Maternidade concluída há 10 anos está fechada e se deteriora; PBH estuda dar outro destino ao local

Estrutura que está se deteriorando tem sete suítes privativas, seis delas com banheira para ajudar no parto (Facebook/Nasce Leonina/Reprodução

Planejada para ser um espaço de humanização do pré-parto, parto e pós-parto (PPP), a Maternidade e o Centro de Parto Normal Leonina Leonor Ribeiro, em Venda Nova, está fechada há exatos 10 anos, com infraestrutura e equipamentos novíssimos – nunca usados e se deteriorando. Além disso, corre o risco de não cumprir sua finalidade: a Prefeitura de Belo Horizonte pretende dar outra destinação ao local, transformando-o em um centro especializado da mulher, mas apenas com atendimento ambulatorial.

Uma vistoria técnica dos conselheiros municipais de saúde de BH e de integrantes do Movimento de Mulheres da Câmara Técnica de Controle, Avaliação e Municipalização que compõe o Conselho Municipal será feita nesta sexta-feira (12), às 9h. O movimento reivindica a abertura do complexo, como foi prometido pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD), durante a campanha eleitoral de 2017. No entanto, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) informou que não abrirá a maternidade.

Uma vistoria solicitada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) também seria feita nesta sexta-feira, mas foi adiada para agosto, por falta de agenda de técnicos municipais, de acordo com a assessoria da deputada estadual Marília Campos (PT), coordenadora da comissão da ALMG.

Estrutura para atender 350 partos/mês

A Maternidade Leonina Leonor, que ocupa o segundo e terceiro andares do prédio do antigo hospital Dom Bosco, onde funciona atualmente a UPA Venda Nova, na rua Padre Pedro Pinto, foi totalmente reformada e adaptada com 32 leitos para atender, em média, 350 partos por mês. Tem também sete suítes privativas, sendo seis com banheiras para auxiliar as mulheres na hora de dar à luz e amenizar a dor.

A abertura da maternidade se arrasta desde o governo do ex-prefeito Marcio Lacerda (então PSB). Seu funcionamento se somaria ao atendimento da Maternidade Sofia Felman, na região Norte, que é referência em atendimento 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos partos humanizados e de alto risco na capital, atendendo 900 partos/mês.

Recomendação do MPMG

A obra para adaptação do antigo Dom Bosco na maternidade foi concluída em 2009. O local nunca foi inaugurado como maternidade. Mas nunca foi aberta ao público. Foram gastos R$ 4,9 milhões à época.

Em 2017, o promotor de Justiça de Defesa da Saúde, Nélio Costa Dutra Júnior, recomendou à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a abertura da maternidade. No documento, Dutra Júnior considerava que o funcionamento da unidade em Venda Nova desafogaria as demais maternidades de Belo Horizonte que, naquela época, estavam com lotação máxima. Uma situação não muito diferente da atualidade.

O assunto voltou à tona em uma audiência pública na Câmara Municipal em outubro de 2018, quando vereadores programaram nova vistoria técnica ao local e constataram a deterioração da estrutura, com rachaduras nas paredes, e dos equipamentos comprados, como camas, berços e banheiras.

Berços estão largados em uma das salas da futura maternidade (Facebook/NasceLeonina/Reprodução)

Procurado pelo BHAZ na quarta-feira (3), o presidente da Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), vereador Bim da Ambulância (PSDB), informou que o assunto é conduzido entre os parlamentares pelo colega Gilson Reis (PCdoB).

Segundo Reis, a luta pela abertura da maternidade foi encampada por ele e outros colegas há quatro anos. De acordo com o vereador, a obra, iniciada e finalizada na primeira gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda, deixou a estrutura com salas especiais para o parto natural, área clínica, tudo muito bem organizado para acolher a demanda de Venda Nova e região.

“Entre 2017 e 2018, aprovei R$ 3 milhões para readequarmos a maternidade, com itens faltantes. Chegamos a fazer um termo de parceira com o Hospital Risoleta Neves, que está a um quilômetro da maternidade, caso fosse necessário um suporte de emergência, como CTI, mas a prefeitura não fez nada e o recurso não foi empenhado. No ano passado, quando estivemos no local, vimos que a estrutura está se deteriorando, com rachaduras a olho nu”, diz.

Segundo Reis, no ano passado, uma área da maternidade foi usada como espaço para atender casos de dengue e, agora, é um depósito de materiais da PBH. “Em fevereiro do ano passado, o prefeito Alexandre Kalil afirmou que até julho a maternidade estaria aberta e que, ao lado da Maternidade Sofia Feldman, BH seria a capital do parto humanizado. Ele roeu a corda e não cumpriu a promessa”, reclama o vereador.

Coletivo de mulheres cobra abertura

Desde sua concepção, o conceito de humanização do parto, respeito aos direitos da mulher em ter seu bebê de forma natural e assistida, esteve presente e o é até hoje. Isso porque um coletivo de mulheres ligadas a movimentos sociais e pelo parto natural e humanizado de Belo Horizonte e até nacional criaram o movimento Nasce Leonina, para pressionar o poder público a abrir a maternidade.

Para a ativista social do movimento Parto do Princípio, Polly do Amaral, que integra o Nasce Leonina, o caso é emblemático. “A unidade está em acordo com toda a recomendação e regulamentação de atenção ao parto da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Ministério da Saúde e OMS (Organização Mundial de Saúde). Sempre vimos essa maternidade como uma revolução na assistência ao parto em Belo Horizonte, principalmente porque propõe um modelo contrário ao modelo obstétrico violento que ainda é praticado, com práticas obsoletas”, diz.

Seis suítes privativas têm banheiras para alívio da dor na hora do parto (Facebook/Nasce Leonina/Reprodução)

De acordo com Polly, 70% das gestantes de Venda Nova precisam buscar auxílio na hora do parto fora de sua regional. Além suprir leitos na região, somando aos atendimentos do Risoleta Neves, a Leonina Leonor atenderia a demanda da Região Norte de BH, com enfermeiras obstétricas, doulas e todo o aparato necessário para a mulher se sentir acolhida.

“O que sabemos agora é que a PBH quer construir uma nova maternidade no hospital Odilon Behrens. Entendemos que todas as maternidades públicas da capital precisam ser melhoradas, mas pensamos que a prioridade deva ser dada ao local que já está pronto e não investir dinheiro em uma nova construção”, pondera.

A ativista informou ainda que durante a Conferência Municipal de Saúde de 2017 a abertura da Maternidade Leonina Leonor foi eleita como a segunda prioridade para a cidade. “A demanda é muito grande por essa unidade de saúde e o poder público está desconsiderando, inclusive, o alto investimento já feito lá”.

O movimento Nasce Leonina criou uma página no Facebook e produziu um vídeo, com com depoimentos e imagens do local. Assista:

Para a doula Júlia Braga, a abertura da Leonina Leonar somaria esforços e atendimento de qualidade ao trabalho desenvolvido na Maternidade Sofia Feldman. “Trabalho lá e estamos sempre sobrecarregados. No ano passado, foi necessário fazer corte de 20%, por questões financeiras. Vejo o exemplo do Sofia como singular nesse atendimento em Belo Horizonte, que já tem outras maternidades, particulares, que trabalham o conceito de humanização do parto, mas não tão bem como pela rede pública”, argumenta.

De acordo com a Maternidade Sofia Feldman, instituição filantrópica, sem fins lucrativos, com atendimento exclusivo pelo SUS, “no segundo semestre de 2018, em função de atrasos salariais e a consequente redução de pessoal, houve uma redução em torno de 20% do número de partos, na maioria de casos de alto risco, havendo também uma redução de mais de 50% de internações na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neo). Hoje, a situação está normalizada com todos os leitos em pleno funcionamento”.

Por meio de nota, a instituição informou que “continua em busca do financiamento adequado, isonômico e que nos permita continuar garantindo o direito à saúde como descrito no art. 196 da Constituição Federal”.

Acesso à maternidade Leonina, feito pela lateral da UPA (Facebook/NasceLeonina/Reprodução)

Nova destinação à maternidade

Procurada pelo BHAZ no último dia 4 para esclarecer a situação da Maternidade Leonina Leonor, a diretora de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA), Renata Mascarenhas, disse que a proposta desenhada atualmente – e que foi apresentada ao Conselho Municipal de Saúde, há 15 dias – é de dar outra destinação ao espaço.

“Queremos criar ali um núcleo de mulheres para atender os mais diversos casos – desde mulheres que estejam no climatério, aquelas em situação de violência, mulheres com trajetória de vida nas ruas. Seria um atendimento ambulatorial, e não hospitalar, como previa a maternidade”, diz Renata.

Custo de R$ 31 milhões/ano

Segundo a SMSA, estudos sobre a viabilidade em relação à Maternidade Leonina Leonor indicaram que são necessários mais investimentos para término da obra, em torno de R$ 5,1 milhões para aquisição de outros equipamentos. O custeio anual da unidade seria de R$ 31,2 milhões.

“Diante do estudo realizado em relação ao custo para abertura e custeio da maternidade e a oferta de serviços na capital que atende a demanda, a secretaria concluiu que no momento há outras prioridades que devem ser atendidas. Nossa ideia é fortalecer as sete maternidades públicas da cidade que já têm práticas exitosas – Risoleta Neves, Odete Valadares, Hospital das Clínicas/UFMG, Júlia Kubitschek, Odilon Behrens, Santa Casa e Sofia Feldman. Os recursos nesse investimento serão bem menos volumosos do que criar a nova maternidade”, esclarece Renata Mascarenhas.

A diretora da SMSA ressaltou ainda que a proposta é criar no espaço destinado à Leonina Leonor um centro de atenção com várias atividades voltadas para o atendimento da mulher, como acompanhamento de gravidez de alto risco, mulheres em processo de menopausa, colocação de DIU, exames citopatológicos, atendimento a jovens adolescentes, grávidas e não grávidas e também casos de mulheres em vulnerabilidade social.

“Esse é um tipo de centro que não temos hoje e é uma carência do município. A proposta é ter uma equipe multiprofissional que faça esse atendimento em nível ambulatorial. O projeto foi apresentado ao Conselho Municipal de Saúde e criamos um grupo de trabalho, com representantes de movimentos sociais, para ouvirmos o que a sociedade tem a dizer”, complementa Renata.

Questionada sobre quais seriam os valores para a implantação desse centro e a quantia repassada às unidades já em funcionamento na capital, a diretora da SMSA não soube precisar o montante, que ainda não foi levantado. “Estamos num cenário de situação econômica no cenário nacional e local difícil. E é prioridade do prefeito Alexandre Kalil e da Secretaria de Saúde priorizar ações para melhor atender as demandas da população”.

A Secretaria Municipal de Saúde informou ainda que as maternidades SUS-BH são monitoradas pela pasta e participam do Projeto Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia (ApiceOn), aprimorando ainda mais as práticas para o parto normal, humanizado, com práticas minimamente intervencionistas.

Das sete maternidades SUS-BH, cinco participam da Rede Cegonha, com foco nas melhores práticas e humanização do atendimento, sendo monitoradas pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde e SMSA. Dados de avaliação de qualidade e humanização são coletados, inclusive, com coleta sistemática de entrevistas com parturientes.

As sete maternidades SUS-BH participam da formação das doulas, incentivando métodos não-farmacológicos de alívio da dor, melhoria da assistência e maior humanização do atendimento ao nascimento.

O perfil dos nascimentos em BH por tipo de parto, segundo informações da SMSA ao BHAZ:

 Número de nascidos vivos por tipo de parto, segundo ano do nascimento e ocorridos em Belo Horizonte, período 2017 a 2019*
Ano do nascimento201720182019*
Normal27.31726.5709.656
Cesárea22.72922.7958.038
Não informado1717.697

Fonte: SINASC/GVIGE/DPSV/SMSA

*Dados até 19/06/19

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