Professora é perseguida ao propor reflexão sobre Bolsonaro negar Ditadura

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Uma professora de história foi denunciada por pais de alunos após aplicar uma prova que citava, por meio de charges, o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O caso ocorreu com estudantes do nono ano da Escola Municipal Sócrates Mariani Bittencourt, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.

O deputado estadual Bruno Engler (PSL) recebeu uma denúncia de pais de um aluno e enviou um ofício ao diretor da escola pedindo que a conduta da professora seja apurada e medidas tomadas. Além disso, ele se manifestou na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) e rasgou uma nota de repúdio do Sind-UTE/MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais).

A prova aplicada pela professora Adriene Gomes (veja no fim da matéria), em março deste ano, tinha duas charges e uma matéria do jornal “O Globo”, publicada no dia de 7 julho de 2018. No texto, a professora traz falas do presidente sobre a ditadura militar, o Estatuto do Desarmamento e a privatização dos setores de energia e petróleo. Durante a prova, Adriene pede que os estudantes produzam um texto dissertativo que relacione “pós-verdade” com a negação do golpe de 1964.

De acordo com o deputado estadual Bruno Engler (PSL), pais de um aluno teriam o procurado para denunciar a professora. “A prova aplicada não é educação, é simplesmente doutrinação. São diversas perguntas que induzem o aluno a ficar contra o governo Jair Bolsonaro e que colocam o presidente como monstro”, disse.

O deputado continua e mostra uma charge que retrata Bolsonaro e um eleitor. “Isso é uma palhaçada, doutrinação. É um ataque e um desrespeito, não só ao presidente Jair Bolsonaro, mas a todos os seus eleitores”. No final, ele ainda exibe uma nota de repúdio do Sind-UTE/MG e rasga o documento.

“Eu já chorei muito, fiquei muito abalada quando fui comunicada pelo diretor”, começa a professora Adriene Gomes em vídeo divulgado por ela nas redes sociais. “Vou dirigir essa fala para os professores. A prova, que foi anexada ao ofício encaminhado para o diretor da escola, é uma prova em branco. Eu sei porque ela está em branco. Eu imagino que a família tenha feito questão disso, já que o estudante respondeu a última questão com uma receita de bolo de chocolate. A família foi chamada na escola para discutir essa questão”.

Ainda segundo a professora, na época em que a família foi chamada, a escola tentou argumentar sobre a importância do conhecimento científico. “No sentido de deixar os sujeitos que frequentam o espaço escolar mais fortalecidos, o conhecimento fortalece. Uma coisa que a escola faz de muito importe é isso: ensinar. Fortalece pois eles compreendem as relações políticas, sociais, do homem com a natureza”.

A professora explica que nunca havia pensado que uma prova pudesse lhe causar algum tipo de constrangimento. “Hoje estamos tendo que lidar com essa questão, o que prova que estamos vivendo em um Estado de exceção. Parte dos nosso governantes não compreende o verdadeiro valor da educação pública, uma parte grande, inclusive. Está na hora de dar um basta, chega. Chega dessa situação em que a gente precisa perguntar se pode perguntar. Hoje é comigo, amanhã é com os outros, com todos nós”.

Adriene também criticou o chamado Escola sem Partido, projeto aprovado em 1º turno em Belo Horizonte. “Chegou a hora da gente dar um basta nesse projeto Escola sem Partido, que eu chamo de escola com partido único. Em que a gente não pode fazer nenhum tipo de crítica, senão nós somos ameaçados. Chega desse estado de exceção que penaliza professores, chega de um país que penaliza professores”.

Por fim, a professora afirma que processará o parlamentar. “O deputado em questão, que me ameaça através de um ofício, um jovem que sequer sabe a sua função no legislativo, vai sofrer um processo legal. É preciso que os professores se fortaleçam, que não tenham medo. Não devemos ter medo, por estar do lado certo da história. Toda a minha solidariedade aos professores deste país”, completa Adriene.

Sindicatos se manifestam

O Sind-REDE BH (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte) emitiu uma nota (leia abaixo na íntegra) dizendo que “se posiciona de forma categoricamente contrária a tal perseguição e a qualquer outra que atinja os trabalhadores no exercício de sua profissão. O nosso repúdio também vem acompanhado com um aviso: não nos imporão o medo! A educação pública é a maior trincheira de resistência aos ataques do obscurantismo”.

O Sind-UTE/MG também emitiu uma nota (leia abaixo na íntegra) e reforçou o repúdio contra a atitude do deputado estadual. O sindicato diz que “a Escola não pode abrir mão de seu caráter crítico, laico e democrático em razão do descontentamento pessoal de um ou outro indivíduo que não compreende o papel da ciência”.

Escola sem Partido

Encerrando um longo processo de obstrução pelos opositores, o projeto de lei que institui o “Programa Escola sem Partido” (leia mais aqui) nas escolas do município foi aprovado na reunião plenária no último dia 14 com 25 votos favoráveis e oito contrários. A matéria, que gera controvérsias em todo o país, vem sendo alvo de polêmicas e manifestações dentro e fora da Câmara de BH desde sua inclusão na pauta, em setembro.

Por orientação da Superintendência de Segurança e Inteligência e determinação da presidência, todos os acessos às dependências da Casa foram fechados, após os confrontos e agressões ocorridos na última quarta-feira (9). O PL volta às comissões para apreciação das 29 emendas apresentadas antes da votação definitiva do Plenário em 2° turno.

+ Escola sem Partido é aprovada em 1º turno e BH torna-se a primeira capital a aprovar projeto

Nota Sind-REDE BH

“O Sind-REDE/BH) por meio dessa moção, vem a público manifestar sua indignação e contrariedade frente a carta enviada pelo deputado estadual Bruno Engler (PSL), ao diretor da Escola Municipal Sócrates Mariani Bittencourt de Contagem/MG, Ivan Gontijo Lopes, onde pede “providências contra a professora de história Adriene Gomes.

Vivemos em tempos de grande polarização ideológica, em que os debates entre posicionamentos políticos se expressam em todas as dimensões da vida social. Porém, desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro tal acirramento tem se intensificado.

Uma das últimas expressões desses ataques se realizou contra a professora de história Adriene Gomes. Foi redigida contra ela uma carta (acompanhada de documentos anexos), assinada pelo deputado estadual Bruno Engler (PSL), que a acusam de incentivar a disputa política e ideológica no ambiente escolar. O deputado ainda pede que o diretor da escola tome providências administrativas para apuração e punição da professora. É preciso frisar que a carta confronta o princípios da constitucionais.

Posturas como essa ganharam mais força quando o projeto inconstitucional “Lei da Mordaça” (PL 274/17), chamado por seus criadores de “Escola sem Partido”, foi aprovado em primeiro turno na Câmara Municipal de BH. É preciso salientar que a lei não está em vigor no município de Belo Horizonte, quiçá em Contagem. Mas, sua simples aprovação em primeiro turno foi o suficiente para que um deputado estadual se sentisse na obrigação de promover uma perseguição ideológica contra uma professora municipal.

Infelizmente, esse não é um caso isolado. Recorrentemente, professores, alunos, assistentes-administrativos, ativistas sociais e todo o tipo de trabalhador em educação tem sofrido tentativas de retaliação por seus posicionamentos políticos.

Frente a esses fatos, o Sind-REDE/BH se posiciona de forma categoricamente contrária a tal perseguição e a qualquer outra que atinja os trabalhadores no exercício de sua profissão. O nosso repúdio também vem acompanhado com um aviso: não nos imporão o medo! A educação pública é a maior trincheira de resistência aos ataques do obscurantismo”.

Nota Sind-UTE/MG

“O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), por meio dessa nota, solidariza-se com a professora  Adriene Gomes, vítima de constrangimento e tentativa de censura por parte do deputado estadual, Bruno Engler (PSL).

Por meio do Ofício 124/2019, assinado por ele e expedido pelo seu gabinete para a direção da Escola Municipal Sócrates Mariane Bittencourt, o parlamentar pede a “tomada de providências” contra professora de História, por ministrar conteúdos relativos à sua disciplina sem a anuência da família de um(a) estudante descontente com a metodologia da docente.

A Escola não pode abrir mão de seu caráter crítico, laico e democrático em razão do descontentamento pessoal de um ou outro indivíduo que não compreende o papel da ciência.

Solidarizamo-nos, mais uma vez, com a professora Adriene Gomes e repudiamos, veementemente, a postura do deputado Bruno Engler”.

Veja a prova:

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Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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