Por Rodolpho Barreto Sampaio Jr*
Os criminalistas que atuavam junto à 13ª. Vara Federal de Curitiba à época em que o atual Ministro Sérgio Moro era o titular, já diziam que o então juiz era sagaz. Para criar uma aura de imparcialidade, era condescendente em algumas decisões, poupando réus menos importantes. Ao mesmo tempo, pesava a mão contra aqueles que considerava mais relevantes. No quadro geral, parecia ponderado, distribuindo equilibradamente as penas. Não era demasiadamente rigoroso. Ao contrário, perseguia o aristotélico “caminho do meio”. Os advogados, no entanto, não se enganavam; nele não viam virtude, mas sim um estrategista que fazia o papel de falso bom: pequenas concessões e grandes maldades.
Mais tarde, quando vieram à tona as conversas nada republicanas entre Moro e Dallagnol, evidenciando a comunhão de interesses e a conjunção de esforços entre acusadores e julgador para condenar o ex-presidente Lula, pôde-se confirmar o que os advogados, reservadamente, já comentavam: Moro conduzia os processos de modo a condenar quem bem quisesse, aparentando, todavia, uma imparcialidade inexistente. Essa foi, certamente, a razão pela qual consignou, na primeira sentença condenatória envolvendo Lula, que em razão da dignidade do cargo que havia ocupado, o ex-presidente deveria ser recolhido a uma “sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior”, nas dependências da Polícia Federal em Curitiba.
Como questionar-se a imparcialidade do magistrado que tem tal deferência com o condenado? Ele tanto não tinha nenhuma predisposição contra Lula que lhe assegurou um local digno para o cumprimento da pena, livrando-o das masmorras medievais que se tornaram os presídios brasileiros.
Inexplicavelmente, tal deferência foi objeto de uma controvertida decisão proferida pela juíza federal Carolina Lebbos. Atendendo a um pedido formulado pela Polícia Federal, que alegava que a custódia do ex-presidente lhe era trabalhosa, determinou a magistrada a transferência de Lula para São Paulo, consignando expressamente que o ex-presidente não teria direito a cela especial ou a Sala de Estado Maior. Poucas horas depois, o juiz responsável pelas execuções penais em São Paulo selou o destino de Lula, designando-lhe o Presídio de Tremembé, sem qualquer menção à Sala de Estado Maior ou à cela especial. Oportunista, Dória ironizou a situação e afirmou que Lula teria o mesmo tratamento que os demais presos. E, mostrando que se arrependeu do “reposicionamento de marca” que tentara semana passada, ao renegar o movimento bolsodoria, acenou novamente à ala bolsonarista, agredindo gratuita e desnecessariamente o ex-presidente.
A verdade é que não fosse quem é, e não representasse o que representa, Lula já estaria solto. Motivos para isso não faltam: o cumprimento antecipado da pena, ao arrepio da Constituição da República, possibilitado pelo recuo de Rosa Weber; o direito à progressão da pena, reconhecido pelo próprio Ministério Público Federal (veja aqui) e, como não poderia deixar de ser, a óbvia perseguição política de que foi vítima, revelada inicialmente pelo The Intercept Brasil e posteriormente corroborada pela Folha de São Paulo, Veja, El País, UOL e pelo jornalista Reinaldo Azevedo. O que se viu, no entanto, foi uma tentativa de agravar a situação do ex-presidente, removendo-o da sala em que se encontrava e enviando-o a um presídio comum.
A reação foi imediata. No Congresso Nacional, a Reforma da Previdência foi deixada de lado para que mais de setenta deputados, de doze diferentes partidos políticos, se encontrassem com o presidente do STF. A Procuradora Geral, Raquel Dodge, insuspeita de querer beneficiar o ex-presidente, posicionou-se contra a transferência e, no próprio Supremo Tribunal Federal, dez dos onze ministros foram favoráveis à suspensão da transferência.
Qual o motivo real da malsinada decisão? Pode ter sido a genuína compreensão de que o transtorno causado pela presença do ex-presidente nas dependências da Polícia Federal não mais se justificaria? Sim, esse pode ter sido o verdadeiro motivo. No entanto, é, no mínimo, inocente ignorar os desdobramentos que essa decisão teria. A Polícia Federal, subordinada ao Ministro Moro, que elegera Lula seu adversário preferencial, pede a transferência do ex-presidente, o que é rapidamente deferido, determinando-se o seu envio para um presídio comum? Claro que essa sequência de fatos seria facilmente criticada. E não por outro motivo, o Supremo, de forma praticamente unânime, a repudiou.
É tão pouco plausível a hipótese acima que se abriu caminho para as mais variadas especulações. Nas redes sociais, cogitou-se que se pretendia permitir que Lula fosse morto em um presídio paulista; que se trataria de uma vingança contra as revelações da Vaza Jato, que desmoralizaram a Força Tarefa; que serviria para acossar o STF, jogando a opinião pública contra os ministros e mesmo que se trataria de medida tendente a esvaziar uma nova divulgação de inconfidências.
Como quer que seja, a decisão conturbou ainda mais o ambiente político. Inoportuna, mobilizou setores da sociedade, que defenderam uma espécie de “Fica Lula” e contribuiu ainda mais para reforçar o discurso de que o ex-presidente é um preso político. Uma discussão que, convenhamos, poderia muito bem ter sido evitada.
* Rodolpho Barreto Sampaio Jr é doutor em direito, professor universitário e membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG)