A Lava Jato em xeque

Rosinei Coutinho/SCO/STF + Fabio Rodrigues Pozzebom/Arquivo Agência Brasil

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

A resiliência de Sérgio Moro é notável. Quase quatro meses depois de iniciadas as divulgações de suas inconfidências nada republicanas, ele ainda é a figura mais bem avaliada do governo federal. Não que ele não tenha perdido parte de seu capital político: o COAF saiu de seu ministério, seu projeto de lei anticrime foi posto em segundo plano, não conseguiu indicar o chefe da PGR, o Congresso aprovou a lei de abuso de autoridade e rejeitou sua excludente de ilicitude e o próprio presidente o desautorizou publicamente – e mais de uma vez. No entanto, ele conserva o prestígio adquirido à época em que liderava a Lava Jato e fazia suar frio a classe política.

O seu prestígio, porém, não foi suficiente para preservar a Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria, entendeu que os réus delatados têm o direito de se manifestarem depois de terem conhecimento das alegações feitas pelos seus delatores. Dos quatro ministros vencidos, três manteriam laços mais estreitos com a Lava Jato, como revelado pelo The Intercept, o que dá azo à especulação de que a operação teria perdido apoio no âmbito do Tribunal.

Para quem não está acostumado com o processo penal, é importante registrar que a defesa propriamente dita é realizada justamente no momento em que se apresentam as alegações finais. Existe uma fase anterior, a da resposta à acusação, na qual o réu, essencialmente, apresenta as provas que pretende produzir. As principais teses da defesa, porém, somente serão deduzidas ao final do processo, por meio das alegações finais. É claro, portanto, que se o réu não teve a oportunidade de conhecer as alegações do delator, ele não terá a possibilidade de realmente se defender.

E nem se diga que os dois são réus e, por isso, as alegações deveriam ser apresentadas simultaneamente. Ambos são réus, sim, mas com interesses divergentes. O delator quer que sua delação seja admitida, ao passo que o delatado tentará jogá-la por terra. Compreensível, nesse contexto, a decisão proferida pelo STF, que prestigiaria um movimento garantista, de maior defesa dos direitos dos acusados criminalmente.

Ainda que a posição do STF seja justificável, sob a ótica jurídica, não se pode deixar de reconhecer que foi a segunda derrota seguida da Lava Jato. Logo antes, a Segunda Turma do STF já tinha anulado uma sentença pelo mesmo vício processual. E, no transcorrer desta semana, mais um revés: a proposta de Toffoli, que poderia reduzir o número de decisões consideradas nulas por inobservância do procedimento considerado juridicamente adequado, tem sido criticada por integrantes da Corte, que não parecem dispostos a contemporizar em tal questão. E o que é ainda pior: as pedras no caminho da Lava Jato não terminaram. Em breve, a suspeição de Moro nos casos envolvendo o presidente Lula e a prisão em segunda instância serão julgados pelo mesmo STF, e os prognósticos não são favoráveis para a acusação.

Não deixa de causar perplexidade os novos rumos que se desenham para a Lava Jato. Há pouco, uma operação intocável. Acima do bem e do mal, manifestações foram organizadas e a sociedade civil foi mobilizada – e agora já sabemos como – em defesa da força tarefa. Multidões foram às ruas para expressar seu apoio à mais famosa operação de combate à corrupção jamais deflagrada no país.

Era de se esperar, então, que o ataque desferido pelo STF, com o potencial de enfraquecer significativamente a Lava Jato, sofreria oposição mais forte do que até agora se viu. Imaginava-se que aqueles que sonham com o cabo e o soldado urrassem pelas redes sociais, mas não foi o que ocorreu: a reação popular foi menos intensa do que se previa.

É possível que a divulgação das conversas dos membros da força tarefa tenha minado a força da Lava Jato. Descobriu-se que o combate à corrupção serviu de pano de fundo para que servidores das mais diversas carreiras auferissem ganhos pessoais e acalentassem projetos políticos próprios. Ironicamente, alguns deles até mesmo chegaram a ser presos por extorquirem os investigados pela operação…

O desafio agora, para a Lava Jato, é justamente se recuperar e retomar a sua credibilidade. Atualmente, parece seguir, de forma inexorável, o mesmo caminho da Satiagraha, Castelo de Areia e Boi Barrica, anuladas pelos equívocos e irregularidades praticados por aqueles que, para fazerem cumprir a lei, acabaram por descumpri-la.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é professor universitário e doutor em direito.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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