Sim À Igualdade Racial – Raça e Mercado de Trabalho em um evento em Nova Lima, na região metropolitana de BH.
“O instituto surgiu em 2016 e promove uma mensagem de sim à igualdade racial, buscamos promover a igualdade de oportunidades para que a população negra tenha acesso a cargos executivos nas empresas. As pessoas precisam entender que o negro também deve ocupar posições ‘altas’. Se o homem e a mulher negra estão condicionados apenas a cargos menores, não conseguem performar socioeconomicamente e todo o país perde. Racismo é prejuízo de muitas formas”, diz.
“Nosso papel [do instituto] é levar treinamentos para que as empresas adotem mudanças de postura. Explicamos a história do Brasil, as leis, ensinamos a criar processos seletivos menos enviesados, sugerimos fontes de bancos de dados com profissionais negros, entre outras ações. As empresas que têm ações e programas de conscientização contínuos de igualdade racial recebem inclusive um selo que as certifica”.
Bar divulga nota
O BHAZ tentou contato com proprietários do bar nesta segunda-feira, mas não obteve sucesso. Por meio do Instagram, no entanto, o Bukwoski emitiu uma nota em que diz que os funcionários passaram por um treinamento para fortalecer “princípios de igualdade” (veja na íntegra abaixo). “Vi que emitiram uma nota, que vão ter um curso. Me interessa acompanhar e cobrar, saber o conteúdo, a periodicidade, para quem será ministrado”, diz Luana.
“A gente tem que cobrar mesmo, se vai solucionar ou não é outra coisa, mas precisam ser responsabilizados para que, quem sabe, haja uma mudança comportamental. O Brasil vive reflexos da escravidão e os negros são estereotipados enquanto a figura que está sempre a trabalho, em situação de vulnerabilidade, na marginalização, na subserviência. Se a gente não problematizar isso, não saímos do lugar”, finaliza a carioca.