‘Um desconhecido gozou em mim’: Passageira percebe crime sexual ao chegar no trabalho

IMAGEM ILUSTRATIVA (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Era terça-feira de manhã quando a jovem de 26 anos se preparava para mais um dia de trabalho. Como de costume, ela se aprontou e pegou o metrô. Mas, no caminho, uma desagradável surpresa. Um desconhecido, um agressor sexual. Esta poderia ser a história de apenas uma vítima, mas infelizmente é a realidade de mais de 97% das mulheres brasileiras com mais de 18 anos, conforme dados dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva divulgados ainda em junho (veja detalhes abaixo).

Na última terça-feira (13), a analista de sistemas Julia Anne embarcou no metrô da linha 2, no sentido Botafogo (RJ), entre às 9h45 e às 10h30, quando o crime contra ela ocorreu. A jovem conta, por meio de um desabafo publicado no Facebook, que tentou afastar-se do agressor o máximo que pode, mas que não foi o suficiente. A vítima descobriu que o homem ejaculou nela quando chegou ao trabalho. “Chorei, me tremi, saí de mim. Entrei em choque. E nenhuma palavra seria suficiente pra expressar o que eu senti quando a ficha caiu e eu me tranquei na cabine do banheiro do trabalho em prantos”, escreveu a passageira em parte do relato.

Ao BHAZ, Julia contou detalhes de como o crime ocorreu e disse esperar por justiça, para que outras mulheres não sejam mais vítimas de violência sexual e saibam como agir diante de situações parecidas. “Eu permaneci na porta do metrô até chegar no Maracanã, onde meu agressor entrou. O vagão estava cheio por conta do horário e eu percebi uma atitude suspeita. Me afastei, fui tentando me afastar, sair de perto dele. Tentei o máximo que pude, mas eu não percebi nada além disso. Ele desembarcou na estação Uruguaiana e eu fui até a final. Quando cheguei ao trabalho, percebi que estava suja de sêmen”, conta.

Jovem fez relato sobre crime sexual no Facebook (Reprodução/Facebook)

“Primeiro, achei que tinha me sujado em algum lugar, mas não imaginei o que era. Olhei minha bolsa para ver se tinha derramado algo. No banheiro eu me dei conta do que era e comecei a chorar, tremia muito e me tranquei por não saber o que fazer. Como eu ia contar para o meu chefe? Eu não tinha condições de trabalhar. Uma outra menina entrou no banheiro e me ouviu chorando. Ela trabalha no mesmo andar que eu, mas não nos conhecemos. Foi a primeira pessoa a me prestar solidariedade”, diz.

A analista ainda explica que, na sequência, uma amiga dela apareceu e passou a auxiliá-la. A jovem apenas pegou os objetos dela e foi para casa, sob a justificativa de que estava passando mal. Mais tarde, depois de ir à delegacia denunciar o crime, resolveu publicar o desabafo no Facebook.

“Ela [a menina que a ajudou] ficou parada por alguns segundos me olhando, como se não acreditasse naquilo. Vim para casa, fui na delegacia e me orientaram a levar minha roupa, tudo que estava sujo. Lá eu contei a maior quantidade de características que consegui lembrar do agressor. Eles ficaram com minhas roupas e me encaminharam para um psicólogo que atende mulheres vítimas de violência sexual”, explica.

‘Essa vergonha não é minha’

Além de processar tudo que ocorreu ao longo daquela manhã, a jovem ainda precisou encontrar forças para falar sobre o crime com a própria família. “Pra minha mãe eu liguei na hora e falei com ela. Ela ficou em choque também, mas me deu bastante apoio. Meu pai ficou bem revoltado”, relata. “Por mais que você se sinta suja, desrespeitada e violada, acima de tudo você se sente envergonhada. Mas essa vergonha não é minha. Não sou eu quem devo me sentir envergonhada”, pontua.

“Crimes sexuais são muito comuns e quase ninguém fala a respeito. Decidi escrever primeiro para botar para fora o que estava sentido, para passar por cima da vergonha, depois para prestar minha solidariedade para outras mulheres, além claro de informar sobre o que a gente deve fazer em situações como essa”, continua. “Eu tentei me limpar e a gente não deve fazer isso, eu deveria ter preservado o material biológico do agressor. Várias mulheres me procuraram depois do relato, a maioria delas para oferecer apoio e solidariedade. Algumas me mandaram fotos dos agressores delas para ver se era a mesma pessoa, já que foram modos parecidos, mas não identifiquei nenhum deles”, diz.

‘Você não está sozinha’

Questionada sobre como foi o primeiro dia depois do assédio sofrido, a vítima diz ter acordado “muito mal”. “No calor do momento, eu me senti muito mal, mas no dia seguinte acordei pensando ‘não acredito que isso aconteceu comigo’. Outras mulheres sofrem coisas piores, mas se eu me sinto tão mal pelo que ocorreu, como elas conseguem passar por cima? Pedi para continuar afastada do trabalho, preciso conversar com minha psicóloga”, conta. “Eu diria para mulheres que sofreram o mesmo: vocês não estão sozinhas. Acontece com muitas outras, e infelizmente você não é a primeira e não será a última, mas não precisa passar por isso sozinha”, finaliza.

Passageira foi vítima de assédio no metrô do Rio de Janeiro (Reprodução/Facebook)

Violência sexual no transporte

Uma pesquisa divulgada em junho deste ano pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em parceria com a Uber, confirmou que o assédio sexual está presente na maior parte das mulheres brasileiras. O estudo aponta que 97% dizem já ter sido vítimas de assédio em meios de transporte. Outras 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.

Para fazer a pesquisa sobre violência contra a mulher no transporte e entender os obstáculos e desafios que as mulheres enfrentam em sua locomoção pelas cidades todos os dias, foram ouvidas 1.081 brasileiras em diversas regiões do país e que utilizaram transporte público e por aplicativo nos três meses anteriores à data do início do estudo, em fevereiro deste ano.

Segundo o levantamento, 72% das entrevistadas dizem que o tempo de locomoção entre a casa e o trabalho influenciam na decisão de aceitar um emprego ou permanecer nele. Ainda assim, 46% das entrevistadas não se sentem confiantes para usar meios de transporte sem sofrer assédio sexual.

Yuran Khan/BHAZ

A segurança no meio de locomoção é o fator que mais preocupa as mulheres, que relatam situações das mais variadas, passando por olhares insistentes, cantadas indesejadas, comentários de cunho sexual, perseguição, e até mesmo passadas de mão ou homens que se esfregam no corpo da mulher se aproveitando da lotação. As citações de assédio no transporte público são mais numerosas do que nas outras alternativas. 

De acordo com a pesquisa, uma em cada quatro mulheres (75%) se sentem seguras quando usam transporte por aplicativo, número que passa para 68% entre as que mencionam o uso dos táxis, enquanto 26% se sentem seguras no transporte público.  Entre as entrevistadas, 55%  consideram que a denúncia dos abusadores é mais fácil no caso dos transportes por aplicativo, sendo esse meio, para 45%, o que dá mais chances de que os assediadores sejam punidos.  Para 91% das consultadas, o transporte por aplicativo melhorou sua capacidade de locomoção pela cidade e 94% afirmam que se sentem mais seguras sabendo que, se precisarem, podem chamar um transporte desse tipo para voltar para casa.

Yuran Khan/BHAZ

Para a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, é importante não apenas aplicar leis que criminalizem o assédio sexual no transporte. “É preciso também desenvolver políticas e mecanismos para prevenção, para garantir que as brasileiras possam se sentir seguras ao exercerem seu direito de ir e vir, garantindo também seu direito a uma vida sem violência. Para as mulheres que em sua maioria estudam e trabalham fora de casa, a segurança no deslocamento é uma questão essencial”, diz.

Segundo a diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva, Maíra Saruê Machado, o estudo aponta que as mulheres não têm segurança para se locomover pelas cidades. “Elas são assediadas, seja nas ruas ou nos meios de transporte, quando saem para trabalhar, levar as crianças para a escola, se divertir. Para que as mulheres tenham mais autonomia, precisamos de políticas de combate à violência que incluam o olhar para esses deslocamentos”.

Importunação sexual e estupro

Em setembro do ano passado, a Presidência da República sancionou a lei que pune os crimes de importunação sexual e divulgação de cenas de estupro. Ela tem como base o projeto (PL 5452/16) de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), aprovado pela Câmara dos Deputados quatro meses antes.

O crime de importunação sexual é caracterizado pela realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem sua anuência. O caso mais comum é o assédio sofrido por mulheres em meios de transporte coletivo, como ônibus e metrô. Antes, isso era considerado apenas uma contravenção penal, com pena de multa. Agora, quem praticá-lo poderá pegar de 1 a 5 anos de prisão.

Divulgação/Polícia Civil Santa Catarina

Também poderá receber a mesma pena quem vender ou divulgar cena de estupro por qualquer meio, seja fotografia, vídeo ou outro tipo de registro audiovisual. A pena será maior ainda caso o agressor tenha relação afetiva com a vítima.

Já o crime de estupro é previsto no art. 213, e consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Mesmo que não exista a conjunção carnal, o criminoso pode ser condenado a uma pena de reclusão de 6 a 10 anos.

Botão do pânico

Em novembro de 2018, a Guarda Municipal de Belo Horizonte atendeu a primeira ocorrência de importunação sexual no trânsito público da capital com acionamento do Botão do pânico. O dispositivo, que faz parte de ações preventivas da corporação, começou a ser implementado no fim do ano passado e tem como objetivo auxiliar mulheres vítimas de crimes sexuais em ônibus do transporte público na capital.

O “botão do pânico” funciona da seguinte maneira: caso percebam algum tipo de assédio dentro do coletivo ou sejam avisados pelas vítimas, os motoristas devem utilizar o dispositivo, que emitirá um alerta para o Centro Integrado de Operações da Prefeitura de Belo Horizonte (COP-BH), de onde o contato é feito com a Guarda Municipal. Acionado o botão, viaturas da Guarda ou da Polícia Militar são enviadas para a captura do agressor, sem que o ônibus precise parar.

O motorista é orientado a seguir viagem para que o criminoso não saia do veículo. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção, cerca de dois mil coletivos da capital já têm a ferramenta. Antes, ela era utilizada para casos de depredação e assalto. Ainda como complemento ao dispositivo e prevenção a possíveis casos de assédio, grupos compostos por quatro mulheres da Guarda Municipal passaram a atuar em diferentes linhas e horários do metrô e de linhas de ônibus.

Como denunciar?

Além do Botão do pânico, para denunciar casos de importunação sexual, vítimas e testemunhas podem entrar em contato com a Guarda Municipal por meio do telefone 153 e com a Polícia Militar pelo 190. No metrô, as denúncias podem ser feitas por meio de mensagens ou WhatsApp para o número (31) 99999-1108.


Roberth Costa[email protected]

De estagiário a redator, produtor, repórter e, desde 2021, coordenador da equipe de redação do BHAZ. Participou do processo de criação do portal em 2012; são 11 anos de aprendizado contínuo. Formado em Publicidade e Propaganda e aventureiro do ‘DDJ’ (Data Driven Journalism). Junto da equipe acumula 10 premiações por reportagens com o ‘DNA’ do BHAZ.

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