Mulher adota idosa com câncer abandonada pela filha: ‘É um carinho inexplicável’

Arquivo pessoal

A técnica de enfermagem Maria Verônica Grossi, de 34 anos, adotou uma idosa com câncer que sofria maus-tratos da própria filha, em Carangola, na Zona da Mata mineira. Maria Martins Ferreira, de 58 anos, teve a vida transformada a partir do amor que passou a receber da profissional da saúde. A idosa foi encontrada por Verônica com desnutrição gravíssima, após ficar cinco dias sem se alimentar, abandonada em casa.

Em entrevista ao BHAZ, Maria Verônica conta que Dona Maria vivia em Conceição, na zona rural do município de Carangola. “Eu a conheci há 8 anos, quando fazia visitas nas casas mais afastadas, com a minha moto. Eu ia na residência de idosos, para aferir pressão e outros cuidados. Ao fazer essa primeira visita, já vi que a situação era muito precária”, explica.

Segundo a técnica em enfermagem, já no início ela percebeu que havia algo de errado ali. “A filha dela, logo no primeiro momento, já não me aceitou bem. Parecia que ela não queria a visita do pessoal da saúde. Eu já notei que a Dona Maria tinha um problema de saúde. Ela tinha uns 40 e poucos anos, já não tinha cabelo e a pele já escamava. Cheguei a marcar vários exames, mas a filha não a deixava ir”, relata.

Dois anos depois, Dona Maria se mudou para perto da casa de Maria Verônica, o que facilitou a convivência entre as duas. Com a situação financeira complicada, a idosa sempre aparecia na porta da técnica de enfermagem para pedir alimentos.

Dona Maria e Verônica (Arquivo pessoal)

Abandonada por cinco dias

No final do ano passado, próximo ao Natal, a idosa não apareceu por cinco dias. “Minha mãe e Dona Maria sempre foram muito amigas. Ela veio me perguntar se eu a tinha visto nos últimos dias, e disse que não. Peguei a moto e fui lá ver o que estava acontecendo. Quando cheguei, me deparei com a casa toda revirada, toda aberta. Os quatro cachorros amarrados com arame farpado”, continuou.

A técnica de enfermagem começou a gritar pelo nome da idosa, que não respondeu. “Também gritei pela filha, que não falou nada. Quando cheguei na porta principal, que dava para a cozinha, me deparei com o quarto dela. Ela estava caída no chão, na beira da cama, achei que estivesse morta. Eu saí correndo e fui para casa, buscar ajuda do meu pai e o carro para socorrê-la”, conta Verônica emocionada.

“Chegamos para buscá-la, e ela não tinha sinal nenhum de violência. Colocamos ela dentro do carro, levamos para o hospital. Ela foi internada com uma desnutrição gravíssima, e com a pressão bem elevada. Com a medicação, ela foi voltando a si, mas muito perturbada. A mente dela só foi estabilizar cinco dias depois”, explicou a profissional.

Arquivo pessoal

Diagnóstico de câncer

A filha de Dona Maria só foi encontrada dias depois, e deixou claro para Verônica que não tinha interesse em cuidar da mãe. “Então eu fiquei cuidando dela no hospital. Uns 10 dias depois, a médica que estava com o caso dela, me mandou uma mensagem dizendo que havia feito uma tomografia detectada uma massa cística entre o pulmão e o coração, que seria um câncer. Aí meu mundo desabou, vi que a situação era muito mais séria”.

Mais uma vez, a filha da idosa foi procurada. “Eu expliquei a situação para ela, pedi pelo amor de Deus para que cuidasse dela. Mas ela, com o pé firme, me afirmou: ‘Eu não vou cuidar de uma pessoa totalmente tomada pelo câncer'”, relata.

Com a negativa da filha, Verônica foi para casa e pensou em uma solução. “Chamei o meu filho, de 14 anos, sentei com ele expliquei a situação. Disse que havia decidido uma coisa, mas que precisava muito da ajuda dele. Falei que não sei se conseguiríamos mais manter nosso padrão de vida, mas que queria adotar a Dona Maria. Na mesma hora ele virou e falou: ‘Mãe, claro, vamos adotar. Vamos trazer e cuidar dela. Não podemos deixá-la abandonada, eu ajudo a senhora'”.

No outro dia, a técnica de enfermagem voltou ao hospital e foi conversar com Dona Maria. “Eu falei que precisava falar de um assunto muito sério com ela. Expliquei que a filha dela não viria buscá-la, disse que não queria enganá-la quanto a isso. Ela sempre perguntava pela filha, do motivo dela não estar vindo. Contei tudo, mas disse que não precisava se preocupar pois, mesmo ela não querendo, eu queria. Perguntei se ela queria ir morar comigo. Ela agarrou na minha mão, chorando e disse: ‘Minha filha, você vai me tirar desse sofrimento? Eu quero'”.

Assim que saiu do quarto, Verônica foi na sala de assistência social do hospital, e relatou todos os fatos. “Assumi toda a responsabilidade pela Dona Maria, disse que tudo que ela precisasse, eu iria tomar frente”, continuou. A assistente social preparou um termo em que a filha abriria mão da mãe, e ela assinou de imediato. “Ela foi no hospital somente para assinar esse papel e, a partir daí, nunca mais apareceu”.

Arquivo pessoal

Doações

Atualmente, Dona Maria faz um tratamento em Carangola e também no Hospital do Câncer, em Muriaé. “Ela precisa fazer uma cirurgia no peito, mas por enquanto ainda não tem condições físicas, já que está se reabilitando ainda”.

“Hoje a gente vive de doações, já que o que mantem nossa casa é o meu salário do hospital. Até as roupas da Dona Maria, a filha queimou, não devolveu nada. Ela foi lá para casa com o pijama do hospital. A igreja nos ajudou bastante doando outras roupas”, desabafa.

Mesmo com o desprezo da filha pela mãe, Dona Maria ainda guarda sentimentos bons. “Ela já me pediu fotos da filha algumas vezes. Eu olho para ela e pergunto o motivo das fotos, aí ela me responde: ‘Não gosto dela não, sua boba, é só para guardar de recordação’. Eu vejo que ela ainda gosta muito da filha. Eu tenho muito medo de perdê-la. Ela diz que nunca vai me deixar que me ama, um verdadeiro amor de mãe e filha mesmo”.

Agora, Verônica luta na Justiça para ter a interdição definitiva de Dona Maria. “Quero que ela tenha o meu sobrenome, que seja tudo oficializado de vez. Considero ela como minha filha. É um carinho inexplicável”, completa.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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