Um país distópico

Arquivo EBC + Reprodução/Twitter

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

São Paulo escurece no meio da tarde, encoberta pela fumaça da floresta em chamas. Rondônia é envolvida pela névoa das queimadas e, no Pará, fazendeiros celebram o sucesso do Dia do Fogo. No Rio de Janeiro, a polícia continua a assassinar a juventude negra enquanto os helicópteros assustam as crianças nas escolas, atirando a esmo pelas favelas; milícias e traficantes disputam palmo a palmo o território carioca e o governador comemora uma morte como se celebrasse a vitória de seu time de futebol.

Pelas ruas de todo país, vagam 28 milhões de desempregados, desalentados e subempregados, em busca de um posto de trabalho qualquer. A miséria aumenta, a fome aperta e a renda se concentra. Doenças antes erradicadas ensaiam o seu retorno, na trilha dos movimentos antivacina. O feminicídio dispara e a população LGBTQ+ se sente cada vez mais insegura.

Torturadores são considerados heróis nacionais e velhos generais de pijamas ameaçam os ministros do Supremo Tribunal Federal, prometendo uma nova ditadura se as suas decisões judiciais não lhes agradarem. Apaziguando os ânimos, espalha-se uma difusa crença evangélica, que ao mesmo tempo em que promete a prosperidade para os verdadeiramente fiéis, transfere para Ele a responsabilidade pela miséria individual. Como se diz: Deus dá o frio conforme o cobertor.

É certo que o desmatamento da Amazônia não começou no atual governo. Assim como a violência policial e doméstica, o domínio das regiões periféricas pelo tráfico, o crescimento das milícias, o trabalho infantil e escravo, a precarização do trabalho e a exaltação do autoritarismo. Esses são problemas estruturais, enraizados há tempos na sociedade brasileira.
Porém, o que se discute agora é o projeto de país que se pretende. Como seria o lugar em que gostaríamos que nossos filhos crescessem? Quais são as soluções para esse país distópico?

As respostas que o atual governo tem apresentado aprofundam a distopia: o tiro certeiro do sniper na cabecinha do bandido, para reduzir a criminalidade; a mineração nas terras indígenas, para tirá-los de seu atraso; vestir os meninos de azul e de rosa as meninas, e ensiná-los a serem gentis, para eliminar a violência de gênero; fabricar calcinhas, para acabar com os abusos sexuais. Para viabilizar o crescimento econômico, desmatar é uma boa solução, e a educação domiciliar e o trabalho infantil ensinarão às crianças os bons valores familiares. Gays e lésbicas voltam para o armário, negros, para as favelas, e as mulheres devem tomar cuidado para não intimidarem os homens. Impossibilita-se a aposentadoria, libera-se o trabalho aos domingos e feriados, precarizam-se as relações trabalhistas e atenuam-se as restrições ao trabalho escravo. Afinal, dizem que é melhor não ter direitos do que não ter trabalho.

Dando as cartas, há uma aliança entre a extrema-direita e líderes religiosos neopentecostais, que aparelha ideologicamente os órgãos estatais, elimina a representatividade democrática e reduz conselhos populares, censura a imprensa e a cultura. Uma liderança que quer um ministro terrivelmente evangélico; que pretende dar o filé mignon ao filho, indicando-o para o mais importante posto diplomático no exterior; que confunde deliberadamente a opinião pública, recorrendo a notícias falsas e que não podem ser comprovadas, como os médicos cubanos que criariam células terroristas e as ONG’s que ateariam fogo à floresta; que agride estados soberanos e seus mandatários, acentuando a polarização da sociedade a cada discurso.

Esse é o retrato de um país distópico e, com toda certeza, esse não é o legado que se pretende deixar para as gerações futuras.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é professor na PUC Minas e doutor em direito.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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