Caminhoneiros aproveitam brecha na fiscalização e põem vidas em risco pelos morros de BH

Gercom Leste/PBH + Divulgação/BHTrans + Divulgação/CBMMG

O grave acidente que resultou na morte de uma professora de 58 anos, na última segunda-feira (19), escancarou uma brecha na segurança do trânsito belo-horizontino: o tráfego desenfreado de caminhões em ruas íngremes da cidade, portanto, locais perigosos e consequentemente proibidos. As autoridades admitem a dificuldade em coibir a infração, que explodiu neste ano: saltou de 90, do primeiro semestre de 2018, para 1.236, no mesmo período deste ano.

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“É como uma arma apontada contra os outros, que pode disparar a qualquer hora”, resume o engenheiro e consultor em transporte e trânsito Osias Baptista. O – grave – problema existe, aparentemente potencializado pelo aumento da frota, mas não é fácil de ser solucionado, concordam autoridades e especialistas.

Segundo levantamento feito em conjunto pela BHTrans, Prodabel (Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte) e Instituto de Geociências da UFMG, a capital mineira possui milhares de trechos com alta declividade. Não à toa que BH é conhecida, entre outras características, pelas ladeiras.

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“Não tem jeito de fazer uma fiscalização pessoal. Não pode ter um policial em cada rua o tempo todo. O que é possível de ser feito é fiscalizar rotativamente e os motoristas que cometem esse tipo de infração saberem que existe a possibilidade de serem pegos em flagrante”, explica Baptista.

Segundo a BHTrans, existem 148 placas com restrição de circulação de caminhões instaladas em toda a cidade. Mas isso não quer dizer que 148 vias da capital mineira têm o tráfego proibido para esse tipo de veículo, já que um trecho pode ter mais de uma sinalização – e a empresa de trânsito não sabe precisar quantos.

“A topografia da cidade de Belo Horizonte, onde é grande o número de vias íngremes que demandam tal proibição, no entanto, é um fator que dificulta tal fiscalização”, admite a Guarda Municipal por nota (leia na íntegra abaixo). O outro órgão municipal responsável por fiscalizar, apesar de não poder multar, a BHTrans diz que a repressão é feita através de radares.

Portanto, caminho livre para os caminhoneiros em ruas de bairros, justamente onde há estrutura mais limitada das vias, já que existem apenas quatro aparelhos que vigiam essa infração – e apenas um numa via de bairro (veja detalhado abaixo).

Explosão de multas

Caso o motorista desrespeite as placas e circule pela via, pode ser autuado no artigo 574-63 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), referente ao trânsito de caminhões em local e horário não permitido pela regulamentação. A infração média prevê multa de R$ 130,16 e o condutor perde quatro pontos na carteira de habilitação.

Em 2019, o número de multas aplicadas neste tipo de infração explodiu. Em seis meses, as multas aplicadas superam todos os anos anteriores, desde 2015, conforme dados divulgados pelo Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran).

Para o especialista em trânsito, os dados têm dois lados: mostram o aumento na fiscalização e o desleixo no passado. “Ao meu ver, não estavam fiscalizando, pois não aumentou a quantidade de caminhão na rua. Estavam deixando rolar solto”, afirma.

“Agora, por alguma razão, felizmente, se ligaram a isso. E tem que multar mesmo. O pessoal reclama de indústria da multa, mas tem que multar, se tivesse multado o caminhão que causou o acidente, com certeza seria uma tragédia evitada. Colocou em risco a vida de outro, tem que ser multado”, diz Osias.

A fiscalização para este tipo de crime de trânsito fica a cargo da Guarda Civil Municipal, Polícia Militar e BHTrans, que não pode aplicar multas, mas fica responsável por acionar os guardas e policias quando flagra o crime.

Segundo o comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, o tenente-coronel Alisson de Lima, o aumento nos dados é fruto de um estudo de campo, apesar de ter ficado surpreso ao ser informado, pela reportagem, sobre a evolução.

“Mensalmente, nos reunimos com a BHTrans para levantar tipos de contravenções que estão em aumento na capital e aplicar ações em cima disso. Talvez, por isso, esse número tenha apresentado esse crescimento. O lado negativo é que os dados mostram que, por imprudência e falta de educação no trânsito, mais pessoas acabam ficando em risco de se envolverem em acidentes como o ocorrido nesta semana”, afirma.

São 148 placas com restrição de circulação de caminhões instaladas em BH (Divulgação/BHTrans)

Moradores da capital também podem acionar os agentes de trânsito ou a polícia quando visualizarem caminhões em vias proibidas. “A população tem que saber que isso é perigoso e tem que denunciar. Ligar imediatamente para a polícia e sair de perto de caminhão em situação de risco”, explica o especialista.

A Guarda Municipal afirma que o desrespeito às placas de “proibido o trânsito de caminhões” é uma prática combatida diariamente por meio da fiscalização, que ocorre por meio de patrulhamento preventivo feito pela corporação em toda a capital.

“A autuação ocorre todas as vezes que o guarda municipal se depara com a situação ou ainda quando há denúncia por parte da população, apontando locais onde esta infração ocorre de forma reincidente”, diz a Guarda.

Ainda de acordo com a corporação, “em 2018 foram registradas 15 ocorrências envolvendo o trânsito de caminhões em áreas proibidas, resultando em 29 autos de infração de trânsito (AITs) referentes a ‘transitar em local/ horário não permitido pela regulamentação – caminhão carga’. Em 2019, até o dia 31 de julho, foram registradas 17 ocorrências que resultaram em 25 autuações pelo mesmo motivo”, ressalta a corporação.

Radares

Fiscalização está instalada em ponto estratégico (Moisés Santos/BHAZ)

Além da fiscalização por meio de ronda, a capital conta com quatro equipamentos eletrônicos que flagram caminhões em trechos onde são proibidos. Os radares estão instalados em pontos estratégicos, onde o risco de acidente é maior. São eles:

  • Dois equipamentos eletrônicos instalados na avenida Nossa Senhora do Carmo, ativos desde 2012.
  • Um equipamento na descida da avenida do Contorno, no bairro Funcionários, ativo desde 2014.
  • Um equipamento na rua Haiti, no Sion, instalado em julho deste ano, depois de um levantamento da BHTrans mostrar que caminhões estavam usando a rua como rota, mesmo proibidos de passar no local, para sair da Nossa Senhora do Carmo.

Operação especial

Mas como fica para os moradores dessas ruas realizarem uma mudança ou mesmo retirar caçambas – necessária em caso de obras e construções? A BHTrans libera a Autorização Especial para Trânsito de Veículo (AETV). A medida faz com que a autarquia monte uma operação especial, em caso de necessidade, para que o veículo circule, em via proibida, por um determinado tempo.

No caso do caminhão que matou Ivanilda, na rua Professor Aníbal de Matos, além de estar em local proibido, o veículo não tinha a autorização especial da BHTrans.

Caminhão não tinha autorização para estar na via (CBMMG/Divulgação)

A AETV custa R$ 10,40 e demora dois dias úteis para ficar pronta. A autorização pode ser solicitada na BHTrans e no portal da empresa. Segundo a BHTrans, só em 2019, cerca de 3,9 mil autorizações especiais foram emitidas em BH.

Mas existem empresas e caminhoneiros que preferem assumir o risco a pagar R$ 10,40. Osias explica que, muitas vezes, os motoristas deixam de emitir a AETV pelo fato de que terão que passar por uma vistoria do caminhão e da rua, antes de prestar o serviço.

“Eles arriscam a sorte de não serem pegos pela fiscalização. Por conta disso, caso aconteça um acidente com vítimas, eles precisam responder por homicídio doloso ou dolo eventual, pois assumem o risco”, afirma o especialista em trânsito.

Nota da Guarda Municipal na íntegra:

“O desrespeito às placas de “proibido o trânsito de caminhões” é uma prática combatida diariamente pela Guarda Municipal por meio da fiscalização que ocorre dentro da rotina de patrulhamento preventivo feito pela corporação em toda a capital. A autuação ocorre todas as vezes que o guarda municipal se depara com a situação ou ainda quando há denúncia por parte da população, apontando locais onde esta infração ocorre de forma reincidente.

A topografia da cidade de Belo Horizonte, onde é grande o número de vias íngremes que demandam tal proibição, no entanto, é um fator que dificulta tal fiscalização. Porém, o empenho da Guarda Municipal em garantir o respeito à sinalização é constante e pode ser conferido com base nos levantamentos da Inspetoria de Estatística da GCMBH.

Em 2018 foram registradas 15 ocorrências envolvendo o trânsito de caminhões em áreas proibidas, resultando em 29 autos de infração de trânsito (AITs) referentes a “transitar em local/ horário não permitido pela regulamentação – caminhão carga”. Em 2019, até o dia 31 de julho, foram registradas 17 ocorrências que resultaram em 25 autuações pelo mesmo motivo”.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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