Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*
O antigo provérbio latino “as palavras voam, mas o que foi escrito permanece”, nunca foi tão atual. Tanto o presidente quanto a mulher do ministro da Justiça tentaram apagar as mensagens machistas que postaram no Twitter. Foi uma vã tentativa. No mundo virtual, as postagens nas redes sociais são imediatamente compartilhadas, copiadas e reproduzidas. É impossível tirá-las de circulação. Como diziam os romanos, scripta manent!
E são justamente as mensagens que procuraram apagar que nos permitem conhecer o papel secundário que o presidente e a conje do ministro atribuem às mulheres.
O sexagenário misógino, que se casou pela terceira vez com a jovem secretária parlamentar, quase três décadas mais jovem, não fugiu do clichê: trocou sua segunda mulher, mãe de um de seus filhos, por um troféu, que orgulhosamente exibe como símbolo de seu imaginário sucesso no universo masculino.
Ao se deparar com a rude postagem em que a juventude de sua mulher é contraposta à madura imagem da primeira-dama francesa, agiu com a maturidade de um adolescente: pediu ao seu seguidor que não humilhasse Macron. Afinal, em sua concepção, deveria sentir-se diminuído o homem que se mantivesse casado com uma mulher mais velha.
Seria esperar demais que o presidente aproveitasse a oportunidade para mostrar-se cavalheiro. Ele nunca fez questão de se passar por um… Seria também esperar demais que ele aproveitasse a oportunidade e se posicionasse firmemente acerca da situação da mulher no Brasil.
Ele poderia ter defendido a necessidade de se conferir tratamento isonômico a homens e mulheres; poderia ter protestado contra a violência doméstica ou chamado a atenção para o aumento de feminicídios; enfim, poderia ter utilizado aquele momento para dizer que um homem não inveja o outro porque a mulher deste é mais jovem, mais bonita ou tem o corpo bem torneado. Mas não: o presidente não contrariaria a sua natureza. Para quem já disse que algumas mulheres não merecem ser estupradas e que a maternidade justifica um salário menor, não há nada errado em destilar seu preconceito para milhões de pessoas que o seguem no twitter.
Do mesmo modo, não parece, para ele, ser um problema o aumento nos casos de feminicídio, a epidêmica violência doméstica e o abuso de mulheres. Afinal, em sua torta visão de mundo, isso se resolve na base da bala…
Impressionante é que essa visão seja compartilhada até mesmo pela mulher do ministro da Justiça. Em recente postagem, a advogada ironiza as feministas, ao exibir suas prendas domésticas… Talvez não saiba que somente chegou a sua condição atual graças à atuação de mulheres que, ao longo dos anos, lutaram para que tivessem acesso à educação, ao voto, à representação política, enfim, à igualdade de direitos.
Ambos, ao tentarem apagar os tweets em que evidenciam o desprezo pela condição feminina, simplesmente reafirmaram a sua visão distorcida e preconceituosa. Não agiram por terem reconhecido seu equívoco, mas sim para esconder seu próprio machismo.
Oscar Wilde, em sua famosa obra “o retrato de Dorian Gray”, conta a história do indivíduo que, após ter feito um pacto com o diabo, não envelhece. Todas as marcas do tempo são registradas no quadro que o retrata. É a imagem que envelhece e nela transparecem todos os desvios por ele cometidos em sua vida. Enquanto ele continua jovem, seu retrato a imagem no retrato é assustadora. Infelizmente, no país de hoje, podemos dizer que Bolsonaro é a imagem que o Brasil vê em seu retrato.
* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário. Foi o primeiro presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG e é membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.