Cálice

Divulgação/Agência Câmara + Reprodução/Instagram/Twitter

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Ela foi ressurgindo lentamente. De mansinho. Envergonhada, se escondia atrás dos bons costumes. Também dizia que só queria proteger as crianças, coitadas; tão inocentes… Com o passar do tempo, foi encorpando. Foi perdendo o pudor. Hoje, arreganha os dentes e se mostra em toda sua plenitude. Não precisa mais de subterfúgios. Não se esconde mais. Pelo contrário. Desavergonhada, “chegou chegando”. E quem não gostar que vá para Cuba ou para a Venezuela. Ultimamente, poderia ser também Nova York ou Paris…

O cancelamento da exposição queermuseu, que ocorreria no Santander Cultural, em Porto Alegre, ainda no final de 2017, talvez tenha sido o momento em que ela deu seu primeiro bramido. E, de lá para cá, seus rugidos ficaram mais fortes. O Tchanzinho Zona Norte teve seu desfile censurado pela Polícia Militar no carnaval de Belo Horizonte e a mesma força policial impediu a Primeira Parada LGBT do Aglomerado da Serra. A campanha publicitária do Banco do Brasil foi retirada do ar, do mesmo jeito que o edital da Ancine foi suspenso. Dificuldades burocráticas impedem o lançamento de Marighella e o filme sobre Chico Buarque é barrado pelo Itamaraty. A Câmara dos Vereadores de Porto Alegre esconde a exposição “Independência em Risco” e a Prefeitura do Rio de Janeiro tenta recolher livros na Bienal.

Ela chegou. No morro, no engenho, nas selvas, nos cafezais, na boa terra do coco… Por todo o país, a censura mostra sua face intolerante e opressora. Ela está nas montanhas alterosas, no pampa e no seringal…

Pensar diferente, expressar o que sente e acessar o conteúdo que deseja. Isso tudo é incompatível com o projeto nacional pensado pela extrema-direita. A cartilha política neopentecostal abomina a diversidade, exige um ministro “terrivelmente evangélico” e quer ser conduzida por quem tenha a “Bíblia embaixo do braço, joelho ralado no milho e que saiba 200 versículos”.

Pior que tentar impor o próprio ideal de vida, as próprias ideias e convicções, eliminando qualquer estilo alternativo, é a aceitação da violência como meio de imposição comportamental. Por incrível que possa parecer, as ameaças de morte se tornaram parte da realidade política nacional, sob os olhos cúmplices do estado e a passividade obsequiosa da sociedade.

Quem poderia dizer que, em pleno século XXI, brasileiras e brasileiros seriam impunemente ameaçados de morte? Ah! Quão eloquente é o sepulcral silêncio mantido pelas autoridades brasileiras…

Marielle Franco foi assassinada. Jean Wyllys, Márcia Tiburi e Debora Diniz já estão refugiados no exterior. E a mãe de Felipe Neto também. A mãe de Felipe Neto… É inconcebível, mas a mãe do youtuber que humilhou o prefeito Crivella teve que ser levada para fora do país, por conta das ameaças de morte a ela dirigidas. Ameaças, inclusive, que chegaram aos filhos de Glenn Greenwald e David Miranda.

No universo cinematográfico de Hollywood, esse seria o momento em que o xerife apareceria para enfrentar o fora da lei e defender os inocentes. No faroeste que o Brasil se tornou, descobrimos que o xerife é o comparsa do fora da lei.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é professor universitário e doutor em direito.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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