Kalil declara guerra a apps de transporte em BH: ‘Acabou o papo e a fiscalização vai comer’

Amira Hissa/PBH + Amanda Dias/BHAZ

Logo após anunciar, na terça-feira (25), que vai regulamentar os aplicativos de transporte em Belo Horizonte – Uber, 99 e Cabify – por meio de um decreto, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) abriu fogo contra as empresas. O mandatário afirmou que os apps não têm “responsabilidade com nada”, que não ligam para os próprios motoristas e que fará uma fiscalização rigorosa.

“Estamos sentados aqui discutindo com quem [ao se referir às empresas de mobilidade]? Com quem não paga gasolina, com quem não compra carro, não paga prestação, com quem não tem responsabilidade com nada. Essa que é a verdade. Paga dois advogados para entrar na Justiça e vocês continuarem escondidos tomando multa. Papo é reto, simples. Ninguém está ligando pra você. Você é bobo?!”, esbravejou Kalil a representantes dos motoristas de apps.

A fala ocorreu durante uma reunião do prefeito com taxistas e motoristas de aplicativos, além do presidente da BHTrans, Célio Bouzada. O BHAZ teve acesso ao conteúdo do encontro, no qual Kalil deixa claro a insatisfação contra os aplicativos de mobilidade. “Estou com essa lenga-lenga há dois anos. Ou vamos chegar num acordo, ou acabou o papo. Não vou perder tempo com esse assunto mais. Vou tirar da Câmara, vou meter um decreto e vamos brigar na Justiça. E a fiscalização vai comer”, afirmou.

Na reunião, o prefeito de BH abriu fogo contra as empresas e sugeriu, inclusive, que os motoristas se organizem para pleitear seus direitos com os aplicativos. “Empresa quer lucro e a multa é sua. Quem tá tirando leite da sua casa, é seu leite. Acho bom vocês se organizarem, esses 40 mil motoristas, porque ó, para eles, problema é seu. O problema é seus, a multa é sua, o pneu é seu”, afirmou.

“[As empresas] não têm interesse nenhum em facilitar nada. [Se eu você fosse vocês] Eu iria me organizar mais ainda porque aqui só tem interesse em pacificar quem toma multa, quem tem que comprar pneu, quem se incomoda com preço de gasolina. Ninguém tá ligando para você”, complementou.

Sem carros populares

O embate entre PBH e empresas de mobilidade se acirrou após a liderança do governo retirar da pauta projeto de lei (PL) que regulamentaria os aplicativos na capital (leia mais abaixo). A regulamentação corria na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) por meio do PL 490/2018, aprovado em dezembro pela Casa. Com isso, a administração municipal afirmou que a regulamentação ocorrerá através de decreto.  

O decreto vai estipular que todos os motoristas de aplicativos tenham carros sedans, com potência mínima de 85 cavalos e idade máxima de cinco anos de fabricação. Após a publicação, os motoristas terão até 2024 para se adaptar às novas regras. As empresas dos aplicativos repudiaram a ação da PBH e alegam que a medida pode inviabilizar a continuidade dos serviços na capital.

Kalil também deixou claro que não terá privilégio para motoristas de apps ou taxistas. “Se está sentado na minha mesa querendo uma ‘vantagenzinha’, está no lugar errado. Vou meter um decreto e vou botar fiscalização”, disse.

“O privilégio de ter diferenças do táxi não haverá. Estamos fazendo um regra de transição mais flexibilizada pra ficar igual. Agora vai ser melhor do que o táxi? Não vai! Aqui não é Rio, SP, Brasília… Queremos chegar na regra que queremos, vamos fazer, vamos fiscalizar. Ótimo é inimigo do bom”, complementou o mandatário de BH.

‘Reboladinha’

Quanto a restrição do uso de carros ‘hatch’, modelos mais vendidos no Brasil, como HB20, Ford Ka, Onix, o prefeito afirmou que não haverá alívio. Questionados sobre os taxistas terem isenções para trocarem de veículo, Kalil informou que este é um problema do Governo Federal. O prefeito de Belo Horizonte sugeriu aos motoristas que se mobilizem para conseguir incentivos.

“O táxi foi lá, cobrou um financiamento do BDMG, trocaram e colocaram aqueles táxis pretos. Então, quer dizer, todo mundo também tem que dar uma reboladinha, entendeu. Tá na hora de chegar [inaudível], tem que mexer a bunda”, afirma.

Após isso, Kalil reconhece as dificuldades criadas pelo decreto aos aplicativos. “Estamos criando um problema sim, para 99, Uber e Cabify, sabemos disso, assim como multas de táxis, como multas do Setra-BH, que é multa por minuto que eles estão tomando, e vamos para a Justiça cobrar deles quase 10 milhões de multas”, disse. “O poder público é assim, gente. O que a gente quer fazer é o melhor, regulamentar, organizar, chegar e falar não tem mais briga não tem mais nada”, complementou.

“Podemos bater boca aqui por três horas. O dinheiro do táxi fica no Brasil o da Uber não fica. Nós temos que vir no bom senso e resolver o problema da cidade de Belo Horizonte. A cidade é que vai multar, que vai pegar o hatch. A Guarda Municipal que vai pegar. No caso de isenção, também não vai dinheiro para São Francisco, fica aqui”, afirmou.

Procurada, a PBH e a assessoria do Kalil afirmaram que não vão comentar as falas do prefeito.

Traição

A transformação da regulamentação em decreto incomodou vereadores da base de Kalil na CMBH. A costura de Léo Burguês (PSL) para retirar a votação do PL 490 do plenário, revoltou o vereador Jair di Gregório (PP), que afirma que a ação de Burguês é covarde. “Uma vez que a base enfrentou e aprovou o Plano Diretor, correr de uma regulamentação me soou como um ato covarde por parte do nosso líder de governo. Ele me traiu e jogou nas minhas costas. Não aceito a maneira como ele conduziu as coisas”, afirma Gregório.

Jair argumenta que o decreto é mais frágil. “Sou contra o decreto, por mais que eu respeite muito o prefeito. O decreto pode ser derrubado por liminar, pode ser judicializado etc. Fui um leão para lutar pelo plano diretor e, agora, se acovardar diante de meia dúzia de aplicativos não me parece a melhor escolha”, conclui.

O BHAZ tentou contato com o vereador Léo Burguês, mas não conseguiu retorno.

Aplicativos

Procuradas, os aplicativos se posicionaram sobre a regulamentação em Belo Horizonte. Confira as notas abaixo:

99POP

 “A 99 acompanha as discussões do projeto de Lei 490/2018 desde o início e o considera prejudicial à mobilidade de Belo Horizonte.

Apesar do prazo de transição (5 anos), a emenda, dificulta que 70% dos motoristas hoje cadastrados possam ter oportunidade de geração de renda para suas famílias.

A proposta também limita o direito de escolha dos usuários de aplicativos que utilizam a modalidade como opção de transporte na capital mineira.

Defendemos uma regulamentação equilibrada como o texto original apresentado pelo Poder Executivo. A 99 apoia o amplo debate democrático sobre a regulamentação de aplicativos com a participação de toda sociedade, Prefeitura e BHTrans”. 

Cabify

“A empresa afirma que esteve presente na reunião nesta terça-feira, 25/06, junto com as autoridades locais e outros players do mercado e reforça que sempre buscou e busca construir uma cultura de diálogo e transparência com o Poder Público, a fim de desenvolver, junto com as autoridades e órgãos reguladores, uma regulamentação equilibrada e justa para todos os envolvidos no negócio: municípios, usuários, motoristas parceiros e as empresas de aplicativo.

A Cabify entende que o PL 490/18 impõe obrigações que ensejam ônus às empresas, pois restringe a atividade e impede a atuação de diversos condutores de Belo Horizonte, cerceando o seu direito de utilizar a plataforma e, por consequência, diminuindo sua renda familiar. Sendo assim, a Cabify apoia irrestritamente os seus motoristas parceiros e repudia qualquer determinação da Prefeitura e da Câmara Municipal de Belo Horizonte que venha a ser prejudicial para a categoria. A empresa esclarece, ainda, que não abre dados sobre o número de motoristas cadastrados em sua base”.

Uber

“O projeto de lei 490/2018, aprovado em dezembro pela Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, representou um passo na direção de uma regulação moderna para a cidade, levando em conta os milhares de motoristas parceiros e usuários da Uber.

Porém, foram apresentadas diversas emendas ao PL 490/2018, que ignoram a inconstitucionalidade de diversos pontos propostos, como a determinação do tipo de modelo permitido ou a estipulação da potência mínima do veículo. Modelos populares na Uber, como Hyundai HB20, Ford Ka, GM Onix e Renault Sandero, por exemplo, estariam proibidos. As medidas, incorporadas ao projeto em relatório da Comissão de Administração Pública,  extrapolam a competência do município e vão gerar um grave impacto para milhares de motoristas e usuários. Com as novas regras, incluindo a idade máxima do veículo, a estimativa é que 25 mil motoristas parceiros da Uber na região sejam impactados e percam a oportunidade de gerar renda.

Esses assuntos já foram debatidos e resolvidos pela Lei Federal 13.640/ 2018, que estabeleceu a competência dos municípios para regulamentar o serviço, mas não a tecnologia dos aplicativos ou o modelo de negócio das empresas do setor, por exemplo. Recente decisão do Supremo Tribunal Federal, de repercussão geral, ratificou que os municípios que optarem pela regulamentação não podem contrariar ou estabelecer requisitos adicionais àqueles já estabelecidos na Lei Federal.  

Ao apoiar essas emendas, a Prefeitura ignora o diálogo construído ao longo de 2018 pelo governo, sociedade civil e empresas, e determina o fim do modelo flexível originalmente proposto aos motoristas parceiros. Essas mudanças também aumentam os riscos do projeto ser mais uma vez questionado judicialmente, como aconteceu com o Decreto do Prefeito Alexandre Kalil em 2018.

Sobre o impacto da limitação

O limite de idade de cinco anos e a definição do tipo de veículo que pode se cadastrar na plataforma são extremamente prejudiciais ao transporte individual privado: dificultariam a oportunidade de geração de renda de 25 mil motoristas parceiros da região e, por esse motivo, elevariam preços e reduziriam a oferta aos usuários que já confiam no serviço para se deslocar quando precisam. Proibir veículos com mais de cinco anos de fabricação — situação de 81% da frota de Minas Gerais, segundo o Denatran — excluiria dos aplicativos sobretudo quem mais precisa de oportunidades de trabalho e deslocamento, pois em regiões mais periféricas, onde há menos opções de transporte e quase nenhum táxi, a idade dos carros cadastrados na Uber é particularmente mais avançada. Além disso, é importante pontuar que BH vai na contramão de diversas outras capitais, que estabeleceram a idade veicular em 8 anos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Brasília”.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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