Mineradora opera ‘ao lado’ de barragem sem estabilidade em Brumadinho: ‘Irresponsável’

Amanda Dias/BHAZ

Uma mineradora foi flagrada operando normalmente em Brumadinho, na região metropolitana de BH, a poucos metros de uma barragem abandonada há 10 anos e sem garantia de estabilidade. A operação, oito meses após o rompimento de uma estrutura da Vale que matou centenas, foi vista por uma equipe do BHAZ e é considerada “irresponsável” por especialista. A responsável, mineradora Morro do Ipê, garante que o trabalho é legalizado e que já foi suspenso após o flagrante.

A barragem abandonada tem alto potencial de destruição e chama-se B1-A (leia mais abaixo), cuja segurança não “é possível atestar”, segundo a Semad (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais). Desde que o risco da estrutura foi identificado pela Defesa Civil Municipal, em agosto, nove famílias foram expulsas de casa.

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E mais: a barragem abandonada está em um complexo com outra estrutura ameaçada, a barragem de Quéias e dois diques. “Há possibilidade de agravamento da situação com o aparecimento de novas anomalias nos taludes de jusante da barragem ‘Quéias’, a partir dos processos erosivos observados nesta estrutura”, admite a Semad.

No dia 7 de setembro, no entanto, uma equipe do BHAZ esteve no local e flagrou caminhões da Morro do Ipê operando em uma área muito próxima da barragem que está abandonada, extraindo minério de ferro na Mina Ipê. Uma ação considerada imprudente por especialista.

Confira:

Segundo o especialista em barragens e fundador do centro de pesquisas hidráulicas da UFMG, Carlos Barreira Martinez, falta prudência na continuidade das operações minerárias próximo da barragem abandonada. O professor analisou o vídeo registrado pela reportagem e explica: “Aquilo é processo insólito, estão despejando resíduos em um buraco. Não deveria ser uma ação de praxe”, comenta.

“A prudência diz que manter operações minerárias próximas de uma barragem sem segurança estabelecida não deveria ser normal. Mesmo sem uma exigência técnica, pela exigência social, eles deveriam ser mais cuidadosos”, afirma. “Vamos supor, por exemplo, que a barragem não tenha nada e esteja segura. Poxa vida, independente disso, as pessoas ficam assustadas. Não estamos falando de uma bobagem, morreu muita gente em Brumadinho. Não é possível que essa mineradora não tenha receio de se envolver em uma nova tragédia”, acrescenta Carlos Barreira.

  • Ponto Azul: Local onde estava a equipe de reportagem
  • Ponto Vermelho: Região onde o caminhão estava despejando rejeitos
  • Ponto Amarelo: Barragem B1-A, que está abandonada

De acordo com o especialista, a continuidade das atividades de extração na região pode ser justificada pela falta de fiscalização. “O Estado está falhando. O Estado tem uma falta de postura assustadora. É necessário que toda aquela região esteja regularizada antes de continuar com os trabalhos minerários. Ninguém sabe a situação da barragem, estão se colocando em risco e sob suspeita. Fazer esse tipo de coisa sem que a área esteja legalizada é imprudente. Já pensou se acontece um acidente? Estão se expondo sem necessidade. É uma opção que considero errada” ressalta.

Morro Ipê esclarece

Procurada, a Morro do Ipê explicou a ação do caminhão e disse que todas as suas operações estão licenciadas. Procurada para confirmar a informação, a Semad não respondeu às demandas do BHAZ. Além disso, a empresa ressaltou que o processo não está sendo mais realizado.

“Todas as operações da Mineração Morro do Ipê estão devidamente licenciadas pelo órgão ambiental. A operação observada é caracterizada como disposição em baias, comum nas atividades de mineração. Essas baias retêm o lançamento do material sólido, não havendo descarte e/ou carreamento de materiais para as barragens da Morro do Ipê nem da Emicon. Trata-se de uma operação provisória de pequeno porte, que já não está sendo mais realizada na área”.

Em relação à barragem B1-A, que foi abandonada pela mineradora Emicon, a Morro do Ipê disse que tem ajudado nos trabalhos de vistoria do local. “A Mineração Morro do Ipê esclarece que não tem qualquer relação com a barragem da Emicon e apenas viabiliza o acesso ao local para as vistorias. Todas as barragens da Morro do Ipê estão desativadas, e são estáveis e monitoradas diariamente”, disse a mineradora.

Barragens

Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (AMN), a Emicon, que encerrou suas atividades há mais de dez anos, mantém na região duas barragens: a B1-A, com 38 metros de altura e 914,5 mil metros cúbicos de rejeitos, e a barragem de Quéias, com 75 mil metros cúbicos. A mineradora registrou no sistema também os diques B3 e B4, que, somados, contam com mais de 25 mil metros cúbicos de lama de mineração.

Das barragens, somente a B1-A tem potencial alto de destruição, segundo a ANM. Os diques B3 e B4 têm, respectivamente, potenciais médio e baixo. A barragem Quéias não tem este tipo de classificação.

Mina funciona ao fundo da barragem que está abandonada (Amanda Dias/BHAZ)

Em nota (confira na íntegra abaixo), a Semad disse que “o sistema estadual de meio ambiente e recursos hídricos (Sisema), por meio da fundação estadual do meio ambiente (Feam), vem acompanhando, no âmbito de suas competências, a situação da barragem B1A da Emicon”.

A secretaria ressaltou que uma avaliação, feita em setembro de 2018, concluiu que a Barragem B1-A encontrava-se instável geotecnicamente, não sendo possível atestar a sua segurança. “Em 6 de maio de 2019, técnicos da Feam estiveram no empreendimento e constataram a necessidade da aplicação de ‘recursos para subsidiar estudos, monitoramento, manutenção e intervenções que se fizerem necessárias para a proteção do meio ambiente’, nas barragens B1A, Dique B3, Dique B4 e Quéias”, afirma a secretaria.

O BHAZ também questionou a Semad sobre a mineradora que segue operando na região da barragem ameaçada. Confrontada se os trabalhos seriam prejudiciais e se a secretaria pretende intervir na área para reduzir os riscos, a Semad não respondeu.

Emicon sem respostas

A Emicon, responsável pela barragem abandonada, ignorou o pedido da Semad para entregar a Declaração de Condição de Estabilidade da barragem. O prazo venceu no dia 1º de setembro e até o momento o documento não foi entregue à secretaria. A Justiça também já havia solicitado à empresa a declaração, sob pena de multa de R$ 100 mil para cada dia de atraso.

A Justiça exigiu também um Plano de Emergência, com a instalação de sistemas de alarme sonoro na área da barragem, adoção de procedimentos de emergência e evacuação das pessoas abaixo da barragem. Destes procedimentos, somente a evacuação foi realizada, onde seis famílias foram retiradas do local. Desde então, a região segue sem informações sobre sua estabilidade.

De acordo com o especialista, Carlos Barreira, há uma falha da Justiça e da fiscalização no país, o que permite que as mineradoras ignorem determinações. “No Brasil, a Justiça demora 30 anos para dar uma resposta do ponto de vista de punição e cobrança de multa, é um vale tudo no Brasil. Enquanto não houver uma mudança de postura ou uma reforma da legislação, vai ser muito difícil. Estamos brincando de ser um país”, afirmou.

Além disso, o professor disparou críticas contra a Semad por conta da não entrega da declaração de estabilidade e segurança da barragem. “Ela [a secretaria] não exigiu nada da empresa. Nada. Fez um pedido educado, e o eles disseram não. O órgão tem medo de que as mineradoras vão embora. O Estado está sendo leniente com tudo, está perdido com essa crise financeira. Há uma tentativa de vencer a inércia econômica abrindo porteiras para tudo. Podemos sair da crise bem ou com passivos que serão pagos por alguém. E a mineração segue transformando lambança em lucro. O lucro deles é o prejuízo nosso. É preciso fortalecer a fiscalização e agilizar a Justiça”, reitera.

O BHAZ procurou a Emicon, contudo, já que a empresa encerrou suas atividades, não há uma assessoria de comunicação, mas sim um advogado que responde pela mineradora. A reportagem tentou falar com o representante por telefone e por e-mail, como solicitado por sua equipe. Entretanto, até a publicação desta matéria, não obtivemos nenhum retorno. Caso a empresa se pronuncie, o material será atualizado.

Nota da Semad

“O Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), vem acompanhando, no âmbito de suas competências, a situação da Barragem B1A da Emicon.

Neste sentido, segundo as informações declaradas pela empresa no Banco de Declarações Ambientais (BDA) – Ano base 2018, a estrutura Barragem B1A não obteve a sua condição de estabilidade atestada pelo auditor devido, primeiramente, à dificuldade de acesso à totalidade da estrutura pela equipe auditora, que pudesse possibilitar uma boa inspeção, uma vez que não estavam sendo realizadas as atividades de monitoramento e inspeção de rotina da estrutura, por parte da empresa, e sequer programados os serviços de manutenção e limpeza necessários.

Ainda de acordo com a análise de estabilidade realizada pela equipe de auditoria externa e independente, a barragem apresentava um coeficiente de segurança mínimo de 1,469, ligeiramente inferior ao mínimo recomendado na legislação.

Por fim, cabe ressaltar que, nesta avaliação de setembro de 2018, o auditor concluiu que a Barragem B1-A encontrava-se instável geotecnicamente, não sendo possível atestar a sua segurança.

Em 06 de maio de 2019, técnicos da Feam estiveram no empreendimento e constataram a necessidade da aplicação de “recursos para subsidiar estudos, monitoramento, manutenção e intervenções que se fizerem necessárias para a proteção do meio ambiente”, nas barragens B1A, Dique B3, Dique B4 e Quéias. Na ocasião foi ressaltado que há possibilidade de agravamento da situação com o aparecimento de novas anomalias nos taludes de jusante da barragem “Quéias”, a partir dos processos erosivos observados nesta estrutura.

Diante das condições relatadas e demais informações coletadas por outros órgãos de controle foi determinado por sentença judicial, em 23 de julho de 2019, a evacuação das áreas a jusante, especificamente das áreas de dam break da barragem B1-A.

Em 31 de julho de 2019, técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão legalmente competente para fiscalizar a segurança de barragens de mineração, visitaram a barragem B1A da Emicon Mineração e reafirmaram que a barragem não está com a devida manutenção (vegetação considerável no talude, cupins e formigueiros). Todavia, não se verificou, numa análise preliminar (sem auxílio de aparelhos), indicativos de risco iminente, porém, essa conclusão só pode ser atestada com a utilização de equipamentos adequados. Ainda na mesma vistoria, realizada em conjunto com militares da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (CEDEC), a consultoria contratada pela empresa para realizar a devida caracterização e avaliação das estruturas informou que a conclusão das intervenções está prevista para o final de setembro, quando a equipe auditora também irá entregar o DAM BREAK (mapa de inundação) das áreas possivelmente afetadas pela barragem B1A, em caso de rompimento.

Neste cenário, em 20 de agosto de 2019, a Feam oficiou a empresa a apresentar, em 72 horas, cronograma e projeto detalhado que consolide as medidas planejadas e em execução, adotadas pela EMICON, visando a estabilização da segurança da Barragem B1A da Fazenda Quéias de Brumadinho.

Adicionalmente, solicitou que a empresa apresentasse, até o dia 1 de setembro de 2019, o relatório resultante da Auditoria Técnica de Segurança, acompanhado das Anotações de Responsabilidade Técnica – ART’s dos profissionais responsáveis, e a Declaração de Condição de Estabilidade da Barragem. Todavia, até o momento, os documentos requeridos não foram entregues e serão adotadas as medidas administrativas cabíveis”.

Notas da Mineração Morro do Ipê:

“A Mineração Morro do Ipê esclarece que não tem qualquer relação com a barragem da Emicon e apenas viabiliza o acesso ao local para as vistorias. Todas as barragens da Morro do Ipê estão desativadas, e são estáveis e monitoradas diariamente”.

“Todas as operações da Mineração Morro do Ipê estão devidamente licenciadas pelo órgão ambiental. A operação observada é caracterizada como disposição em baias, comum nas atividades de mineração. Essas baias retêm o lançamento do material sólido, não havendo descarte e/ou carreamento de materiais para as barragens da Morro do Ipê nem da Emicon. Trata-se de uma operação provisória de pequeno porte, que já não está sendo mais realizada na área”.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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