Um belo presente

Valter Campanato/Agência Brasil + William Delfino/CMBH + Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

As aulas em Belo Horizonte nunca mais serão as mesmas!

Agora, o professor não deve se esquecer de falar que a terra é plana, os dinossauros não existiram, as vacinas causam autismo e não há evidências de que a ação humana tenha qualquer impacto no clima. A evolução é uma hipótese e sexo não deve nem ser lembrado em sala. Ah! O homem também nunca foi à lua, o nazismo é uma ideologia de esquerda e o genocídio não existiu…

Os bravos edis da capital mineira resolveram dar um presente especial aos professores, às vésperas do dia a eles dedicado: aprovaram em primeiro turno a escola sem partido.

Agora, um cartaz de quase um metro de altura será afixado em todas as salas de aula, para que ninguém se esqueça dos “deveres do professor”.

Deve o professor tratar seus alunos com urbanidade, respeito e ministrar o conteúdo da disciplina, sendo assíduo, pontual e dedicado? Ele deve agir eticamente e de forma responsável? Não. Isso não é, aparentemente, uma obrigação do professor.

O que dele se exige é dar igual peso “às opiniões concorrentes a respeito da matéria”. É não incitar seus alunos para “participarem de manifestações, atos públicos e passeatas”. É “não se apropriar da audiência cativa dos alunos para transmitir-lhes suas próprias convicções”.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal já sinalizou que estados e municípios não têm competência para editarem normas gerais sobre educação. Também já indicou que a escola sem partido viola a liberdade de aprender, a liberdade de cátedra e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, além de constranger os professores.

Na verdade, os disparates da escola sem partido pretendem substituir uma concepção histórica e ideológica por outra. Aproveitando sua recém adquirida proeminência, a direita conservadora estende suas quelíceras, querendo impor uma visão ultrapassada, não científica e acrítica do mundo.

A partir de casos isolados e extremos, construiu-se um cenário em que professores seriam radicais de esquerda, empenhados em converter seus alunos para a cartilha marxista. O estudante sairia da escola gay, ateu e feminista, e com padrões morais nada elevados. Não foi por outro motivo que Damares afirmou que os estudantes conservadores não usam maconha e nem se masturbam com crucifixos, e que Weintraub disse que deveria ser o ministro do ensino, pois a educação competiria apenas à família.

Os vereadores que tanto se empenharam em aprovar a escola sem partido desconhecem a dinâmica do processo educacional e o papel da escola na formação da cidadania, mas sobretudo superestimam o papel do professor. Por outro lado, não demonstram a mínima preocupação com a valorização da docência: mal remunerados, desestimulados e desrespeitados, os professores agora terão mais um desafio: o constante enfrentamento com as famílias, impulsionado por uma lei que os desautoriza ainda mais.

Se até uma das mais tradicionais escolas da capital mineira sucumbiu ao assédio dos pais, inconformados com um texto crítico adotado em uma prova, o que não se pode esperar nas centenas de escolas municipais…

As eleições municipais, que acontecerão no próximo ano, certamente darão fôlego aos vereadores, ávidos para demonstrarem sua preocupação com os “valores familiares” em sua incansável busca por votos. Pena que não tenham voltado seus olhos para debaterem meios de efetivamente melhorar a qualidade da educação em Belo Horizonte.


* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário. Foi o primeiro presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG e é membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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