Gerente que denunciou racismo na PBH é exonerada e lamenta condução ‘injusta’: ‘Ambiente super desagradável’

Etiene Martins denunciou casos direcionados a ela dentro da PBH (Facebook/@etienemartins/Reprodução)

Rafael D’Oliveira e Vitor Fernandes

A gerente de Prevenção à Violência da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção de Belo Horizonte (SMSP) que denunciou ter sido alvo de racismo e omissão na Prefeitura da capital (PBH) foi exonerada do cargo. A saída da servidora Etiene Martins, de 35 anos, foi oficializada nessa quarta-feira (18) no Diário Oficial do Município (DOM).

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No início do mês passado, Etiene tornou público o caso de racismo sofrido por ela. Ela teria ouvido de um guarda municipal que “preto bom é preto morto”, e de uma gerente da PBH, por e-mail, que “lugar de negra é limpando chão”. A gerente nega a autoria do e-mail.

Em conversa com o BHAZ, Etiene disse acreditar que sua exoneração foi a solução encontrada pela prefeitura para dar fim à denúncia.

“Na verdade, depois da denúncia, me colocaram em uma sala sozinha, tiraram a pessoa que estava na sala comigo. Eu era a única gerente que não tinha estrutura de banheiro, ar-condicionado. Me deixaram ociosa, sem acesso às minhas atribuições. As pessoas de hierarquias não me passavam nada, me deixaram subutilizada. Me sentia assediada moralmente. Como trabalhar em uma sala, todo mundo trabalhando e você sem atividade?”, lembra.

A mulher também conta que chegou a falar sobre o tempo desocupado com o secretário: “Antes de sair de férias mandei e-mail para o Secretário Municipal de Segurança e Prevenção, Genilson Ribeiro Zeferino, comunicando que eu estava ficando ociosa durante o ambiente de trabalho”, afirma.

Arquivo pessoal

Etiene conta que estava de férias até o dia 17 de setembro e foi comunicada sobre o deligamento pelo chefe de gabinete, que disse que o prefeito decidiu pela exoneração. “Foi uma reunião rápida, só para comunicar decisão. Foi essa forma que encontraram para solucionar o racismo dentro da Secretaria”.

A PBH declara que foi Etiene quem pediu exoneração (confira abaixo). Ela nega e justifica dizendo que: “quando um servidor pede exoneração o DOM é publicado como ‘exonera a pedido’, quando o funcionário é exonerado por decisão da prefeitura é só “exonera'”.

A servidora também lamenta a condução injusta da prefeitura durante o período em que permaneceu lá após a denúncia. “Ambiente super desagradável. E as outras pessoas que te violentaram continuam seguindo com sua vida normalmente, como se a errada fosse eu”, disse.

Corregedoria viu ‘fala inapropriada’

Passados seis meses da denúncia feita à corregedoria, Etiene Martins disse ter recebido posicionamento do órgão. “Eles concluíram que a fala do guarda não configurava dolo, mas sim uma fala inapropriada no local de trabalho. Me senti injustiçada e no dia seguinte fiz um boletim de ocorrência na Polícia Civil, levando o inquérito instaurado na Corregedoria em que em um dos depoimentos o guarda admitiu ter dito que ‘preto bom é preto morto’. Ele falou ainda que ‘não tinha sido por maldade, que tinha sido de pura alma e uma brincadeira’”, diz.

Ao tornar pública a situação, ela revelou que, um dia após ter feito o BO, sua chefe imediata, Márcia Cristina Alves, mandou um e-mail para ela, com teor claro de racismo, no qual escreve: “Depois da sua argumentação de hoje, você me faz constatar que para representar a SMSP é necessário um gerente branco como o Sebastião e lugar de negra é limpando chão”.

Márcia, por sua vez, garante que a mensagem não foi escrita por ela e que, no momento do suposto e-mail, ela estava em um banco. “Eu não fiz isso. Eu tenho provas materiais, como vídeos e fotos, e testemunhais, como o gerente e outras pessoas, que me viram dentro do banco. Fiquei entre às 12h e 13h45, pois estava fazendo um processo longo dentro do banco. Eu tenho fitas gravadas que já foram entregues à Justiça com a minha imagem. Não fui eu que escrevi esse e-mail, isso tem que parar”.

Medo e indignação

“É algo assustador. Como é que uma pessoa que trabalha armada, que admite a fala, continua trabalhando armada na cidade com aval do prefeito? Como uma pessoa que trabalha com prevenção a crimes e à violência pode agir dessa forma?’, questiona Etiene.

E avalia. “Só prova para mim que, infelizmente, estamos em tempo de retrocesso. A cada 10 assassinados sete, oito são negros. Na região Centro-Sul, de cada 10 jovens assassinados, 9,4 são negros. A PBH corrobora para que o racismo seja instituído dentro das Secretarias”.

Futuro engajado

Etiene diz que pretende servir para que situações de racismo sejam banidas da nossa sociedade. “Vou me dedicar à livraria e aos estudos. Pretendo buscar todos os meios para poder fazer com que isso não ocorra mais. Muitas pessoas estão passando por isso dentro do setor público. A maior parte das mulheres como eu, não tem escolaridade, não tem como reagir”.

E finaliza: “Eu pude abrir minha boca e falar. Denunciar me custou o emprego. As outras, que não tiveram as mesmas oportunidades que eu, se denunciarem, ficam sem ter o que comer’, conclui.

Posição da PBH

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte rebate e afirma que a própria servidora quem pediu exoneração. “Sobre o caso em questão, esclarecemos que Etiene era servidora comissionada, em cargo de recrutamento amplo, nomeada pelo prefeito Alexandre Kalil em 15/09/2017 e pediu, por iniciativa própria, exoneração do cargo no dia 03/07/2019, como comprova o e-mail anexo”, diz a nota.

E-mail em que Etiene teria pedido a exoneração (Divulgação/PBH)

Etiene rebate o e-mail divulgado pela prefeitura. Ela confirma o envio, mas alega que a conversa foi tirada de contexto. “No dia 28, eu mandei um e-mail para o Genilson comunicando o racismo que eu havia sofrido. Eu me vi acuda e sem forças para reagir e, por isso, não vi outra solução além de sair de lá. Eu mandei esse e-mail já sabendo que secretario não tomaria nenhuma atitude. Na sequência, ele me chamou para conversar e disse que eu não seria exonerada e ficou acertada minha permanência. Estão sendo levianos e estão descontextualizando o e-mail completo”.

De acordo com Etiene, no mesmo dia 3 de julho, data do e-mail, ela se reuniu com o secretário, que a convenceu de continuar no cargo. Ela registrou isso em um novo e-mail no dia 4 de julho. “Querem me responsabilizar por terem me mandado embora. É de doer “, afirma.

E-mail por Etiene enviado no dia seguinte ao pedido de exoneração (Arquivo Pessoal)

A PBH também se manifestou sobre as denúncias formais a respeito do caso: “Em consideração à grave denúncia, a prefeitura aguardou o andamento da apuração para acatar o pedido. A apuração resultou na absolvição do guarda Municipal, imposta pela corregedoria ao guarda municipal citado, servidor efetivo sujeito a regras específicas de sua carreira. A outra denúncia, que diz respeito a um e-mail, está sendo apurada pela delegacia de crimes cibernéticos da Polícia Civil”, declarou em nota.

Andamento das investigações

A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que “a denúncia registrada por Márcia Cristina Alves já está sendo apurada pela Delegacia Especializada de Investigação de Crime Cibernético. Outros detalhes não serão divulgado para não atrapalhar a investigação”.

Sobre as denúncias registradas por Etiene Pereira Martins Cardoso, “a PCMG informa que foram instaurados inquéritos policiais para a apuração das denúncias. A Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, Lgbtfobia e Intolerâncias correlata está realizando oitivas dos envolvidos”.

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