Não existe beijo gay

Reprodução/Instagram

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Felipe Neto demonstrou, em grande estilo, o poder que os influenciadores digitais têm na atualidade. O conceito, algo obscuro para os que contam com mais de 30 anos, tomou corpo quando o mais famoso youtuber brasileiro, seguido por 34 milhões de pessoas apenas em uma rede social, desafiou o poderio político-pentecostal do prefeito carioca Marcelo Crivella.

A patacoada do prefeito, ao determinar o recolhimento de obras com temática LGBT na Bienal do Livro, tinha endereço certo: era um aceno a seu eleitorado mais fiel; um agrado aos eleitores evangélicos, aproveitando o episódio para marcar sua posição – e talvez ganhar força – nas eleições municipais que se avizinham.

É óbvio que o prefeito sabia que associar obras que versam sobre a homossexualidade a condutas impróprias, taxando-as de inadequadas para o público infanto-juvenil, não seria bem recebido pelo Poder Judiciário. Qualquer estudante de direito poderia dizer que a censura de obras é constitucionalmente inadmissível. E não há dúvidas de que o prefeito tem pleno conhecimento de que, desde 2011, as uniões homoafetivas são plenamente admitidas pelo STF e produzem efeitos jurídicos válidos. Aliás, foi esse mesmo tribunal que há pouco considerou crime a homofobia.

A conclusão, então, é inafastável. O prefeito agiu politicamente, para agradar sua base eleitoral, ao tentar impor a censura sobre certas obras. Não contava, no entanto, com a blitzkrieg de Felipe Neto.

O ataque do influenciador foi fulminante. Adquiriu 14.000 livros vinculados à temática LGBT para distribuir gratuitamente na Bienal. E ainda se deu ao luxo de dar um tapa de luva: conseguiu, em curtíssimo período de tempo, que todos os milhares de exemplares que comprara fossem individualmente embalados em plástico negro, ostentando um adesivo com os dizeres “este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”.

Valendo-se de sua experiência de mais de dez anos nas redes sociais, Felipe Neto colocou em marcha um movimento que rapidamente viralizou. No dia seguinte, todos os milhares de livros foram gratuitamente distribuídos e a ação dominou os noticiários. O influenciador conseguiu ganhar o apoio e a simpatia dos mais diversos segmentos da opinião pública.

O tiro do prefeito saiu pela culatra. Três ministros do Supremo Tribunal Federal condenaram de forma firme a sua tentativa de impor a censura. Criticaram também a ideia de que a homossexualidade teria uma conotação negativa. No país que luta contra o atraso, os ministros da mais alta corte de justiça disseram claramente que a ação da prefeitura agride a democracia, a liberdade de expressão, o acesso à cultura e o livre desenvolvimento da personalidade.

Não houve meias-palavras. Não houve qualquer dubiedade nas falas dos três ministros. Não deixaram margem para interpretações equivocadas. Os juízes foram taxativos no sentido de que obras com temática homossexual não apresentam qualquer conteúdo impróprio, não são ofensivas à sociedade e não influenciam a formação do público infanto-juvenil. Ficou claro que a homossexualidade e as relações homossexuais integram a sociedade brasileira e não podem ser objeto de qualquer ato discriminatório ou preconceituoso.

O beijo entre dois homens, nesse contexto, não é um ato indecente. Não é um ato imoral. O beijo entre dois homens, ou entre duas mulheres, não é mais ou menos ofensivo que o beijo entre um homem e uma mulher. Nós podemos até dizer que não existe beijo gay. Existe beijo. E ponto final.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é professor universitário e doutor em direito.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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