O ladrão que virou Deus

Reprodução/Instagram

“Professor, eu te amo, você colocou o Djonga na prova”. Assim eu fui recebido por uma aluna na festa de uma das escolas onde eu trabalho. Até então eu nunca tinha escutado um estudante dizer que me amava por causa de uma questão de prova, mas por causa do Djonga eu consegui. E não é por acaso. O rapper mineiro é cada vez mais amado pelos jovens no Brasil e mais precisamente pelos estudantes do Ensino Médio e muitos universitários, com todo o merecimento. Ele não só merece, mas me deixa muito feliz.

Diferentemente das décadas anteriores, quando a juventude gostava mesmo do rock, hoje o rap e o funk são os estilos musicais que mais fazem a cabeça da juventude. Toda a crítica social, a atitude, a irreverência e as polêmicas que outrora pertenciam ao rock migraram para outro estilo. E é nele que se enquadra o som do “menino que queria ser Deus”.

Fico muito feliz com todo crescimento do rap e em especial do Djonga por causa de alguns motivos, como a representatividade e a força das letras. Hoje é possível ouvir o som de um jovem preto da Zona Leste tocando os meninos de escolas particulares (ou públicas) e fazendo refletir sobre racismo, sobre desigualdade social e sobre a organização da sociedade brasileira de uma forma geral. É muito animador e empoderador pensar que a juventude de hoje, influenciada por caras como o Djonga, vai refletir cada vez mais sobre o país e que vai buscar um futuro bem melhor, com mais justiça social e liberdade de pensamento.

No último álbum, “Ladrão”, o cantor apresenta uma completa subversão do que é visto como padrão social ou como preconceito, colocando-se como o bandido que, segundo ele, “rouba ‘dos boy’ no ingresso” o que era do seu povo. E muito mais que isso: ele rouba uma discussão sobre criminalidade, ancestralidade e até o amor. Para quebrar um pouco da crítica social, o álbum é um prato cheio para quem curte as love songs no rap, o que faz ter ainda mais alcance do público.

Os saudosistas diriam que o rock brasileiro dos anos 80, 90 ou 2000 representavam muito melhor a nação, ou que a juventude de antes era bem mais engajada, mas confesso que é impossível vencer a crítica do social que o rap tem feito no Brasil. Se em alguns momentos tínhamos a crítica por um viés da classe média insatisfeita cantando também para a classe média, hoje o rap aparece “de baixo para cima e de cima para baixo”, valorizando a periferia e mostrando para as pessoas como o estilo é importante na formação da juventude. E nem é só o Djonga: o rap oferece ainda uma ótima safra com Froid, Sidoka, Delatorvi, Baco Exu do Blues, FBC e muitos outros nomes que fazem até o maior crítico da música de periferia refletir sobre a importância da cena.

E a educação já percebeu a relevância da expressão da periferia. A prova da Unicamp do ano passado trouxe a obra “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MC’s, como obrigatória para fazer a prova da instituição. Os grafites colorem os muros das grandes cidades – por mais que tentem pintá-los de cinza – e uma nova cena surge e encanta os mais diversos grupos sociais. Ninguém vai parar o movimento hip hop e nem o rap.

Eu sou fã do Djonga, sou fã da música brasileira e “de tudo que rompe os paradigmas”. Se for para gerar reflexão, dar voz às minorias e romper com os padrões artísticos, eu vou gostar. E nem venham dizer que a culpa é minha. Eu só coloquei na prova, bem juntinho de uma questão com texto do Machado de Assis. Para causar. E provar que o menino virou Deus, mesmo com todo preconceito dos verdadeiros ladrões.

Marcelo Batista[email protected]

Marcelo Batista é professor de redação no Bernoulli, no Qi, na plataforma Kuadro, na Qualoo e na Transvest. Graduado em letras pela UFMG, é o fundador da Aprendi com o Papai, plataforma que conta com um canal no Youtube e salinha de redação em Belo Horizonte. Com quase 15 anos de experiência em sala de aula, já trabalhou no ensino fundamental, médio, pré-vestibulares e preparatórios para concursos públicos, o que faz com que tenha uma grande proximidade não só com a educação, mas também com as temáticas mais relevantes para a juventude.

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