Cabulosas! No ano da criação, time feminino do Cruzeiro encanta e disputa final do Brasileirão A2

Amanda Dias/BHAZ

“Venha ver como é para deixar de falar essas bobagens”. A frase da goleadora Maria Eduarda – a Duda -, direcionada aos críticos do futebol feminino, exemplifica bem a excelência do jogo apresentado pelo Cruzeiro. No ano de criação, a equipe celeste disputa a primeira final contra o São Paulo com um trabalho digno do apelido de Cabulosas: é a equipe com mais triunfos e maior sequência vitoriosa, com 10 vitórias seguidas em 11 jogos (veja lista completa abaixo); e 35 gols marcados e apenas seis sofridos.

O duelo que inaugura o confronto final da Série A2 do Brasileiro ocorre neste domingo (18), às 14h, no estádio Pacaembu, na capital paulista – a Band transmite para a TV aberta. As Cabulosas, que já têm reservada a vaga na elite do futebol brasileiro em 2020, farão a partida derradeira no principal palco de Minas, o Mineirão, no dia 25 deste mês, também às 14h.

Se o Cruzeiro – assim como o Atlético e boa parte dos clubes tradicionais do Brasil – fez feio ao ignorar o futebol feminino até este ano, quando foi obrigado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) a montar um escrete com mulheres, o clube celeste está fazendo bonito logo no primeiro ano de vida. As Cabulosas aproveitaram a base do América, com 11 ex-jogadores, além da coordenadora de futebol, e já fazem história ao acumular recordes e goleadas – como um 7 a 0, ou um 5 a 1 contra o Vasco.

Thais Magalhães/CBF

Apesar de todo o sucesso inicial, as Cabulosas ainda precisam superar desafios frequentemente. O preconceito, o pouco espaço na mídia, o investimento ainda acanhado de clubes e organizadores – o local da finalíssima, em BH, só foi definido a menos de 10 dias para o confronto, e o time feminino treina longe da estrutura do Cruzeiro, no clube da PUC Minas, no bairro Coração Eucarístico, pra não disputar horário com a base masculina…

E você? Conhece o time que vem encantando o Brasileirão Feminino A2? Sabe da história da equipe recém-criada que promete levar muitas felicidades ao torcedor cruzeirense? Conhece as jogadores?

Então saiba um pouquinho disso tudo aqui:

Contra o sol

Renata treina ao lado das companheiras (Amanda Dias/BHAZ)

Sob sol forte, a goleira Renata Rodrigues se estica de um lado para o outro durante um forte treinamento. O sonho de defender a meta em um clube de ponta vem de longe.

“Eu já nasci com gosto pelo futebol. Jogava com os meus primos desde pequena, em casa. Meu pai sempre me levava nas peladas dele no fim de semana. Fui para a escolinha de futebol, fiz alguns testes e, em 2016, fui para o profissional”, conta a goleira cruzeirense.

O preconceito é algo que faz parte da rotina da jogadora, que não se deixa abater. “Melhorou bastante, mas ainda existe preconceito. As pessoas ainda falam: ‘Ah, o que essas mulheres estão fazendo aí?’; ‘Jogo ruim’; ‘Jogo chato’. Tem muito a melhorar ainda”, relata Renata.

“Não existe isso da mulher jogar bola e ter que receber menos, ou colocá-la em qualquer lugar. É a mesma modalidade, são as mesmas regras, não há motivos para ter diferenças. Mesmo sendo obrigatório [os clubes terem times femininos], os clubes estão começando a ver como um investimento o feminino”, completa.

Renata em um raro momento de intervalo (Amanda Dias/BHAZ)

Goleadora

A meio-campista Maria Eduarda, cuja fala abriu esta reportagem e é mais conhecida como Duda, é um dos grandes destaques da equipe. Com 11 gols, e o segundo lugar geral na artilharia do campeonato, ela sonha em ir mais longe, e conta o diferencial desse Cruzeiro vencedor.

“Acredito que é o elenco todo unido. O objetivo tem sido um só, que é esse Brasileiro. A comissão também está trabalhando muito bem. É muita garra aqui dentro de campo, e, lá fora, é muita união”, explica a artilheira.

Para a final contra o São Paulo, a jogadora divide os méritos e desafios com as companheiras. “A responsabilidade aqui dentro do Cruzeiro é geral, não é de uma ou outra atleta. Para eu sair bem em jogos, o time todo tem que estar bem. Ninguém está querendo mais que a outra, isso está sendo o diferencial”.

Maria Eduarda, a Duda, após o treino (Amanda Dias/BHAZ)

A jogadora quer a artilharia, mas muito mais que o prêmio individual, almeja o título. “Podem esperar um Cruzeiro muito forte, tanto fisicamente quanto mentalmente. Estamos treinando muito duro, e, como em todos os outros jogos, não vai faltar entrega de todo o time. Meu objetivo é sim alcançar a artilharia [geral], mas primeiro ajudar a equipe dentro de campo. Se der, consequentemente, sairei feliz”, completa.

DNA cruzeirense

Experiente, a coordenadora de futebol da equipe, Bárbara Fonseca, está a frente do time feminino. Ela teve uma passagem vitoriosa pelo América e conquistou o tricampeonato mineiro (16-17-18). Sobre a vinda para o Cruzeiro, Bárbara se sentiu honrada.

“Enxergo como uma oportunidade. A responsabilidade é tamanha, você defender uma camisa que tem no DNA sempre chegar em finais, disputar títulos… A responsabilidade é absurda, mas encaro como uma oportunidade e, dessa forma, eu busquei no mercado profissionais de excelência. Um elenco também que já estivesse preparado para representar essa camisa, e graças a esse trabalho que está sendo muito bem feito, temos colhido os frutos”, explica a coordenadora.

Com uma grande torcida, Bárbara enxerga que o futebol feminino também tem ganhado espaço. “No primeiro jogo foram 400 torcedores, já no último, contra o Grêmio, foram quase mil. Podemos afirmar que essa estranheza com o futebol feminino está sendo quebrada. A torcida está começando a consumir, e entendemos que isso será passo a passo, com vitórias, competições, com atletas que despontem na mídia, e vamos atraindo esse torcedor. Essa estranheza deixará de existir”.

“Alterar a cultura de um povo é algo muito difícil. O preconceito já foi muito maior. As redes sociais são o termômetro disso, uma ligação com o torcedor. Percebemos que esse preconceito tem sido minimizado. A perspectiva é que, a partir do momento que começarmos a fazer belos trabalhos, e perceber que o futebol feminino tem sua qualidade, esse preconceito vai ser deixado de lado. Mas é lógico que isso demanda tempo”, completa a coordenadora.

Foco

Hoffmann Túlio treinou o América no fim do ano passado, e já passou pelas categorias de base de alguns time tradicionais do futebol de BH. Para ele, treinar mulheres é diferente.

O técnico Hoffmann Túlio comanda treino (Amanda Dias/BHAZ)

“A grande diferença entre treinar mulheres e homens é o foco que as meninas têm. As mulheres são muito focadas. A mulher, quando pega para fazer alguma coisa, faz muito bem. Isso transfere para o futebol. Quem assistiu a todos os jogos do Cruzeiro, viu que a gente não se prende a uma forma de jogar, viu que temos um modelo que se adapta ao adversário”, conta o técnico cruzeirense.

Mas, afinal, qual a receita para montar um time tão vencedor? “Tivemos muita liberdade da diretoria, suporte financeiro, futebol não se faz sem dinheiro. Outro ponto foi a escolha da Bárbara, que é a melhor coordenadora de Minas. Com isso, veio uma comissão competente, e trouxemos grandes jogadoras. A soma disso tudo tem dado grandes resultados”, explica Hoffmann.

Hoffmann Túlio comanda o Cruzeiro e projeta jogos contra o São Paulo (Amanda Dias/BHAZ)

Além disso, o nome do clube agrega um peso grande. “O Cruzeiro nasce um time vencedor por causa da marca. A modalidade feminina é nova, mas o clube não é. A grande sacada do Cruzeiro, na minha visão, é isso: entender o valor da sua marca, e por isso apostar muito alto. Trouxe uma boa gestora, comissão, jogadoras. Acredito que vai continuar sendo assim, e o valor dessa marca ‘Cruzeiro’ tem peso. Não é só o futebol feminino, é qualquer coisa que o clube tem disputado”, completa.

Campanha das Cabulosas:

  • Taubaté-SP 2×1 Cruzeiro – Joaquinzão/Taubaté-SP (1ª fase)
  • Cruzeiro 7×0 Aliança-GO – Estádio das Alterosas/BH (1ª fase)
  • Vasco 1×5 Cruzeiro – São Januário/RJ (1ª fase)
  • Cresspom-DF 0x4 Cruzeiro – Maria Abadia/Ceilândia-DF (1ª fase)
  • Cruzeiro 3×0 Fluminense – Estádio das Alterosas/BH (1ª fase)
  • Pinheirense-PA 1×4 Cruzeiro – Mangueirão/Belém-PA (Oitavas)
  • Cruzeiro 3×0 Pinheirense-PA – Estádio das Alterosas/BH (Oitavas)
  • Ceará 0x2 Cruzeiro – Presidente Vargas/Fortaleza-CE (Quartas)
  • Cruzeiro 2×1 Ceará – Estádio das Alterosas/BH (Quartas)
  • Grêmio 1×2 Cruzeiro – Vieirão/Gravataí-RS (Semi)
  • Cruzeiro 2×0 Grêmio – Estádio das Alterosas/BH (Semi)
  • São Paulo x Cruzeiro – Pacaembu/SP (Final) – 18/08/19
  • Cruzeiro x São Paulo – Mineirão/BH (Final) – 25/08/19

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).