A kryptonita de Sérgio Moro

Reprodução/Twitter

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Equidistante. Isso é o que se exige de um juiz. Que mantenha a mesma distância entre as duas partes que por ele serão julgadas. Esse é um requisito básico em qualquer processo e é uma das exigências do direito à ampla defesa, especialmente nos processos criminais.

É inaceitável que o juiz mantenha conversas privadas com uma das partes acerca de um processo que ele próprio irá julgar. Podemos até fazer uma concessão para aceitarmos uma realidade infelizmente comum no Brasil: uma convivência mais próxima entre o juiz e o promotor que, não raro, dividem o mesmo espaço nos fóruns. No entanto, essa convivência não pode jamais extrapolar a esfera pessoal e afetar as relações profissionais. Viola as regras jurídicas mais elementares a troca de ideias – prévia e secreta – entre o juiz e o promotor sobre os processos que serão julgados.

As revelações do The Intercept Brasil (veja mais aqui) na noite do último domingo têm um potencial destrutivo que ainda não pode sequer ser imaginado. Elas mostram que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol conversaram sobre os processos que ambos conduziam: um como magistrado e outro como procurador responsável pela acusação. Elas mostram que eles conversaram sobre estratégias processuais e, pior ainda, ela mostram que ambos tinham um objetivo comum: obter a condenação de Lula.

Nesse ponto, o juiz se tornou justiceiro. Ele resolveu deixar de lado a Constituição que ele jurou defender e decidiu fazer justiça a qualquer custo. Tal como o Juiz Marshall, personagem da série americana Justiça Final, exibida no Brasil no início dos anos 90, ele “parou de acreditar no sistema e passou a acreditar na Justiça”.

Esse, sem dúvida, o seu maior erro. Acreditar que a aclamação popular o transformara de fato em um herói. Crer que as manifestações em redes sociais, em camisetas e faixas ostensivamente vistas em público, justificariam as ações que viera a tomar. Em um primeiro momento ele não se equivocou. Os tribunais endossaram suas ações e o protegeram, mesmo quando ele divulgou, deliberadamente, gravações envolvendo a Presidente da República.

Agora, o feitiço se volta contra o feiticeiro. As mensagens que o juiz trocou com o procurador responsável pela acusação vieram a público e, o mais importante, o seu conteúdo não foi negado. A tentativa de se desqualificar as informações por um suposto “vício de origem” obviamente não prosperam. O papel da imprensa é justamente o de divulgar as informações de interesse público a que teve acesso; a sua missão institucional é a de informar o público. De todo modo, não deixa de ser irônico ver que os dois personagens que combinaram divulgar os áudios envolvendo Dilma e Lula agora reclamam de terem suas conversas divulgadas.

Aparentemente, ainda existe mais conteúdo para ser divulgado. E é impossível prever quais serão os seus desdobramentos. Não se sabe se o absurdo conluio entre o juiz e o procurador acarretará a nulidade de algum processo ou se será o epitáfio da Lava Jato. O que se sabe, no entanto, é que o Super Moro encontrou sua Kryptonita.


* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é professor na PUC Minas e doutor em direito.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!