‘Amar a Jesus nem sempre cura a depressão’: Pastor comete suicídio e levanta debate

Harvest Christian Fellowship/Divulgação

O pastor norte-americano Jarrid Wilson, de 30 anos, cometeu suicídio na noite dessa segunda-feira (9). O religioso atuava há 18 meses como conselheiro de saúde mental na Harvest Christian Fellowship, na Califórnia (EUA). Em entrevista ao BHAZ, um especialista alerta que o suicídio deve ser discutido abertamente, para evitar a perda de pessoas pela doença. Além dele, um teólogo também comentou o assunto. Ele fez uma análise a respeito dos dois lados da religião quando o tema é autoextermínio, e ainda falou sobre o fardo que as lideranças religiosas carregam.

Wilson enfrentava depressão, tinha pensamentos suicidas e chegou a postar um desabafo sobre sua situação no dia do autoextermínio. Nas redes sociais, iniciou-se um debate sobre a religião e como a depressão é vista. É válido lembrar também que estamos no “Setembro Amarelo”, mês em que é realizada uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio.

“Amar a Jesus nem sempre cura pensamentos suicidas. Amar a Jesus nem sempre cura a depressão. Amar a Jesus nem sempre cura o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Amar a Jesus nem sempre cura a ansiedade. Mas isso não significa que Jesus não nos oferece companhia e consolo. Ele sempre faz isso”, escreveu o pastor na tarde de segunda-feira, pouco antes de tirar a própria vida.

Fabrício Vélik, doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), explica que temos os dois lados da relação da religião com o suicídio.

“Em um primeiro momento, temos religiões de matrizes cristãs que favorecem ao suicídio, no sentido da opressão muitas vezes moral, de uma maneira reta para agradar a Deus. Coloca-se um fardo muito pesado sobre diversos fiéis. E eles por muitas vezes não conseguem cumprir essas demandas, caem em um estágio depressivo, começam a se sentir muito culpados e chegam às vias finais do suicídio”, explica.

Por outro lado, segundo o teólogo, a religião tem o poder de afastar essa ideia do suicídio. “Seria como uma comunidade terapêutica, no sentido de pensar em um Deus que ama, que está presente junto ao sofrimento humano. No caso do cristianismo, como Deus também sofreu na cruz, ele também entende o nosso sofrimento. Nesse sentido, a religião serve como instrumento de conforto”, relata o teólogo.

No caso dos pastores e padres, por exemplo, o fardo pode ser algo muito grande. “Eles lidam com muitos problemas dos membros das igrejas que eles lideram. Com isso, além dos problemas pessoais, essas figuras ainda precisam lidar com problemas dos fiéis, fica uma situação muito difícil”, completa.

Despedida

Wilson pregava em uma famosa igreja, a Haverst Christian. Ele deixa a mulher, Julianne Wilson, e os filhos, Finch e Denham. Pelo Instagram, Julianne postou um vídeo do marido brincando com o filho e externou a dor da perda.

“Sinto sua falta além do que meu coração pode suportar. Obrigado por amar nossos meninos e a mim com a maior paixão e altruísmo que já vi ou senti em toda a minha vida. Eu faria qualquer coisa por um abraço seu agora. Os meninos e eu sentimos tanto a sua falta. Eu também te amo. Muito mais do que você jamais poderia saber. Gostaria de poder dizer isso agora. Todos nós gostaríamos”, escreveu.

Por meio das redes sociais, o pastor Greg Laurie, fundador da igreja, disse que ficou em choque com a notícia e elogiou a trajetória de Jarrid Wilson.

“Às vezes as pessoas podem pensar que, como pastores ou líderes espirituais, estamos de alguma forma acima da dor e das lutas das pessoas comuns. Nós é que devemos ter todas as respostas. Mas nós não. No final do dia, os pastores são apenas pessoas que precisam alcançar Deus por Sua ajuda e força todos os dias”, escreveu o pastor.

Para Laurie, o pastor foi muito forte e está no céu. “Ao longo dos anos, descobri que as pessoas falam sobre o que mais lutam. Um momento sombrio na vida de um cristão não pode desfazer o que Cristo fez por nós na cruz. Sabemos que Jarrid depositou sua fé em Jesus Cristo e também sabemos que ele está no céu agora. Mantemos a promessa de Apocalipse 21: 4, que nos lembra que no Céu não há mais tristeza, sofrimento ou morte. A família Harvest perdeu uma luz brilhante. Orem por nós enquanto lamentamos juntos”, completou.

Outras pessoas também se manifestaram sobre a morte do pastor. Veja a repercussão:

É importante falar sobre suicídio

Para Frederico Garcia, professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG, a religiosidade é um fator de proteção para a doença mental. “Quando a pessoa pratica sua fé, não tem um valor terapêutico, mas de prevenção. Sabemos que o grupo social que é criado para a religião ajuda as pessoas a buscarem auxílio umas nas outras. Porém, ela não pode ser vista como um tratamento, não é a função dela. Quem faz tratamento é médico, psicólogo, ou outro profissional da área de saúde”.

O especialista alerta que é preciso falar abertamente sobre suicídio “Uma das coisas que é um mito, que precisamos desfazer é a ideia de que falar sobre suicídio, sobre a vontade de querer morrer, estimula isso nas pessoas. É exatamente o contrário. Muitas vezes, quando abordamos esse assunto com a pessoa que está sofrendo com isso, acabamos conseguindo ter acesso ao sofrimento dela, e diminuí-lo, conversando e tentando ajudar”.

“As pessoas não devem esquecer que a ideia suicida, o pensamento em morrer, não é algo fisiológico, mas sempre patológico. Ou seja, precisa ser avaliado de forma profissional, por um médico”, explica o professor. Para o profissional, o suicídio deve ser tratado como qualquer doença. “Da mesmo forma como consideramos o infarto uma urgência médica, o suicídio também é, e precisa de uma avaliação pronta, para não perdermos essas pessoas. É preciso atuar, sempre, na prevenção”.

A depressão é a doença do século, e suas causas têm explicação científica. “Uma das causas engloba a falta de modulação de neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina e dopamina. Quando isso acontece, a pessoa começa a apresentar sintomas de tristeza e desânimo”, explica.

Contudo, o médico diz que o mais característico da depressão é a anedonia, que é uma dificuldade de perceber ou sentir prazer. “Fala-se pouco dela, mas é um sintoma muito característico. Quando a pessoa não tem mais tesão com nada, não consegue ter vontade de fazer as coisas, aparece uma série de consequências indicadoras que a pessoa não está mais percebendo as coisas boas da vida”, continua.

Outras características da depressão são o excesso de ansiedade, dificuldade para manter o sono, um cansaço, fadiga, o tempo inteiro. “Todos esses são sintomas muito típicos da doença. O problema maior desses sintomas é que eles levam nosso pensamento a entrar em um estado de desesperança e desespero. E é isso que acaba levando algumas pessoas no intuito de querer ficar livre dessas sensações, sentimentos muitos desagradáveis. Com isso, elas tentam ou de fato conseguem o suicídio”.

É importante que as pessoas que estão próximas fiquem atentas a uma mudança de comportamento nesse sentido. “Se a pessoa estiver isolada, com muito sofrimento, algo que dure mais de uma, duas semanas, é hora de intervir, conversar. Perguntar o que está passando pela cabeça dela, o que pode estar causando esse sofrimento, como ela está se sentindo. Caso as falas sobre suicídio aumentem, é preciso levá-la a um médico com urgência. É preciso tratar sempre, para evitar perder pessoas queridas”, completa.

Centro de Valorização da Vida

Ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que auxilia na prevenção do suicídio, passaram a ser gratuitas em todo o país em julho do ano passado. Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado em 2017, permitiu o acesso gratuito ao serviço, prestado pelo telefone 188.

Por meio do número, pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou que correm risco de cometer suicídio conversam com voluntários da instituição e são aconselhados. Antes, o serviço era cobrado e prestado por meio do 141.

A ligação gratuita para o CVV começou a ser implantada em Santa Maria (RS), há quatro anos, após o incêndio na boate Kiss, que matou 242 jovens. O centro existe há 55 anos e tem mais de 2 mil voluntários atuando na prevenção ao suicídio. A assistência também é prestada pessoalmente, por e-mail ou chat.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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